Oh happy days!
Há dias assim; ou melhor fins de semana assim: estava eu sossegadinho da silva, a registar uns livros acabados de comprar com a ajuda sempre ineficiente da Ingrid Bergman, a gata amarela que não pode ouvir tocar em papel sem imediatamente se apresentar à espera de uma milagrosa bola (de papel bem amassado) para brincar durante horas, quando apareceu a CG seguida da Kiki de Montparnasse (a gata cinzenta) e, sem ter-te nem guar-te, disse: Vou mudar o meu escritório para a salinha de estudo da Ana. Não quer ficar com ele para pôr lá mais umas estantes e os livros que entretanto vai comprar?
As gatas estavam estupefactas e eu pensei que a CG estivesse a gozar. Uma sala belíssima, o segundo melhor quarto da casa, paredes laterais com cinco metros cada, ou seja sessenta metros de estantes prontas a encher, quem é que não queria?
Murmurei uma vaga aceitação, pois convém não mostrar demasiados arroubos nestas ocasiões. Pelo menos enquanto não soubermos o que a ocasional dadivosa criatura quer em troca.
Nada!, disse. Não queria nada. Ou coisa pouca, pouquíssima. É que, confidenciou-me, pensava que eu não quereria a estante preta que estava na parede esquerda.
A dita estante, se é que tal alboio se pode considerar uma estante, é uma monstruosidade preta (já o disse) de 3x2 metros com tábuas de sete centímetros de largura. Pesa um balúrdio, e veio de uma dessas lojas careiras onde ninguém percebe que uma estante é uma coisa para ter livros e não um o resultado da inteira desflorestação da Amazónia.
Mas a CG tomou-se de amores por aquela monstruosidade e achou que tábuas fortes eram o ideal para acomodar os muitos livros de arte que tem (A CG pinta, ganhou mesmo uns prémios e, nos tempos em que dava à paleta, ganhava o suficiente para ir comprando os carros ,sempre carrinhas para poder trazer as telas sem mexer no cacau que recebia pela profissão dominante). E vocês sabem o peso e o tamanho desse género de livros.
Portanto, a sala vinha inteira e virginal para este vosso criado, desde que eu desmontasse, carregasse e voltasse a montar aquela meia tonelada de madeira. Ai acham que não é meia tonelada? Então venham cá e vejam. Podem ser menos uns quilos mas eu que já não na primeira (nem na segunda) juventude sei bem o que carreguei. E há três dias que nem sinto as articulações.
Portanto, desmontámos a estante. Deitada no chão, claro para ver se não se morria de uma paulada das estantes. Depois carreguei as tábuas para a outra sala e toca de montar o objecto negregado. Como a sala é mais pequena tive de dar às meninges para ver qual era o modus faciendi mais prático. A parte mais larga, montou-se sem grande novidade, levantou-se e escostou-se à parede. Depois havia que lhe juntar uma parte mais pequena com cerca de um metro de largura que teria de ser ajustada á parte maior. O que significava, caso não saibam, fazer coincidir 10 parafusos (ou lá como se chamam com as estantes já montadas no alçado. E aí, digo-vos, aqui à puridade, foi o cabo dos trabalhos. À uma aquilo pesava que se fartava, depois, as estantes propriamente ditas tinham de ser mantidas a direito porwue com o peso podiam torcer os parafusos que as seguravam ao lateral. Enfim, um esforço hercúleo, quiçá o 13º trabalho do herói só que em versão lusitana e com um artista sexagenário! Perdi (foi a única coisa boa) cinco quilos de peso e dois anos de vida futura. Perdi ainda outros tantos dado o copioso número de palavrões que utilizei contra a estante e contra mim que caíra naquela asneira. Deus tem ouvidos, sobretudo ao fim de semana, altura em que os pecadores andam mais buliçosos e propensos ao pecado mortal.
Almoçámos já passava das três da tarde. Recuperei os quilos perdidos (cfr. supra) tal a fome que tinha.
A manhã passara totalmente preenchida com estes trabalhos de alta (e pesada) marcenaria pelo que só à tarde pude ver o correio. Então não é que um par de leitores e uma leitora entenderam afagar-me o ego a propósito das minhas pobres croniquetas com recados tão amáveis que me babei. Notem que eu não sou (nunca fui) modesto e muito menos humilde. Mas esta leitora, Manuela A. amiga de gatos e de jazz, o Alberto B., teólogo amador e leitor compulsivo e o temível e velho partner José (o leitor e comentador que me obriga a pensar e com quem tenho mantido cordiais diálogos por aqui) aliaram-se sem o saber para proporcionar a um escriba (a este escriba) um momento de prazer mesmo se (há que dizê-lo) tenham sido demasiado amáveis e exagerados nos cumprimentos que me fizeram.
Digamos que, apesar da estante preta, pesada, perversa, pavorosa e perigosa, o fim de semana foi glorioso. Quem ganhou com isto tudo foram as gatas a quem ofereci uma latinha de paté (para gatos) com que elas entraram em órbita e a CG que vai receber um sumptuoso álbum da primeira grande exposição de Matisse adquirido num leilão. Ela ainda não sabe mas este álbum é mesmo um caso sério. Excelentes reproduções, textos críticos de rara qualidade e a sombra luminosa e divertida desse mago das cores de quem Pimcrcasso disse uma vez que além de Deus só Matisse o poderia criticar com verdade e rigor.
a gravura representa, está bem de ver, as gatas cá de casa. O título (de um velho gospel) pretende homenagear os amadores de música negra e ocasionalmente os de música religiosa. E esta tema vale bem alguns outros magníficos de canto gregoriano, não?
Há dias assim; ou melhor fins de semana assim: estava eu sossegadinho da silva, a registar uns livros acabados de comprar com a ajuda sempre ineficiente da Ingrid Bergman, a gata amarela que não pode ouvir tocar em papel sem imediatamente se apresentar à espera de uma milagrosa bola (de papel bem amassado) para brincar durante horas, quando apareceu a CG seguida da Kiki de Montparnasse (a gata cinzenta) e, sem ter-te nem guar-te, disse: Vou mudar o meu escritório para a salinha de estudo da Ana. Não quer ficar com ele para pôr lá mais umas estantes e os livros que entretanto vai comprar?
As gatas estavam estupefactas e eu pensei que a CG estivesse a gozar. Uma sala belíssima, o segundo melhor quarto da casa, paredes laterais com cinco metros cada, ou seja sessenta metros de estantes prontas a encher, quem é que não queria?
Murmurei uma vaga aceitação, pois convém não mostrar demasiados arroubos nestas ocasiões. Pelo menos enquanto não soubermos o que a ocasional dadivosa criatura quer em troca.
Nada!, disse. Não queria nada. Ou coisa pouca, pouquíssima. É que, confidenciou-me, pensava que eu não quereria a estante preta que estava na parede esquerda.
A dita estante, se é que tal alboio se pode considerar uma estante, é uma monstruosidade preta (já o disse) de 3x2 metros com tábuas de sete centímetros de largura. Pesa um balúrdio, e veio de uma dessas lojas careiras onde ninguém percebe que uma estante é uma coisa para ter livros e não um o resultado da inteira desflorestação da Amazónia.
Mas a CG tomou-se de amores por aquela monstruosidade e achou que tábuas fortes eram o ideal para acomodar os muitos livros de arte que tem (A CG pinta, ganhou mesmo uns prémios e, nos tempos em que dava à paleta, ganhava o suficiente para ir comprando os carros ,sempre carrinhas para poder trazer as telas sem mexer no cacau que recebia pela profissão dominante). E vocês sabem o peso e o tamanho desse género de livros.
Portanto, a sala vinha inteira e virginal para este vosso criado, desde que eu desmontasse, carregasse e voltasse a montar aquela meia tonelada de madeira. Ai acham que não é meia tonelada? Então venham cá e vejam. Podem ser menos uns quilos mas eu que já não na primeira (nem na segunda) juventude sei bem o que carreguei. E há três dias que nem sinto as articulações.
Portanto, desmontámos a estante. Deitada no chão, claro para ver se não se morria de uma paulada das estantes. Depois carreguei as tábuas para a outra sala e toca de montar o objecto negregado. Como a sala é mais pequena tive de dar às meninges para ver qual era o modus faciendi mais prático. A parte mais larga, montou-se sem grande novidade, levantou-se e escostou-se à parede. Depois havia que lhe juntar uma parte mais pequena com cerca de um metro de largura que teria de ser ajustada á parte maior. O que significava, caso não saibam, fazer coincidir 10 parafusos (ou lá como se chamam com as estantes já montadas no alçado. E aí, digo-vos, aqui à puridade, foi o cabo dos trabalhos. À uma aquilo pesava que se fartava, depois, as estantes propriamente ditas tinham de ser mantidas a direito porwue com o peso podiam torcer os parafusos que as seguravam ao lateral. Enfim, um esforço hercúleo, quiçá o 13º trabalho do herói só que em versão lusitana e com um artista sexagenário! Perdi (foi a única coisa boa) cinco quilos de peso e dois anos de vida futura. Perdi ainda outros tantos dado o copioso número de palavrões que utilizei contra a estante e contra mim que caíra naquela asneira. Deus tem ouvidos, sobretudo ao fim de semana, altura em que os pecadores andam mais buliçosos e propensos ao pecado mortal.
Almoçámos já passava das três da tarde. Recuperei os quilos perdidos (cfr. supra) tal a fome que tinha.
A manhã passara totalmente preenchida com estes trabalhos de alta (e pesada) marcenaria pelo que só à tarde pude ver o correio. Então não é que um par de leitores e uma leitora entenderam afagar-me o ego a propósito das minhas pobres croniquetas com recados tão amáveis que me babei. Notem que eu não sou (nunca fui) modesto e muito menos humilde. Mas esta leitora, Manuela A. amiga de gatos e de jazz, o Alberto B., teólogo amador e leitor compulsivo e o temível e velho partner José (o leitor e comentador que me obriga a pensar e com quem tenho mantido cordiais diálogos por aqui) aliaram-se sem o saber para proporcionar a um escriba (a este escriba) um momento de prazer mesmo se (há que dizê-lo) tenham sido demasiado amáveis e exagerados nos cumprimentos que me fizeram.
Digamos que, apesar da estante preta, pesada, perversa, pavorosa e perigosa, o fim de semana foi glorioso. Quem ganhou com isto tudo foram as gatas a quem ofereci uma latinha de paté (para gatos) com que elas entraram em órbita e a CG que vai receber um sumptuoso álbum da primeira grande exposição de Matisse adquirido num leilão. Ela ainda não sabe mas este álbum é mesmo um caso sério. Excelentes reproduções, textos críticos de rara qualidade e a sombra luminosa e divertida desse mago das cores de quem Pimcrcasso disse uma vez que além de Deus só Matisse o poderia criticar com verdade e rigor.
a gravura representa, está bem de ver, as gatas cá de casa. O título (de um velho gospel) pretende homenagear os amadores de música negra e ocasionalmente os de música religiosa. E esta tema vale bem alguns outros magníficos de canto gregoriano, não?
2 comentários:
Pois +é mcr, é um felizardo. Pode estender o seu reino...
As suas gatas são mesmo bonitas. Tenho que as apresentar ao meu gato. Apesar que não sei se elas vão aceitar relacionar-se com um gato que dá pelo nome de Bolinhas...
Um abraço e uma boa instalação!
O leitor José, não lhe anda a fazer favor algum, ao encomiar a escrita de luxo que vai lendo por aqui. Desde o início que diz e escreve: este tipo que escrevinha no Incursões, tem um jeito danado para a escrita de crónica.
Dantes, nos jornais havia alguns que não dispensava: Ricardo França Jardim e Rogério Martins, no Público do início. O Bastos, Batista, perdido por causa da casinha; o Ferreira Fernandes com o jeito que se lhe conhece; o Manuel Pina com o acerto em meia dúzia de linhas e as referências poéticas e literárias sempre de primeira água.
E depois, vem um tipo ler aqui, algo que devia também andar por aí, se alguém se desse ao cuidado de fazer a honra ao mérito e mostrar a outros que não lêem blogs e tem raiva a quem lê, que não sabem o que perdem.
É só isso, sem precisar de lhe afagar o ego. Apenas de lhe lembrar que é uma surpresa e um prazer, ler algumas coisas que saem deste estaminé, com os pseudónimos do costume.
Um artista das letras, tem obrigações, ah pois tem!, para com os seus apreciadores, os seus críticos e os seus leitores.
E por isso é que me dou ao cuidado de o lembrar...
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