05 setembro 2008

Au Bonheur des Dames 136


Acabei por não saber se o dr. Paulo Portas foi aos Estados Unidos dar a esperada lição de como ganhar eleições ao senador John Mc Cain e à flamante governadora do Alasca, de seu nome Sara Palin.
A propósito, esta senhora “que saiu do frio” parece ser uma nova estrela no universo multimédia americano. Caçadora e membro da National Riffle Assciation”, defensora da vida e anti-abortista, firme apoiante das teorias criacionistas (Deus criou o mundo em seis dias, Eva vem duma costela de Adão, Noé salvou o género humano embarcando numa arca, etc...), ela saiu-nos melhor ainda do que a encomenda. E não é um neto subitamente anunciado mas que nascerá legitimado pelo casamento dos pais adolescentes, que vai estragar a coisa. É claro que alguma das minhas gentis leitoras é capaz de achar estranho que a rapariga não usasse a pílula, ou o boy friend não soubesse que uso dar a uma french-rubber (se é que ainda é assim que lá chamam aos preservativos, instrumentos pecaminosos da lascívia e obrigatoriamente inventados pelos franceses. Claro que os franceses chamam à coisa “capotte anglaise” o que é um disparate igual. Salvamo-nos nós, portugas que sempre lhes chamámos “camisas de Vénus” o que não só retira ao objecto ((“uma teia de aranha contra o perigo e uma muralha espessa contra o prazer”, no dizer sempre romântico da Madame de Stael..., ai a erudição!...)) qualquer conotação racial mas até o introduz no mundo esplêndido da mitologia greco-latina), mas as minhas leitoras, poucas mas escolhidas, vêm de outra cultura e de outra visão do mundo (Meto “Weltanschauung”? Meto, pois, que isto hoje em se, tratando de Portas, exige mais do que habitualmente.)
Portanto, Portas: nos EE.UU. a declinar o verbo vencer (to win) na voz perifrástica diante de uma embasbacada multidão de cow-boys & similares.
Espero, todavia, que a rapaziada do partido republicano conheça mal, isto é, não conheça de todo, Portugal. Porque se conhecessem nem que fosse só um bocadinho, fatalmente saberiam que Portas, e o partido que chefia, não é (não são) exactamente um winner. Bem pelo contrário. Aquilo, se não se acautelam, ainda fica com menos votos e menos deputados do que o grupo do dr. Louçã, outro iluminado.
Durante um breve período, Portas foi considerado um meteoro na confusa galáxia da política nacional. Falava alto, vinha de um jornalismo agressivo que atacava tudo e todos (e que teve como resultado o naufrágio do “independente” - que era mais “indy” do que independente mas isso é outra conversa...- e um punhado de processos judicias que se arrastam pelos tribunais) o que, na decrépita direita portuguesa, parecia ser receita miraculosa. Bastava chamar burra à esquerda (e Deus sabe quantas vezes ela mereceu tal apodo, se bem que por razões diferentes das de Portas) e feia (idem, idem, aspas) e triste para um bando de pacóvios ajanotados começar a berrar que o messias chegara. Não era verdade. Não chegara, e se tivesse chegado não seria travestido em Paulo Portas, haja Deus!
O CDS, ou PP - é indiferente!... – nasceu envergonhado, numa época em que se partejavam com fórceps os elementos necessários à nova democracia. Toda a gente sabia que aquilo era de direita, mas aquilo jurava que era centro. Freitas do Amaral e Amaro da Costa, subitamente esquecidos de um passado recente salazarista e caetanista, blasonavam virtudes democráticas que faziam a antiga “oposicrática” parecer incomensuravelmente conservadora. Depois foi o que se viu.
Já o CDS andava a preços de saldo quando Portas resolveu fazer uma OPA sobre ele. Era a altura em que se falava em meteoro. Também aqui houve um engano. De somenos, mas engano. Portas não era um meteoro. Quanto muito era um meteorito. Ou seja: em caindo num planeta não mataria os dinossáurios e demais bicheza da época. Fazia quanto muito uma covinha na zona de impacto, e era preciso que esta fosse constituída de terra macia.
Portas, desculpem lá, fala bem, escreve bem, leu alguma coisinha mas fica por aí. Não é caçador de caça grossa. Deixemo-lo entregue às perdizes de aviário, aos estorninhos e a outra passarada do mesmo quilate. E já não é mau.
Daí que a ida dele aos States seja apenas, e só, uma espadeirada na água. Portas é irrelevante e provavelmente Mc Cain, se é que trocaram um shake-hands viril e banal, já não se lembra dele. Também Sara Palin não se lembrará. A menos que, num gesto cortês e decimonónico, Portas, em vez de a beijar castamente na face, lhe tenha agarrado a mão forte de basquetebolista para simular o velho beijo respeitoso e fidalgo. Imagino a senhora do Alasca, assarapantada, sem saber o que fazer e receando que o baixote latino lhe lambesse a unha manicurada!...
E depois, deve ser preciso muita estaleca e jogo de ancas para aguentar uma convenção republicana. Do que vi (às vezes dá-me para isto, sobretudo se tenho insónias) fiquei com a ideia de que aquilo era uma berrata danada com os congressistas todos a dizerem que a América era the best, que a estranja, sobretudo a europeia, era do piorio (da “pretalhada” ou do quintal latino americano, nem se fala). Por muito que a gente apoie os Cheyney, os Bush, ou a sombra do velho Theodore, deve ser doloroso ouvir escorrer o desprezo com que nos brindam. E nesse capítulo aquilo foi uma sangria desatada. E muito religiosa. Há momentos em que penso se aquelas multidões ululantes e evangélicas serão assim tão diferentes das outras muçulmanas que tanto atemorizam o Ocidente. Vamos lá, não se suicidam com um cinto de bombas à cintura... o que não impede de serem capazes de entrar num qualquer sítio, armados até aos dentes, e “záz! Toma lá que já bebeste!”.
Mas Portas foi (julgo...) e deve ter ficado deliciado com o que viu, ouviu e ensinou. Com sorte terá trazido lá dos fundilhos do Minesotta um chapéu de cow-boy, um “Stetson”: sempre dá para disfarçar o penteado, se é que aquilo são cabelos mesmo dele ou tão só um capachinho...

Nota: as minhas leitoras gentis dirão que dois textos sobre Portas constituem um exagero. É verdade. A criatura não dá para tanto. Mas, recordem Eça e o chiar das botas do moço de recados da tipografia: também eu estava sem assunto e custa-me (ou custa ao meu já escasso amor próprio) deixar passar um inteiro fim se semana sem dar notícias. Como já não há um bey de Tunes (ou há mas reservo-o para outra ocasião...) de quem falar fui rapar o fundo do tacho da política nacional e da classe que nele se evapora sem grande glória. E aqui está.

2 comentários:

Teste Sniqper disse...

Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...

josé disse...

De vez quem quando lá passo aqui e sempre que começo a ler a crónica já não consigo estancar a curiosidade até ao fim.

Já me repito: estes pequenos trechos, merecem relevo de leitorado mais alargado.

São um pequeno primor que me lembram sempre o saudoso Pacheco, Assis. E já me repito nesta citação.