26 setembro 2008

Au Bonheur des Dames 139


Lá está ele, outra vez”, rosnará um leitor façanhudo e neo-con. Estes gajos não têm emenda, retorquirá um coleguinha transferido da esquerda pura e dura para o aprazível prado onde as ovelhinhas de Deus e do capital engordam com a erva tenra que somos todos nós.
Ora pratiquemos, irmãs e irmãos:
Então não é que a Washington Mutual faliu? É mesmo a maior falência alguma vez registada nos States, ao que me diz um noticiário francês e manhoso. Os franceses mesmo com o Sarkozy são assim: quando podem, toma lá que já bebes! Está-lhes na massa do sangue um certo anti-americanismo, primário, secundário ou universitário...
Mas a verdade é que a Washington Mutual foi pelo cano. Era apenas a maior das empresas do ramo. Lá ficam a arder mais umas centenas de milhares de palermas que pensaram que aquela gente era séria, que os seus bens estavam a salvo. Então não haviam de estar? Com aqueles golden boys pagos a peso de oiro para administrar honrada e eficientemente o dinheiro à sua guarda, quem é que iria desconfiar?
São uns malandros, ululam uns republicanos despeitados. Agora que com a senhora Palin aquilo ia tão bem e há uns desavergonhados que estragam o arranjinho...
Os republicanos acreditam que Eva nasceu duma costela de Adão, que God is on our side, que o mercado se auto-regula que um homem americano é ainda mais homem se tiver em casa pelo menos um colt 38. E é por isso que esta tromba de água financeira tem, por força, de ser obra
a) dos comunistas;
b) do diabo;
c) de um bando de patifes, eventualmente democratas;
Os leitores escolherão a hipótese que mais lhes convier e, nunca, mas nunca, avançarão com hipóteses conservadoras (ora toma lá!) como a de que é forçoso regular o mercado ou nem todo o capitalismo é bom e natural.
Longe de mim, aproveitar o momento para disparatar com bolchevismos despropositados. O bolchevismo, que o diabo o guarde, nunca foi chão que desse uvas e, pela parte que me toca, nunca teve o meu favor. Todavia, há neste vasto mundo, mais opções do que estas duas aberrações a do liberalismo a todo o transe e a do comunismo. Claro que foram sempre minoritárias, que sofreram os tratos de polé que intelectuais ávidos de sangue ou banqueiros vorazes sempre lhes dispensaram.
Portanto, limitemo-nos a este facto, mesquinho mas facto: a WM foi à vida e hoje podia ver-se em Wall Street uma multidão enraivecida pedindo o seu dinheiro de volta ou, na falta dele, a cabeça de uns quantos sevandijas estrafalários que usaram e abusaram dos fundos à sua guarda e da boa fé dos depositantes.
E não serviu de nada a reunião entre Bush e os candidatos à Casa Branca porque um não podia dizer o que lhe ia na alma e o outro não estava para perder credibilidade embandeirando na proposta presidencial que, em boas contas, se resume, em ser o público que já foi lixado, a pagar os prejuízos. Ou a pagá-los assim, a secas, sem daí tirar consequências para o futuro, apurar responsabilidades, criar mecanismos idóneos de defesa.
Eu sou um empedernido amador de jazz, de policial americano, de literatura americana, de westerns e de mais algumas coisas que por lá se criaram. A falar verdade só não gosto de coca-cola, de hamburguers e daquele frango falsificado que agora servem nos KFC. O resto marcha tudo: A Marilyn Monroe, o Hemingway, o Pinchon, o Faulkner, o Pound (até o Pound!...) a Playboy e o suplemento literário do NYT. Até sou um pequeníssimo mecenas do Metropolitan Museum, vejam lá. Com as quotas em dia! Gosto da América, do sonho americano, da ideia de fronteira, dos grandes espaços e da Declaração de Direitos. Tenho um pequeno grupo de amigos americanos recrutados na aventura do direito comparado, em Berlin, nos bons tempos da colaboração entre a Secretaria de Estado da Cultura e a embaixada americana e, mais tarde numa prolongada estadia na Baviera.
É a pensar neles que escrevo estas linhas: gostaria de lhes dizer que estou solidário, criticamente solidário e que não liguem às parvoejadas que figuras públicas e semi-públicas portuguesas andam por aqui a debitar. Desde governantes acéfalos até cocottes da inteligentsia indígena tudo murmura que tudo vai bem. Não vai. Isto ainda agora começou. Vamos pagar, ai isso vamos, mesmo que a inanidade das nossas instituições financeiras, por pequenas e mesquinhas, as faça passar sem grande provação, a borrasca.
Algo tem de mudar, como diz Obama. Dêem uma oportunidade ao homem que com Mc Cain será apenas mais do mesmo.

* a gravura foi pilhada na internet a um blog cujo nome perdi. 'brigadinhos...

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