15 outubro 2008

Nítido Nulo

A obra de Virgílio Ferreira, goste-se mais ou menos dos seus escritos (ou de alguns dos seus escritos, que são muitos e de diversa natureza) constitui, inquestionavelmente, património cultural português a preservar e manter vivo - leia-se, disponível para leitura.

No entanto, das 32 obras editadas pela empresa que detém os direitos de publicação, uma das quais incluída no Plano Nacional de Leitura, estão esgotados ou indisponíveis ... 32 títulos!!! Ou pelo menos assim consta do site respectivo... pois afinal, segundo me acabam de informar telefonicamente, há alguns (poucos) títulos reeditados.

Como acabam de dar à estampa manuscritos do espólio do escritor, correspondentes a um diário que escreveu, com algumas interrupções, entre os 26 e os 32 anos , apetece glosar a célebre frase e gritar bem alto: PUBLIQUEM 33!!!

E se não publicam/reeditam, que haja alguma entidade responsável pela cultura neste país que - à falta de mecanismos legais de injunção neste particular - faça uma oferta irrecusável e adquira os direitos de publicação! Sairia certamente mais barato que uma só saison de Allgarve, pelo menos tendo em conta a regra do custo/benefício, sendo este extensível agora a todos os portugueses e não só aos allgarvios e certamente também mais perene, não se evanescendo num qualquer "sonho de uma noite de verão" ...

7 comentários:

Gomez disse...

Oportuníssimo repto! E, aproveitando a deixa, MUITOS PARABÉNS pelo empreendedorismo e pelo inconformismo demonstrados à frente deste sítio bem frequentado!
Para além de V. Ferreira, Aquilino Ribeiro e outros incontornáveis das nossas letras têm a maioria da sua obra há muito esgotada (ao mesmo tempo que o mercado é inundado de umas coisas a que alguns chamam “conteúdos” e que se vendem – quando vendem – por via das técnicas de venda usadas para sabonetes, políticos e similares). Muitas obras que são referência fundamental nos respectivos ramos de saber partilham o mesmo destino. Resta, a quem possa, garimpar em alfarrabistas, hoje, como nunca, transfigurados em serviço público essencial.
Naturalmente, nada disto parece sobressaltar os sucessivos governantes. A cultura que “está a dar”, dispensa os clássicos da literatura, os académicos “à séria” e outras maçadorias afins. É simplex: os “conteúdos”, os e-qualquer coisa, os currículos “light”, as avaliações complacentes, chegam e sobejam para o INOV Homem Português que o poder almeja criar, maravilha destes tempos modernaços de graduados por fax e outras “novas oportunidades” - que ainda nos irão garantir taxas de sucesso de 100%!

M.C.R. disse...

Os caminhos de Deus são misteriosos e os das editoras idem. Todavia convém salientar que a noção de "esgotado" tem muito que se lhe diga. As mais das vezes ainda há livros na editora e ninguém os encontra. Depois há livros no distribuidor, idem, aspas. finalmente há sobras esparsas pelas livrarias. Estou farto de ver (e sou um frequentador assíduo de livrarias mas já não como há anos) obras de V F de Aquilino e muitos mais.
O problema da editora é sempre o mesmo: dificuldades de escoamento rápido. Para que isso fosse possível conviria ver se as 300 bibliotecas concelhias (as do famoso plano nacional de leitura...) compram ou não pelo menos os nossos escritores. Claro que mesmo neste ponto subsiste um problema: é impossível comprar tudo o que sai das penas lusas, sob pena de comprar muito lixo.
E já se sabem as dificuldades de estabelecer um canon.
O mercado editorial, por natureza privado, tem gigantescas disfunções, a menor das quais não será a falta de gosto dos empresários do ramo.
Eu não quero que o Estado se substitua aos privados, basta-me a Imprensa Nacional que tem por obrigação publicar certos clássicos. Por outro lado há também um plano de edições apoiadas, sempre clássicos (e dava jeito uma boa antologia do Padre António Vieira de que agora se festeja mais um qualquer centenário). Haveria que implementar mais um par de medidas (programas apoiados na Tv, pelo menos na pública, na rádio por exemplo.
Porem não nos enganemos. cá como em qualquer outra parte, a publicidade fará e desfará autores e reputações. A literatura light não é apanágio nosso e a rarefacção de autores bons no mercado também não. Basta ver o que se passa nos países vizinhos.
finalmente:já repararam que quase não há revistas, suplementos literários, coisas de acesso fácil e rápido para ver o que há, para interessar leitores que não queiram ler as horríveis "críticas" ou o que finge ser isso, pejadas de burrices, narizes de cera, linguagem críptica e vagamente universitária que longe de atrair, repelem?

M.C.R. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gomez disse...

Caro M.C.R.:
Quem sabe, sabe e é sempre um privilégio ler o que escreve sobre livros!
A minha “boca” supra pretendia apenas registar que, nesta matéria, há aspectos que poderiam / deveriam ser objecto de políticas públicas (como algumas que sugere), embora o entendimento ou as prioridades dos decisores pareçam ser bem diferentes… A própria INCM está muito longe de cumprir o seu papel – v. os títulos que o catálogo de 2008 indica estarem esgotados (muitos deles há anos).
Claro que também temos os editores, os críticos e as plataformas de divulgação que, se calhar, merecemos, mas essas já são contas de outro rosário.
Cordiais saudações deste seu leitor fiel,

M.C.R. disse...

Caro Gomez

Eu não pretendia contraditá-lo no essencial mas apenas fazer alguns acrescentos. todavia isto de comentários é sempre muito sumariado para se poder dizer com precisão o que queremos. E o que eu quero é uma espécie de utopia: editores cultos, atentos e diligentes. Estado não interventor excepto no que tespeita a uma espécie de património comum fundamental (desde as crónicas de Fernão Lopes até ao Pessoa mais fundamental com passagem por F Mendes Pinto, Camões, vieira, Garrett, Antero e mais uns quantos, enfim o básico). Lateralmente co-edições Estado/ privados como já disse; intervenção do Estado via televisão estatal na apresentação/ divulgação cultural, mais protagonismo das bibliotecas públicas que foram pagas com o nosso dinheiro. Regras clara quanto à divulgação dos livros no estrangeiro, quanto às traduções de autores portugueses (como se faz em França ou Espanha para não ir mais longe) discriminação positiva do teatro português no que respeita aos apoios do MC aos grupos de teatro etc., etc..
em suma coisas simples, não pesadas nem caras que não constrangem o mercado livreiro e editorial que esses têm de dar também o corpinho ao manifesto. Uma ideia:acabar totalmente com o preço fixo do livro ou com os descontos no livro novo. É que não se pode ao mesmo tempo ter as duas políticas. Favorecer via impostos o renascimento de suplementos culturais nos jornais; desonerar as revistas culturais que não podem ser tratadas como uma qualquer Lux ou Gente (porte pago p. ex.). V já reparou que na década de 60 tinha quatro (pelo menos) revistas que estavam profundamente atentas ao livro e às artes (Seara Nova, Brotéria, Vértice e Tempo e o Modo, isto sem falar das Colóquio Artes e Colóquio Letras)? E que agora népia? Estou a falar de revistas mensais! com as dificuldades que se sabem e sabiam. com a censura e outros vários riscos!...
Ah, cao gomez, caminhamos a passos largos para o deserto.
Um abraço de um autor de blog agradecido

M.C.R. disse...

Cara Kami:a "nova" quetzal vai publicar todo o Virgílio Ferreira (cfr. Público, ipsilon, de hoje, sexta-feira). Pelos vistos andavam em negociações sobre o autor.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Cara Kami, ao conhecer as dificuldades com que se tem deparado, não posso deixar de enaltecer a sua "luta", num meio pequeno, fechado e cheio de artimanhas. Um abraço do Porto para Faro.