26 novembro 2008

O leitor (im)penitente 42


A Byblos foi-se?
Deixá-la ir...


N’ O leitor (im)penitente nº 28 (Dezembro de 2007) eu falava da Byblos e da fraca impressão que me ficara de uma visita feita dias depois (um mês?...) da abertura.
Voltei lá mais uma vez, corri de novo aquilo tudo à procura de um livro, eu bem sei que sou um leitor chato, chatíssimo, que compro livros há cinquenta anos, que conheço uma boa dúzia de cidades só de as percorrer de livraria em livraria, o que quiserem, mas a livraria anunciada como a maior, estava longe, longíssimo, cu de Judas, cornos da lua, da promessa inicial. Os famosos 150.000 livros não eram, quanto mais 150.000 títulos...
Entretanto, a “Leitura, books and living” (nome tonto...), citada no mesmo texto ia crescendo, devagar. Os proprietários tiveram o bom senso de ir buscar muitos antigos empregados da Leitura, todos com o tirocínio do Fernando Fernandes, livreiro de mão cheia, culto e inteligente.
Eu não sei quais eram as qualificações do proprietário da Byblos para se lançar nesta empreitada. Que era o antigo dono da ASA não há dúvidas. Mas tinha um editor de altíssima qualidade: o Manuel Valente (alguém daí pensará que digo isto por amizade mas engana-se. O Valente provou por onde passou que tem olho, garra, audácia. Se não fosse assim não teria batido com a porta aos da Leya e rapidamente contratado pela Porto Editora...) que, além do mais, sabe rodear-se de gente que trabalha, que dá o litro, que acredita no livro e nos livros.
Tudo o que se leu antes e depois do anúncio da Byblos flutuava numa “no man’s land” imprecisa em que os projectos tinham muita retórica e pouca substância.
O fim de uma livraria não me alegra. Nunca me alegrou. Algumas que morreram de pé (a velha Atlântida de Coimbra, a Figueirinhas, a primeira morte da Divulgação, as duas no Porto a Opinião lisboeta ou algumas parisienses começando pela La Joie de Lire e acabando na Librairie Globe com passagem pela Diwan (que o Eduardo adorava...) e pela Les Yeux Fertiles, (paragem certa do José Leal Loureiro) que de lutos que vivi. Todavia, estas casas, estas minhas casas, morreram no campo da honra, de armas na mão ou quase. Houve eventualmente erros de gestão, não digo que não, mas mesmo no caso tremendo da Joie de Lire, vítima do roubo desenfreado de livros, cometido com desculpas infames e a armar ao revolucionário, perdoado por um François Maspero que não se sentia confortável na pele de proprietário de uma livraria como se tudo aquilo não fosse o seu honrado trabalho transformado em estantes e livros, mesmo nesse caso, dizia eu, a morte não se deve a uma indigestão de asneiras, de farroncas de anúncios incumpríveis.
Desculpem-me os responsáveis da Byblos, os trabalhadores que por lá se viam, mas aquilo estava na cara. Naufrágio irremediável e anunciado. Nem o sítio era especialmente sedutor. E pelo preço que deviam pagar pelo arrendamento daquele espaço penso que poderiam ter metido a livraria perto de outras, as livrarias são seres eminentemente sociáveis, gostam de pairar em grupo à espreita de leitores omnívoros e distraídos que não querem senão ser caçados pela subtil, mágica, atmosfera livreira.
Faltou uma ideia ao projecto onde sobrava sobranceria. E é por isso que não vou ao enterro. Mesmo sabendo que uma livraria a menos são dez projectos pequenos que se abandonam ou se adiam.

* na fotografia: a Joie de Lire, nos anos 60 ou 70, que me foi mostrada pelo Jorge Delgado, visitante assíduo e comprador irremediável. O homem lia tudo, tinha tudo, sabia tudo e era inteligente, generoso e culto.

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