13 outubro 2008

Estes dias que passam, 127


O som do silêncio em versão fadista


A actual crise financeira tem tido efeitos extraordinários. À uma pôs muita gente (eu incluído) a discutir as bondades e os vícios redibitórios do capitalismo. Trata-se, como sabem, de uma vexata quaestio que começou a ser explorada por um cavalheiro barbudo e alemão e provocou, na sua forma mais radical, um par de revoluções. Incidentalmente, provocou também, atentados que fizeram a glória de Bakunine e Kropotkine, e a desgraça de vários reis e presidentes, incluindo mesmo um czar de todas as Rússias.
Como recordarão, houve de tudo: ataques á ganância dos dirigentes da banca americana e das grandes empresas, ataques ao pobre Bush que, seguramente, ainda não percebeu o que lhe está a suceder, criticas a uma das nossas criaturas mais estimáveis entre as que acreditam a pés juntos nas virtudes do liberalismo a outrance e sombrias previsões sobre o fim dos tempos.
Não vou falar da crise, esperemos que as recentíssimas medidas tenham efeito porque, infelizmente, a crise acerta em todos, sobretudo em nós, os paisanos, os que não têm eira nem beira nem ramo de figueira, e quem se escapa, ainda que com fortes mossas são os ricos. Os ricos, ao contrario do que dizia o finado partido do senhor Fazenda, nunca pagam a crise.
Venho apenas, e com a devida vénia, perguntar por onde é que andou o dr Durão Barroso durante todo este tempo. É que a criatura é, dizem, o Presidente da Comissão Europeia. E durante todos estes dias não se ouviu daquela boquinha mimosa nada que jeito tivesse. O homem andava mudo como uma carpa (carpa, disse eu e não cherne, que é peixe demasiado saboroso para aquele ar de mosquinha morta. A propósito: quando a amantíssima esposa num arrebatamento digno de um filme de Perdigão Queiroga, entendeu recitar parte do “sigamos o cherne” de O’Neil deve ter-se esquecido do fim do poema qe põe pobre peixe morto a flutuar entre duas águas. Se era essa a intenção, anunciar-nos que o cavalheiro era, foi sempre, um cadáver político, acertou, mas duvido que tal ideia perpassasse nas meninges da amorosa cônjuge...). Mudo, dizia, antes deste breve circunlóquio, e antes assim. Para dizer asneiras também não valia a pena. E já havia inscritos.
Todavia, há uma questão que me perturba. Se Barroso achou que não valia a pena dizer qualquer coisinha, que anda ele lá a fazer? Será que o acham necessário para abrir portas por onde passe Sarkozy ou Gordon Brown, para falar de duas pessoas que deram o litro? E para tão eminente actividade relacional, não bastam os contínuos do Eliseu, ou o porteiro do nº 10 de Downing street? Eu bem sei que há uma longa e heróica tradição de porteiros portugueses em Paris, aliás de porteiras, para ser mais correcto. Enquanto os homens andavam no “batiment”, as mulheres faziam o “ménage” e a estudantada emigrada e impecuniosa dedicavam-se a “concierges” de hotéis baratos, mormente de passe. As porteiras de prédio portuguesas representam um passo mais (e mais tardio) na integração da massa emigrante nas franças e araganças. Não vejo, porém, a utilidade de Barroso, neste pitoresco emprego. A criatura foi contratada para presidir á Comissão, portanto é mister que presida. E que se mexa, que diabo. Já basta o ter ido embora da pátria madrasta deixando-nos entregues ao menino guerreiro que, parece querer voltar às lides políticas, via Câmara de Lisboa. É por essas e por outras que me temo do tal inquérito que alguém resolveu abrir sobre casas cedidas a particulares. Pelos vistos só Santana e uma vereadora avulsa é que são culpados. As centenas de pessoas que se aboletaram por trinta reis de mel coado, durante anos e anos, á custa do erário municipal, são todas umas inocentes, cidadãos e cidadãs acima de toda a suspeita. Com estes favores persecutórios, o homem arrisca-se a ganhar. Arre, o mundo é uma coisa muito esquisita.

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