18 julho 2008

Missanga a pataco 56

O tempo, versão portuense


Há uns anos entrei na livraria Leitura e o Fernando Fernandes, esse livreiro de mão cheia e coração grande, avisou-se, assim que me viu, que tinha chegado um livro pedido por mim. Nem me dei ao trabalho de perguntar qual. Livros pedidos por mim eram moeda corrente naquela casa. Por mim e por mais um bom quarteirão de fregueses. O Fernando até dizia que nem precisava de ler a imprensa especializada. Bastava pô-la à nossa disposição e nós encarregávamo-nos de fazer a lista dos que interessavam. Claro que lia os boletins bibliográficos de fio a pavio mas isso era outra conversa.
Quando acabei de farejar as novidades, fui pelo livro chegado. Era um livro que eu já tinha seguramente há vários anos. “arterosclesose?”, perguntei-me assustado. Ó Fernando eu já tenho este livro. - Mas Você pediu-o. Tenho aqui o impresso do pedido. Esmagado por mais esta mostra da velhice galopante, saquei-lhe o papel da mão. Era um pedido com onze anos!
Aliviado, passei ao ataque num discurso longo e florido, todo em ponto cruz a gozar com uma livraria que no curto espaço de onze anos satisfazia os pedidos da clientela.
Mas o Fernando, batido nestas e noutras, raposa velha, limitou-se a responder que a livraria Leitura nunca desistia de satisfazer um pedido de um cliente demorasse o tempo que demorasse.

Ora ontem, resolvi passar pelas “Zenoficinas”, alto lugar do restauro de quadros, imagens, documentos, tudo. Se os da Zen, especialmente o Senhor Campos, não souberem, ninguém sabe.
Ia por uns diplomas do meu trisavô Ernst Richard Heinzelmann. O velho senhor, nascido nos alvores do século XIX licenciara-se em Medicina em Berlin, na Universidade Frederico Guilherme aí por 1820. Emigrara para o Brasil onde o Imperador D Pedro lhe concedera em vistoso documento uma “verificação da licenciatura”, com fita verde e branca pendente e selo em caixinha de prata. Isso e dois documentos esfarrapados da “alma mater” berlinense eram os tesouros que mandara restaurar.
O senhor Campos lembrou-se logo. Ah, uns diplomas em latim... Estão aí numa gaveta. Às vezes penso neles mas como ninguém reclama vou-os deixando para trás.
Pois considere a reclamação feita e em tom de ameaça mortal. Essa papelada está cá há um par de anos, retorqui-lhe com ar severo.
Encontrámos os papeis ainda dentro da capa que eu fizera para os guardar. O Senhor Campos jurou-me que os tem prontos antes do fim do mês. E como prova de boa fé e promessa entregou-me o canhoto da encomenda que eu buscara em vão na desordem horrível dos meus papeis. A data de encomenda? 8 de Setembro de 1992!!!

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