03 julho 2008

Diário Político 88


A província, ah a província é tão provinciana!... Tão sem graça, tão pobrezinha de espírito e de maneiras...

Vem tudo isto a propósito de um jantar de desafronta que um grupo de repolhudas personalidades vai promover para exaltar as “altas qualidades académicas e intelectuais” de uma ex-personalidade ministerial.
Lido assim, cfr. “Público” poderia pensar-se que a personalidade em questão, teria sido atingida ou denegrida nesses específicos campos: o intelectual e o académico.
A alegada vítima é a Doutora Pires de Lima e o seu carrasco, já que ninguém refere João Bénard da Costa ou António Roma Torres ou Luís Miguel Cintra, Sª Exª o actual Ministro da Cultura.
Vejamos. Terá o Senhor Ministro dito que a a sua antecessora no cargo era uma tontinha de atar, uma pessoa incapaz de ensinar sequer o Bê A Bá às criancinhas, enfim alguém capaz de confundir João de Deus com Miguel Esteves Cardoso?
Ou terá S.ª Ex.ª apenas afirmado que não ficava bem a ex-ministros vir falar e criticar antigos colaboradores que, o ponto é importante, nunca criticaram durante o seu múnus ministerial, antes lhes tendo aparentemente dado incondicional apoio?
Foi alguém que daí, do grupo exaltado das leitorinhas gentis, que resolveu, à falta de um bey de Tunes, desancar a Doutora Pires de Lima, chamando-lhe coisas tremendas e culpando-a de um extenso rol de males da pátria e de ofensas ao Porto, cidade invicta que viu passar por ela todos os exércitos desde o francês ao do fascismo, matando-lhe filhos e afilhados com equânime indiferença?
Ou terá sido a referida Senhora a abrir estranhissimamente hostilidades contra um reputado dirigente da Cinemateca Portuguesa, admirado por gregos e troianos, alvo de uma excepcional medida de continuação no cargo apesar de ter atingido o limite de idade, uma espécie de reconhecimento nacional que envolveu, Ministra, Primeiro Ministro, dezenas de cidadãos influentes e até um Presidente da República?
E tudo isto a propósito de um patético manifesto de rapazinhos entusiasmados que desconhecendo coisas evidentes e fáceis achavam que para ver cinema anterior a 1990 (repare-se no primor da data) bastaria abrir um “centro de programação de filmes” na cidade do Porto, como se isso fosse panaceia -e não é – ou substituísse o único organismo capaz de levar a cabo um desiderato desse teor, isto é uma cinemateca (como muito bem apontou António Roma Torres) isto é um organismo credível que pudesse integrar-se no circuito internacional de troca de filmes, garantindo qualidade de projecção, dignidade de tratamento dos suportes, existência de um acervo para troca, além dos indispensáveis arquivo, biblioteca e laboratório. É que o intercâmbio de filmes tem destas “pequenas exigências”. Ninguém dá nada de borla, e as cinematecas do mundo inteiro são duma (necessária e compreensível) exigência neste domínio.
Foi a Doutora Pires de Lima que chamou autista ao Dr João Bénard da Costa e o considerou culpado de uma alegada paralisia da Cinemateca Portuguesa em que, aliás, nem ela acredita quando faz suas as afirmações do Manifesto já citado que acusa a Cinemateca Portuguesa de passar nas suas instalações um número desconforme de fitas. Ou seja, o Director da Cinemateca passa muitos mais filmes, em muito menos tempo, e com muitíssimo menos dinheiro que os seus congéneres internacionais. Está visto que isto é pura paralisia, autismo e má gestão cultural!!!
Claro que sobre estas irresponsáveis afirmações caiu um dilúvio de criticas a que nem sequer o Ministro, visivelmente incomodado, conseguiu escapar. Estava em causa o prestígio (internacionalmente reconhecido) de uma instituição, o bom nome de um alto funcionário do Estado e, sobretudo essa coisa risível que é a Verdade. Todavia nem assim, a doutora Pires de Lima recuou. Achou e disse-o que, como deputada pelo círculo do Porto (é o mal de elegermos uma molhada de deputados em vez de podermos votar ou não apenas em um), podia fazer ou dizer o contrário do fizera ou dissera como Ministra. Está nos jornais e por palavras dela. Aqui não se inventa nada.
Agora que as coisas voltaram á normalidade e que Bénard respondeu, aparecem umas pessoas muito do Porto, que resolvem achar que alguém beliscou as qualidades intelectuais e académicas da doutora Pires de Lima.
E quando se esperava que um desses onze novos Magriços desafiasse o Ministro, o encenador e actor Cintra ou João Bénard para um duelo, eis que, para espanto e desapontamento nosso, decidem resolver a questão com um jantar na Cooperativa Árvore. Convenhamos que não parece ser este o local adequado a um ágape reivindicativo. Para tal, e com faca e garfo, sem esquecer o babete à volta do pescoço, há na cidade invicta, palcos mais interessantes. E mais adequados. A Cooperativa Árvore é óptima para exposições, medíocre para concertos e fracota quanto a estacionamento. Não tem que se saiba um serviço de cozinha sequer mediano. Por tudo isto, e dada a grandeza da personalidade a desafrontar eu proporia a Cooperativa dos Pedreiros, ou seja o restaurante Portucale, a melhor mesa do Porto e quiçá do país.
Mas suponhamos, por um momento, que o Portucale seja demasiado elitista, caro, e fora de mão. Suponhamos que os defensores das qualidades intelectuais e académicas da Doutora Pires de Lima sejam mais favoráveis á comida simples e burguesa do Porto antigo. Ou à moderna liturgia da impagável “francezinha especial” inultrapassável receita com que um Porto definitivamente off se vingou do Porto conservador do bacalhau á Gomes de Sá.
Também nestes dois domínios haveria na cidade palco mais adequado do que a mortiça cooperativa artística do passeio das Virtudes.
Mas há mais: um jantar de desforço contra a maldade combinada do Terreiro do Paço e de Bénard da Costa, implica um menu que não pode ser deixado ao Deus dará. Que comer em situação de crise iminente, de guerra contra os mouros e contra o centralismo hediondo da cidade de mármore e granito? Um arroz de favas? Demasiado literário e as favas estão pela hora da morte. Umas tripas à moda do Porto? Muito forte para refeição nocturna. O mesmo se diga dos rojões à moda do Minho, do bacalhau à Narcisa (ainda por cima de Braga) ou da posta mirandesa (de forte conotação reaccionária, como tudo o que vem de Trás Os Montes). Fontes geralmente bem informadas sussurram-me que a coisa se ficará por uns filetes de pescada com arroz de tomate, seguido de vitela assada com batata frita. Nada de muito entusiasmante mas o que interessa é o motivo do conclave. E esse é o de repor a inatacada honra intelectual e académica da Doutora Pires de Lima. Que já avisou que estará presente. Bom proveito!

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