23 dezembro 2008

Au Bonheur des Dames 161


Eu sei, eu sei que disse o que disse sobre o Natal. Melhor: sobre a aberrante interpretação que se faz duma festa que deveria ser recatadamente familiar e que agora entrou no consumo desbragado.
Eu sei, e de há muito tempo que o sei, que qualquer comentário sobre a quadra soa a caturrice ou, pior ainda, a snobismo. Todavia, não retiro nem uma palavra embora acrescente outra que não é minha, é bem mais antiga e reflecte um pouco o que algum leitor terá percebido sob a farpa. Parece que numa certa altura, num outro país, numa outra realidade, ou na realidade a que aspiramos, um anjo apareceu e disse Gloria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.
Deixo a glória a quem pertence mas desejo muito vivamente a todos os que me aturam e à tripulação desta “barquinha que vai para Belém”, paz e alegria, paz e serenidade, paz e paciência, paz e um mundo melhor. Desculparão a insistência na palavra paz mas olhando em volta desde Bilbau a Bogotá, do Kivu a Caxemira, das terras antiquíssimas entre Tigre e Eufrates até à miserável faixa de Gaza, paz, paz verdadeira vale mais do que pão, do que oiro, do que saúde. Vale tanto quanto a liberdade. E a dignidade. E o amor, porque sem ele a vida não tem sentido.
Se isso puder traduzir-se por Feliz Natal que assim seja, senão voltem ao princípio destas mal traçadas regras e pensem alto na palavra paz. E na palavra amor. E na palavra liberdade.

* a gravura roubei-a a um mail do Fernando António Almeida, poeta, ficcionista, historiador, amigo antiquíssimo e leal que me mandou a ilustração com o subtítulo de Éluard La terre est bleue comme une orange.

** os que não desertaram completamente do território da infância reconhecerão a toada da linda barquinha que lá lá vem... E o Natal, o verdadeiro, mora muito por aí

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