10 dezembro 2008

Au Bonheur des Dames 158


Ora vamos lá. À Assembleia da República, nome bacoco para Parlamento. Ou melhor: ainda bem que lhe chamam “assembleia da república”. Assim a palavra parlamento está momentaneamente salva. Isto se ninguém se lembrar de Eça e das suas peças sobre esse ajuntamento no século XIX.
Parece que um belo grupo de representantes do povo resolveu baldar-se à reunião plenária de sexta feira passada. Convenhamos que a tentação era forte tanto mais que a segunda feira era feriado. Ou seja, as luminárias que passeiam a sua alta importância por S Bento e adjacências (sobretudo as adjacências) também sentem “l’apell du large” quando a um fim de semana se sucede um feriado. Ou mesmo uma ponte. Sobretudo uma ponte.
E para que querem Suas Excelências esses dias? Para ir passar um fim de semana longo com a legítima, filhos, eventual ilegítima, amigos, familiares, a um qualquer paraíso (fiscal, por exemplo)? Para dormir três dias seguidos, dado o frio, o bom e salutar habito de hibernar, para descansar das canseiras parlamentares (por exemplo: levantar e baixar o dito cujo durante as votações, estar sempre de olho atento na mão imperiosa do chefe, nos sorrisos do chefe, nos esgares, no ar de enfado que o chefe põe quando fala um adversário – que chatice os adversários poderem falar...), para fazer “trabalho político”?
É engraçado esta obrigatoriedade do “trabalho político” cair sempre perto do fim de semana. Parece que a política se arrasta langorosa e etérea desde segunda a quinta mas, depois, à vista do fim de semana, ei-la que desperta alvoraçada e zás!, toma lá que já bebes.
Mas isto é apenas um mistério “gozoso” dos muitos que enxameiam os corredores do parlamento, perdão da assembleia.
Convém, portanto, voltar à vaca fria, isto é, ao mistério do desaparecimento de uma boa fatia de deputados. Não ignoro que neste campeonato os vencedores são os cavalheiros do PPD. Foram vinte e tal os desaparecidos. Todavia, convirá lembrar que no partido do governo também estavam em parte incerta alguns eleitos do povo. Aliás, não fora os votos dos cinco deputados socialistas (não me parece que durem muito, ou melhor, não creio que boa parte deles volte a S Bento) e provavelmente a medida em votação não teria tido vencimento. As maiorias absolutas, como esta permitem sempre uma folga.
Já sei que alguém vai dizer que estou a misturar alhos com bugalhos. Que as faltas de uns não se devem comparar às de outros como se a responsabilidade da oposição fosse maior do que a da situação. Não é.
Sabemos, e desde há muito, que a tentação de ir dar uma volta ao bilhar grande é habitual entre os senhores deputados. Coitados, também eles são humanos, que diabo.
Aliás, basta ver as maldosas imagens televisivas do plenário para se notar que “aquilo” deve ser uma seca do catorze. Os cavalheiros telefonam, lêem a imprensa (a Lux?, a Caras?, o Diário Económico?, vá lá saber-se) telefonam, retelefonam, parece que nasceram com o aparelho acoplado, ou então fizeram uma plástica, é o que é. Ainda há minutos, via eu, uma vez sem exemplo, o noticiário da RTP1 e enquanto a oposição se esgalgava em declarações veementes contra a recessão, um dos senhores deputados da maioria mesmo ao lado do encarregado de responder murmurava coisas seguramente patrióticas e definitivas ao telemóvel.
É claro que eu não quero acabar com o parlamento, perdão, a assembleia, mesmo que por vezes me apeteça descrevê-la como uma “fermosa estrevaria” (velha expressão cujo autor não recordo, mas que desde já dou por alheia). A mim bastava poder mudar-se o sistema de eleição. Em vez de eleger uma molhada (e aqui no Porto, cabem-me um quarteirão e tal) eu, quando fosse pôr o papelinho na urna, escolhia só um deputado. Ao fim de quatro anos, logo se veria se o cavalheiro tinha feito “trabalho político” que se visse ou se a dita actividade fora outra, lícita ou ilícita, peculiar ou normal.
Vejo porém, que um cavalheiro estrangeiro (ou isso parece) propõe uma medida diferente. Para ele, o ideal era fechar S Bento à sexta. Encerrado para desratização. Fechado para obras. O espectáculo segue dentro de momentos.
Eu falei em estrangeiro pois consta-me que o senhor deputado da Madeira que teve mais esta ideia genial está no Parlamento, perdão na Assembleia, com o aval do senhor Jardim, esse mesmo que nos confunde com cubanos, que nos chama colonialistas, que gasta o dobro do que aqui gastam os seus pares, que se ri de tudo e de todos e continuamente nos ameaça com a independência. Por favor independentize-se, homem. Tem o meu voto. Como nunca vi o deputado, de cujo nome, como Cervantes, não quero sequer recordar-me, desmentir o soba da sua ilha, presumo que esteja de acordo com as suas posições.
Já agora, e de raspão. O senhor bastonário da Ordem dos Advogados, pôs o dedo na ferida: parece que há um nutrido grupo de deputados que, incansáveis trabalhadores!, nos intervalos da sua ingente tarefa ainda advoga. Estes homens são de ferro! Dão um exemplo de amor ao trabalho a essa gentuça sindicalizada, a essa professoragem destemperada, a esses militares ameaçadores, a esses magistrados burocratas, enfim aos portugueses em geral. E já nem falo das assessorias (mormente camarárias...) de que um número importante de deputados é detentor, prova provada que são gente com capacidades variadas, gente com queda para tudo, é o que é, gente sem a qual nenhuma câmara andava para a frente. Um que outro invejoso garante que tudo isso não passa de “arranjinhos políticos” cozinhados nas concelhias e distritais do partido, cujos dirigentes entendem controlar com o pau e a cenoura os indivíduos que mandam para Lisboa. Se calhar é esse o “trabalho político” de que se falava há pouco. Outro invejoso garantiu-me, contudo, que apesar da câmara que ele conhece bem ter dois deputados avençados, nunca os viu por lá. Nem à semana nem ao domingo. Se calhar telefonam, retorqui-lhe. Só se for com chamada paga no destino, respondeu-me o difamador.

2 comentários:

jcp (José Carlos Pereira) disse...

O inefável deputado Jorge Neto, nosso deputado pelo Porto, disse hoje numa rádio - eu ouvi! - que esteve em trabalho político na véspera num jantar do Boavista, seguido de leilão. Aquilo é que foi trabalhar até às tantas. Depois não podia rumar a Lisboa, claro.

M.C.R. disse...

desconheço esse inefável mas gosto da desculpa. Tem "carisma". Ora gaita, dona Pessalina... o que se ouve por este mundo, perdão, por esta rádio fora...