Dias maus e dias piores
Vamos lá a ver: eu não tenho nada contra o PS. Foi durante estes anos todos o meu espaço natural de voto, mesmo que, por vezes, me custasse passar-lhe cheques em branco. Que me lembre apenas votei uma única e solitária vez (aliás a primeira) no MES.
E abstive-me numa eleição para o Parlamento Europeu porque entendi que Maria de Lurdes Pintasilgo não me parecia a candidata ideal quanto mais a cabeça da lista socialista.
Depois desta “declaração de interesses”, vamos ao que importa.
Nos últimos tempos não consigo estar em sintonia com o PS. Nem com o seu governo, nem com vários (muitos) dos seus ministros, porta-vozes, deputados e, sobretudo, com os seus propagandistas. Deixando estes de lado, por insignificantes e interessados num lugarzinho ao sol, conviria perceber se, além da cacafonia, não anda por estas bandas socialistas (ou presumidas tal) alguma confusão política.
Desta feita temos duas e das gordas: a votação próxima do casamento dos homossexuais e o reconhecimento do Kossovo.
Ambos os temas são, no contexto actual, e dadas as preocupações da maioria esmagadora das pessoas, secundários.
É verdade que não me recordo de ler no programa de governo qualquer proposta sobre o casamento dos homossexuais que, diga-se o que se disser, interessa a uma escassa minoria de portugueses. Mesmo se aceitarmos, e eu aceito, que o reconhecimento desse direito, mais do que estar na moda, é uma prova de civilização, e que nada justifica o atraso de tal reconhecimento, a verdade é que o PS não está obrigado a seguir outras agendas políticas. Todavia, a questão foi agendada, haverá votação e o PS terá de se pronunciar. Mais, terá de se pronunciar depois de ter conseguido levar avante uma simplificação do divórcio (e já agora, se me permitem, do casamento) que também não era prioritária nem sequer constituía um anseio reconhecido da população que lá se ia desenvencilhando dos laços matrimoniais sem grande trabalho ou canseira. A justificação do PS para essa “lança em África” (ou “espadeirada na água”, como queiram) era justamente a ideia de que os tempos exigiam, e depressa, tão magna decisão.
Permito-me pensar que esses mesmos tempos estão mais do que maduros para o casamento dos homossexuais. Isso não desvaloriza o casamento dos heterossexuais nem obriga ninguém. Portanto, tratando-se, como parece tratar-se, de uma mera questão de consciência, bem podia o PS avocar a reclamação dos homossexuais ou, não o querendo por receio de perder hipotéticos votos à direita, conceder aos seus deputados liberdade de voto ou, em último caso, abster-se deixando o PPD e o CDS às turras com o PC e o Bloco.
O que se não entende é a disciplina ed voto numa matéria que nada tem a ver com a governação. E ainda menos se percebe a patetice (de pateta e de patético) de permitir a um representante da JS votar segundo a sua consciência, ou seja, e ao que parece, votar a favor. Como truque é barato. Pior é ridículo. Pior ainda: o PS consegue neste caso ficar à direita do PPD que, apesar da sua presidente entender o que entende sobre o casamento, deu liberdade de voto aos seus deputados. Ou seja, o PPD, neste específico caso, está à esquerda do PS. Não é uma extraordinária surpresa mas é apesar de tudo uma novidade.
Há comentaristas que prometem coisas horríveis ao PS: perda de votos entre os jovens, sei lá o que mais. Não creio que perca assim tanto voto justamente porque apesar do escândalo o tema não é sentido como prioritário. Agora que perde credibilidade, é coisa de que não tenho dúvidas.
A questão do Kossovo é também extraordinária. O Kossovo, semi-protectorado alemão, entendeu proclamar a sua independência conseguida graças a um inexistente mas propagandeado holocausto e sobretudo graças às bombas da NATO. Durante meses, o governo português como aliás um elevadíssimo número de governos, entendeu não se pronunciar. Até, aqui ao lado, a Espanha entendeu o mesmo. Estávamos pois acompanhados. Depois dos acontecimentos da Geórgia até se pode dizer que se começa a perceber a camisa de onze varas em que a Europa se meteu.
Ora bem, agora que nada urgia, que há uma crise financeira dos diabos, que a Europa não consegue sequer entender-se quanto a medidas conjuntas e necessárias para nos tirar do buraco, o Governo, pela voz sempre curiosa (é o melhor que me ocorre...) do senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, entende reconhecer aquela vaga coisa em forma de assim que é o Kossovo. Mas com uma especial originalidade: Portugal apoiará a Sérvia no pedido que esta dirige à ONU para que se verifique a legalidade da declaração unilateral de independência do Kossovo.
Se Portugal, tão prudentemente, apoia esta pedido da Sérvia, isso parece querer significar que Portugal tem algumas dúvidas fundadas sobre a declaração de independência. Se as não tivesse diria aos cavalheiros sérvios mais ou menos isto: compreendemos o vosso ressabiamento mas terão de viver com isso. O Kossovo pode ter sido o vosso berço mas não será a vossa tumba, o que já é qualquer coisa. Quando for a vez da Voivodina, a gente fala-se.
Mas há mais: ao apoiar a Sérvia no seu pedido Portugal arrisca-se a uma de duas: ou aceita o eventual veredicto da ONU no caso desta dar razão à Sérvia ou não. Se não aceitar porque apoiou o pedido? Se aceitar, como creio mais provável, porque é que não esperou até este veredicto ter sido votado?
Claro que o senhor ministro poderá sempre dizer que nada indica que o caso seja aceite pela ONU. Ou que, sendo aceite, não seja votado por qualquer obstrução. Ou que, mesmo votado, não seja cumprido pelo Kossovo e pelos que, desde o primeiro dia, o apoiaram se é que o não instigaram. E por aí fora.
Claro que o senhor ministro nunca diria isto. Isto seria de um cinismo e de uma desfaçatez de que o não julgo capaz. Mas que se pode pensar nisto, ai é como ginjas!
Todavia, o que é que se pensará deste jigajoga do “sim, mas”, deste sim envergonhado, deste jogo com um pau de dois bicos, deste estar bem com Deus e com o diabo?
Eu sei que riscamos muito pouco no concerto europeu, mas esta maneira de obedecer aos grandes e este medo de ofender os de fora diz muito do que somos, ou do que, neste caso, o governo pensa que somos. E não me reconheço neste retrato cobarde, acéfalo, espertalhaço, oportunista e, finalmente, pouco sério.
Este caso envergonha-me, como homem, como cidadão e como português. Basta!
Vamos lá a ver: eu não tenho nada contra o PS. Foi durante estes anos todos o meu espaço natural de voto, mesmo que, por vezes, me custasse passar-lhe cheques em branco. Que me lembre apenas votei uma única e solitária vez (aliás a primeira) no MES.
E abstive-me numa eleição para o Parlamento Europeu porque entendi que Maria de Lurdes Pintasilgo não me parecia a candidata ideal quanto mais a cabeça da lista socialista.
Depois desta “declaração de interesses”, vamos ao que importa.
Nos últimos tempos não consigo estar em sintonia com o PS. Nem com o seu governo, nem com vários (muitos) dos seus ministros, porta-vozes, deputados e, sobretudo, com os seus propagandistas. Deixando estes de lado, por insignificantes e interessados num lugarzinho ao sol, conviria perceber se, além da cacafonia, não anda por estas bandas socialistas (ou presumidas tal) alguma confusão política.
Desta feita temos duas e das gordas: a votação próxima do casamento dos homossexuais e o reconhecimento do Kossovo.
Ambos os temas são, no contexto actual, e dadas as preocupações da maioria esmagadora das pessoas, secundários.
É verdade que não me recordo de ler no programa de governo qualquer proposta sobre o casamento dos homossexuais que, diga-se o que se disser, interessa a uma escassa minoria de portugueses. Mesmo se aceitarmos, e eu aceito, que o reconhecimento desse direito, mais do que estar na moda, é uma prova de civilização, e que nada justifica o atraso de tal reconhecimento, a verdade é que o PS não está obrigado a seguir outras agendas políticas. Todavia, a questão foi agendada, haverá votação e o PS terá de se pronunciar. Mais, terá de se pronunciar depois de ter conseguido levar avante uma simplificação do divórcio (e já agora, se me permitem, do casamento) que também não era prioritária nem sequer constituía um anseio reconhecido da população que lá se ia desenvencilhando dos laços matrimoniais sem grande trabalho ou canseira. A justificação do PS para essa “lança em África” (ou “espadeirada na água”, como queiram) era justamente a ideia de que os tempos exigiam, e depressa, tão magna decisão.
Permito-me pensar que esses mesmos tempos estão mais do que maduros para o casamento dos homossexuais. Isso não desvaloriza o casamento dos heterossexuais nem obriga ninguém. Portanto, tratando-se, como parece tratar-se, de uma mera questão de consciência, bem podia o PS avocar a reclamação dos homossexuais ou, não o querendo por receio de perder hipotéticos votos à direita, conceder aos seus deputados liberdade de voto ou, em último caso, abster-se deixando o PPD e o CDS às turras com o PC e o Bloco.
O que se não entende é a disciplina ed voto numa matéria que nada tem a ver com a governação. E ainda menos se percebe a patetice (de pateta e de patético) de permitir a um representante da JS votar segundo a sua consciência, ou seja, e ao que parece, votar a favor. Como truque é barato. Pior é ridículo. Pior ainda: o PS consegue neste caso ficar à direita do PPD que, apesar da sua presidente entender o que entende sobre o casamento, deu liberdade de voto aos seus deputados. Ou seja, o PPD, neste específico caso, está à esquerda do PS. Não é uma extraordinária surpresa mas é apesar de tudo uma novidade.
Há comentaristas que prometem coisas horríveis ao PS: perda de votos entre os jovens, sei lá o que mais. Não creio que perca assim tanto voto justamente porque apesar do escândalo o tema não é sentido como prioritário. Agora que perde credibilidade, é coisa de que não tenho dúvidas.
A questão do Kossovo é também extraordinária. O Kossovo, semi-protectorado alemão, entendeu proclamar a sua independência conseguida graças a um inexistente mas propagandeado holocausto e sobretudo graças às bombas da NATO. Durante meses, o governo português como aliás um elevadíssimo número de governos, entendeu não se pronunciar. Até, aqui ao lado, a Espanha entendeu o mesmo. Estávamos pois acompanhados. Depois dos acontecimentos da Geórgia até se pode dizer que se começa a perceber a camisa de onze varas em que a Europa se meteu.
Ora bem, agora que nada urgia, que há uma crise financeira dos diabos, que a Europa não consegue sequer entender-se quanto a medidas conjuntas e necessárias para nos tirar do buraco, o Governo, pela voz sempre curiosa (é o melhor que me ocorre...) do senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, entende reconhecer aquela vaga coisa em forma de assim que é o Kossovo. Mas com uma especial originalidade: Portugal apoiará a Sérvia no pedido que esta dirige à ONU para que se verifique a legalidade da declaração unilateral de independência do Kossovo.
Se Portugal, tão prudentemente, apoia esta pedido da Sérvia, isso parece querer significar que Portugal tem algumas dúvidas fundadas sobre a declaração de independência. Se as não tivesse diria aos cavalheiros sérvios mais ou menos isto: compreendemos o vosso ressabiamento mas terão de viver com isso. O Kossovo pode ter sido o vosso berço mas não será a vossa tumba, o que já é qualquer coisa. Quando for a vez da Voivodina, a gente fala-se.
Mas há mais: ao apoiar a Sérvia no seu pedido Portugal arrisca-se a uma de duas: ou aceita o eventual veredicto da ONU no caso desta dar razão à Sérvia ou não. Se não aceitar porque apoiou o pedido? Se aceitar, como creio mais provável, porque é que não esperou até este veredicto ter sido votado?
Claro que o senhor ministro poderá sempre dizer que nada indica que o caso seja aceite pela ONU. Ou que, sendo aceite, não seja votado por qualquer obstrução. Ou que, mesmo votado, não seja cumprido pelo Kossovo e pelos que, desde o primeiro dia, o apoiaram se é que o não instigaram. E por aí fora.
Claro que o senhor ministro nunca diria isto. Isto seria de um cinismo e de uma desfaçatez de que o não julgo capaz. Mas que se pode pensar nisto, ai é como ginjas!
Todavia, o que é que se pensará deste jigajoga do “sim, mas”, deste sim envergonhado, deste jogo com um pau de dois bicos, deste estar bem com Deus e com o diabo?
Eu sei que riscamos muito pouco no concerto europeu, mas esta maneira de obedecer aos grandes e este medo de ofender os de fora diz muito do que somos, ou do que, neste caso, o governo pensa que somos. E não me reconheço neste retrato cobarde, acéfalo, espertalhaço, oportunista e, finalmente, pouco sério.
Este caso envergonha-me, como homem, como cidadão e como português. Basta!
3 comentários:
A forma como o PS está a tratar com a questão do “casamento gay” é de uma falta de lucidez incrível. É uma coisa tão absurda que o próprio PS está completamente partido ao meio. Mas pior, bem pior, é o processo do Kosovo. Não estou de acordo que aquilo seja um protectorado alemão. A independência do Kosovo é obra dos EUA, que, ainda antes da declaração de independência, ali estabeleceram a maior base americana na Europa.
A história repete-se. Tal como há muitos anos os EUA armaram Sadam, para depois o derrubar, também agora armaram os homens que, numa aliança pouco clara, criaram o Kosovo.
Falta saber como é que esta história vai terminar. Às tantas lá terá que vir um Presidente futuro acabar com a obra de Bush, cujo resultado é a criação desta jovem nação.
Quanto à posição do governo português? Neste caso, apenas nos admira o tempo que demorou a seguir as orientações superiores. De facto, não dava para manter, por mais tempo, uma posição desalinhada.
O Montenegro reconheceu o Kosovo.
Esta história do Kosovo bvai acabar mal e, como sempre, os patetas americanos vão continuar a fazer asneira.
Sobre o "casamento" de homossexuais, já me pronunciei. Não faz sentido algum! Os direitos dos homossexuais estão garantidos na lei. E se é preciso mudar as leis sucessórias, mudem-se. Dê-se total liberdade a cada pessoa de dispor livremente dos seus bens, acabando com as regras da sucessão legitimária. Quanto ao arrendamento, a tendência é para acabar com a sucessão. E nos direitos laborais, é preciso acabar com o absentismo remunerado.
Misturam-se conceitos diversos usando a mesma expresão.
Reforma estrutural era abolir o instituto jurídico do casamento. Já não há deveres, nem sanções, nem culpa, apenas conta-corrente a apurar em proceso de liquidação, para já judicial, mas não demora muito a passar para as Conservatórias ou para solicitadores de execução ou, se calhar, investigadores privados licenciados... Nesta sociedade, faz sentido haver casamento? Só para se for para haver divórcio!
Até querem obrigar a quem não se quer casar a ter os mesmos direitos! Veja-se o regime da união de facto ...
Estou contigo, não é preciso dizer mais. É a tristeza da nossa malta de/dos 60s. Abraço.
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