09 outubro 2008

o leitor (im)penitente 39


A arte íngreme que pratico escondido no sono pratica-se
em si mesma. A morte serve-a.

Eu sei que deveria falar do Nobel da Literatura. E se fosse malandreco, deveria mesmo dizer que já estava à espera, que Le Clezio era um dos meus candidatos.
Lamento muito, queridas leitoras, mas jamais me passou pela cabecinha leitora tal hipótese. JMG le Clezio não deixa de ser interessante mas não passa disso. Generoso, solidário, escreve bem mas pessoalmente acho que como ele há umas largas dezenas (e isto porque leio pouco) de escritores. Frente a dois candidatos cujo nome correu pelos jornais “il ne fait pas le poids”. Refiro-me ao mexicano Carlos Fuentes e ao italiano Cláudio Magris. Não refiro americanos porque, ao que se sabe, o senhor secretário da Academia sueca acha-os fracotes e provincianos. Não refiro Vargas Llosa porque já é candidato há tantos anos que provavelmente nunca obterá o prémio. E não refiro, finalmente, Alvaro Mutis porque é colombiano. Ora a Colômbia já tem um Nobel (G. García Marquez) e tem uma potencial candidata ao Nobel da Paz (Ingrid Bettencourt). E ainda por cima deve ser país pouco apreciado pelos senhores do Nobel, mesmo que o da Paz não seja da responsabilidade dos suecos.
Quando se atribui um Nobel pesam-se demasiados factores e raras vezes a decisão obtém grande consenso. Sobretudo joga-se muito com o factor linguístico. A única excepção relativamente recente de que me lembro foi a premiação sucessiva de Camilo José Cela e Octávio Paz, embora o primeiro fosse espanhol e o segundo mexicano (e isso pode evitar que Fuentes ganhe o prémio. O México é como a Colômbia, um pais sem peso em Estocolmo).
Todavia, e pelo que pude ouvir, nem em França se apostava em Le Clezio. E para o próprio, carregado, é bom dizê-lo, de prémios franceses, a surpresa parece ter sido genuína.
Devo, porem, dizer que li com agrado “ Le Procés Verbal” e “Le Désert” cuja tradução portuguesa andava há tempos pelas feiras do livro baratas a menos de 3 euros. Ou de como os editores se lixam por falta de paciência.


E agora a grande notícia literária do dia, do mês e, quiçá, do ano: acaba de sair “A faca não corta o fogo” de Herberto Hélder. Duzentas e duas páginas de poesia absoluta. H.H. nunca terá o Nobel, claro. Não tem quem lhe traduza os versos para sueco e se porventura alguma daquelas queridas criaturas premiantes se desse ao trabalho de o ler nas línguas em que está traduzido poderia ter uma sofeca, um deliquio, um ataque tremendo pelo que é de toda a conveniência manter HH afastado dos senhores da Academia Nobel. E depois já se sabe que mandaria o prémio às malvas, coisa que só Sartre fez e por outras razões.
Claro que corri para a livraria a comprar o meu exemplar porque sei, de experiência antiga que com HH o melhor é a gente apressar-se. Assisti à abertura do embrulho onde vinham os livros. Em cinco minutos voaram quatro exemplares e ficaram reservados mais três. E o livreiro tentava apanhar um representante dos editores para reforçar a encomenda feita. E olhem que tinha pedido quarenta exemplares.
Às vezes uma pessoa pensa que vive num pais de leitores de bom gosto. E se calhar é verdade.
Alguma leitora maliciosa dirá que estou bem disposto e vejo o mundo cor de rosa. Leitorinha, com um livro do Hélder, à frente, o mundo canta.


* o título é, claro, um verso de HH. A fotografia é dele.

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