Éramos novos e percorríamos as ruas e ruelas da Alta e da Baixa como galos doidos. Tu dizias que, de um beco, de uma casa, de um lance de escadas, poderia sempre surgir uma rapariga à sombra da qual o acaso poderia proporcionar uma aventura (uma inocente aventura, que os tempos, como diz o Ferré eram difíceis...). Inventavas histórias com qualquer desconhecida, ias ter com elas no bar das Letras (mais no de Medicina, se bem me lembro) perguntando com uma refalsadíssima ingenuidade se não eram primas de A, sobrinhas de B amigas de C. E se elas respondiam por mais do que um monossílabo era ver-te sentado, iniciando uma conversa que só não era de engate porque tinhas o dom de fazer sorrir, a amabilidade e a cândida desenvoltura de um gajo que depois de se formar em Direito (ou pouco antes, já não recordo) se vira para Medicina e se torna médico.
Foste um pouco, ou muito, o casamenteiro que a minha inépcia, a minha timidez necessitavam. Trazias notícia de todos os passos da rapariga que eu tinha visto, ao descer as “Monumentais” decidido a emigrar para Lisboa, farto de Coimbra, da torre, da “cabra”, das baladas, das capas e batinas e da pequenez. Hoje, não sei se te agradeceria tantos esforços, argumentos e cuidados. Todavia, foi a minha juventude, a história não se reescreve, a vida não se repete (livra!) nem se modifica.
Perdemo-nos de vista, nem sei já como. Terás ido tu para Lisboa, afinal, mudando de curso, de destino. Os anos passaram, eras apenas uma fotografia num dia de sol de Janeiro ou Fevereiro, ambos à porta da Associação Académica. Em 1963.
Amigas e amigos ouviram-me contar as tuas histórias, a alcunha que eu te pusera tão certeira: Ziska. Com K! E com o ar eslavo que o teu físico e cor de cabelos desmentiam. Um cossaco, à solta no sul amável. Uma finíssima inteligência, um humor à prova de bala, a lábia, sempre a lábia desaforada da resposta pronta e contundente.
Reencontro-te numa fotografia de jornal: mais velho (66 e seis anos, diz-se em baixo do nome). Cabelos (menos) e barba brancos. E a morte, um enterro que foi anteontem, numa cidade onde nunca me lembraria de te procurar.
Agora já é tarde, Ziska. Demasiado tarde. Os mortos começam a apinhar-se à minha volta, tarde e a más horas, numa volta de esquina, numa ruela perdida, num lance de escadas que subo com menos vigor, mais cansado, mais triste, mais só...
* um fotograma de C'eravamo tanto amati (1974, Ettore Scola) um filme de que me lembro sempre nestas ocasiões.
Foste um pouco, ou muito, o casamenteiro que a minha inépcia, a minha timidez necessitavam. Trazias notícia de todos os passos da rapariga que eu tinha visto, ao descer as “Monumentais” decidido a emigrar para Lisboa, farto de Coimbra, da torre, da “cabra”, das baladas, das capas e batinas e da pequenez. Hoje, não sei se te agradeceria tantos esforços, argumentos e cuidados. Todavia, foi a minha juventude, a história não se reescreve, a vida não se repete (livra!) nem se modifica.
Perdemo-nos de vista, nem sei já como. Terás ido tu para Lisboa, afinal, mudando de curso, de destino. Os anos passaram, eras apenas uma fotografia num dia de sol de Janeiro ou Fevereiro, ambos à porta da Associação Académica. Em 1963.
Amigas e amigos ouviram-me contar as tuas histórias, a alcunha que eu te pusera tão certeira: Ziska. Com K! E com o ar eslavo que o teu físico e cor de cabelos desmentiam. Um cossaco, à solta no sul amável. Uma finíssima inteligência, um humor à prova de bala, a lábia, sempre a lábia desaforada da resposta pronta e contundente.
Reencontro-te numa fotografia de jornal: mais velho (66 e seis anos, diz-se em baixo do nome). Cabelos (menos) e barba brancos. E a morte, um enterro que foi anteontem, numa cidade onde nunca me lembraria de te procurar.
Agora já é tarde, Ziska. Demasiado tarde. Os mortos começam a apinhar-se à minha volta, tarde e a más horas, numa volta de esquina, numa ruela perdida, num lance de escadas que subo com menos vigor, mais cansado, mais triste, mais só...
* um fotograma de C'eravamo tanto amati (1974, Ettore Scola) um filme de que me lembro sempre nestas ocasiões.
Sem comentários:
Enviar um comentário