22 dezembro 2008

Au Bonheur des Dames 160


Ai leitoras, o Nataaaal……., o Natal com sininhos a tocarem músicas que se tornam horrendas de tanto as ouvirmos. O Natal e o seu cortejo de bondade e aletria (para citar O’Neil), com jornais e revistas à compita na parvoeira, sempre com as eternas receitas, com a melhor maneira de pôr a mesa, com os mesmíssimos presentes inúteis, com a lenga-lenga da pobre história bíblica que o não é (Ora vão aos Evangelhos e vejam se há mangedoura, Belém, burrinho e vaquinha, reis magos e tudo o resto. Vá lá, leitorinhas preguiçosas, um esforço, a Bíblia e os Evangelhos são uma leitura agradável (e sou eu ateu!)…
Bom, deixemos a cristologia para quem a quiser estudar e voltemos a este baixo mundo. O Natal e o circo que se monta. Este ano a coisa até parece pior porque ninguém se esquece da crise que paira, do ano que aí vem. Os comerciantes deitam mãos à cabeça, adiantam ilegalmente os saldos, o público balda-se, substitui a prenda cara por uma barata ou nem isso. Cá em casa, enfim, na casa onde me reúno com familiares, alguém teve a abençoada ideia de propor a eliminação de prendas entre adultos. Ficam para prendar apenas os desprovidos de rendimentos. Claro que não vou ser assim tão radical mas deitei abaixo um par de presentes que me davam cabo da cabeça e que provavelmente não melhoravam a vida dos prendados.
Não deixa de ser curioso como a festa que celebra o nascimento de um pobre, entre os mais pobres, dê ocasião a tanto gasto. Eu que nunca fui de pouco pedir (pedir não custa) apenas queria o dinheiro que se gasta em papel de embrulho, fitinhas e lacinhos. Só.

Uma coisa que não pedi foi que o engenheiro Sócrates (esperavam que me esquecesse?) e os seus rapazes me viessem acenas com uns empréstimos para tratar dos dentes ou do meu enterro. Esta deliberação governamental (que aliás pouco mais é do que juntar uns serviços sociais que já existiam) apenas vem dar razão à exigencia sindical de salários acima da tabela proposta.
Sempre achei que o ordenado havia de ser anual (e dividido em doze partes), sem subsídios avulsos como a miséria do almoço. Ao empregador de grandes massas de individuos caberia garantir cantinas normais e decentes. Isso sim, seria o ideal. Agora fingir que se come com o que dão pomposamente como subsídio de refeição é ridiculo e tem servido (e bem!) de engodo. Dirão que a culpa é dos sindicatos que aceitam toda e qualquer migalha. É verdade. Mas como nos casos de corrupção há sempre um corruptor activo e um passivo, pelo que o Estado também não se salva enquanto empregador. Alguém dirá igualmente que os subsídios de Natal e de de Férias dão muito jeito. Eu não proponho a sua eliminação mas apenas que se dividam em doze prestações mensais que acrescem ao ordenado. Quem quer fazer férias que vá poupando. Quem quer pôr prendas no sapatinho que vá comprando durante o ano…
Eu sei que alguém virá mansamente repreender-me, dizendo que esta simplificação remuneratória poderia ter mau resultado: em chegando as férias pode não haver dinheiro para a praia e no fim do ano o dinheiro das prendas não aparece. É verdade. Mas o Estado não deve, nem pode, ser o tutor dos cidadãos. É por estas e por outras (muitas) que não chegamos à maioridade cidadã. Como também não chegamos com esta política de empréstimos que o Governo tirou da cartola. Que, ainda por cima, ninguém lhe agradece!
Quem também não agradece é um dos figurões da Educação que, referindo-se a um abaixo-assinado com sesenta e tal mil assinaturas, sempre foi dizendo que “isso não são métodos”. Como, acrescentou “ a ameaça de greve não é método”. O homem é totó ou simplesmente fascistoide? Então agora o levantar a hipótese de fazer greve é um insuperável obstáculo à negociação? Então, quando num país civilizado, que manifestamente a criatura não conhece, como, v.g., nos Estados Unidos, ainda há bem pouco, os guionistas de Hollywood aguentaram uma greve de meses enquanto negociavam melhores condições salariais com as majors, estávamos perante um atropelo bolchevista e gulaguiano?
Diz-se que o poder corrompe. Eu acrescentaria que o poder esparvoa…
Deixemos, todavia, estas deprimentes criaturas. Para chatear o indígena já basta a fúria compulsiva da quadra. Demasiada comida, os eternos mesmíssimos filmes na televisão, o trânsito e, sobretudo, desculpem-me leitorinhas gentis, a longa fila de ausências na mesa de consoada. Que Deus proteja os presentes e lhes dê um bom ano mas nada apaga os meus amados fantasmas, um pai, uma avó, tios, um sogro e uma sogra e tantos mais. Raios partam o Natal que mos torna tão tragicamente presentes e me faz sentir (mais do que nunca!) que se nascemos e morremos sós, também a vida nos vai tornando cada vez mais sós.

* A estampa: Nazareth de Rouault, um pintor fauviste e profundamente religioso que admiro desde uma longínqua exposição no Ateneu do Porto vai para mais de quarenta anos. quem tiver dinheiro e o bom gosto de ir até Paris poderá ver uma boa exposição dele na Pinacothéque de Paris.

2 comentários:

António Horta Pinto disse...

Excerto de um poema (início de um poema, naturalmente)

É Natal!
Rejubilam os corações
dos comerciantes
que encheram as ruas de decorações
um mês antes
e fazem saír natalícias canções
de altifalantes

Apesar de tudo, caro Marcelo, deseja-te bom Natal e feliz ano novo o velho amigo
Horta Pinto

O meu olhar disse...

Marcelo, pense nos que estão ao seu lado. A ausência das pessoas queridas que partiram pode ajudar-nos a valorizar a presença dos que estão e separar o que é importante do que é secundário. Desejo-lhe um período festivo o mais tranquilo possível, junto aos seus!
Um grande abraço.