06 dezembro 2008

Diário Político 93


Chover no molhado


Ao que se lê, ou pelo menos em certos sítios, parece que as pessoas estão cansadas do duelo professores governo. Os professores, esses, não devem ler, ou não lêem estes curiosos jornalistas e opinion makers porque não se mostram cansados.
Mas há, de facto, umas criaturas, certamente movidas por um impetuoso desejo de servir a pátria, que juram que as pessoas estão fartas das lutas “estéreis” da “corporação” dos professores. Fora o facto de não saberem o que é uma corporação, e muito menos o que são direitos profissionais, devem estar cheias de razão. Ou não fossem opinion makers... impolutos e rigorosamente neutros...
Todavia, como parece haver um reduzido número de irredutíveis aqui vai mais uma acha para a fogueira.
A senhora ministra, com a argúcia e sentido de oportunidade que se lhe reconhecem, entendeu declarar em pleno parlamento que para o ano está disposta a rever tudo, absolutamente tudo mas que este ano a avaliação é o que está a dar. Ou seja: uma pessoa avaliada este ano pode, se novas normas (previsíveis) vigorarem, ficar altamente prejudicada por obedecer a uma lei que já é a prazo.
Chama-se a isto uma burla. Um gracejo, uma troça canalha a quem sofre os abusos de um poder que não sabe sê-lo nem se auto-limita.
Eu sei que amigos meus, camaradas desta viajem bloguística entenderam em seu tempo dar o seu honrado aval a esta ministra. Agora que ela mesma subverte as regras do jogo e dá o dito por não dito estes meus amigos ficam descalços. Claro que poderão continuar a achar exactamente o mesmo que achavam mas se por acaso formaram a sua opinião no argumentário ministerial devem estar um pouco atrapalhados. Como eu próprio estaria, devo dizê-lo, porquanto sempre entendi que toda e qualquer actividade (incluindo a política, sobretudo a política...) é passível de passar pelo crivo da avaliação. Deve passar por esse crivo. Só que...
Só que as regras que hão-de presidir a essa acção devem ser claras, justas, perceptíveis por todos e úteis. Não devem, por exemplo, servir para poupar uns miseráveis euros ao Estado como parece poder depreender-se da cuidadosa separação profissional e remuneratória entre professores titulares e o resto.
Um empresário pode começar por trabalhar só e terminar com dez mil empregados. Nada se opõe ao seu esforço e à sua subida. Basta-lhe trabalhar, ter sorte, saber vender o seu produto e recrutar os melhores para o cadjuvar. Não há nenhuma lei que limite o número de empresários de sucesso a 5, 10, 20 ou 50%.
No caso dos professores, basta ler, pelo que não vale a pena perdermos aqui tempo a falar disso. Aliás a regra que se aplica aos professores tem equivalências em diferentes corpos da função pública. De facto, se é certo que a percentagem de bons e muito bons profissionais é reduzida nada permite que se estabeleçam números fechados. Imaginem se isso ocorria na actividade privada...
Com um ponto de extrema gravidade. Desde há uns anos a esta parte, os cargos de chefia na função pública caíram inexoravelmente na escarcela do partido no poder. Os chamados concursos (e há uma lei que os contempla) ainda não ocorreram e duvida-se que alguma vez se concretizem. E mesmo que alguma vez algum se realize conviria saber quem entra no júri, quem estabelece as regras, como é que serão avaliadas as candidaturas. Ou seja, é esta gente, sem mandato que se conheça que avalia os restantes. Estão a ver?
Mas deixemos estas minúcias. Voltemos a pobre ministra que caminha com os olhos brilhantes e em alvo rumo ao matadouro. Desde há meses que tem sofrido consecutivas derrotas que apimenta com comentários que seriam patéticos se não fossem ridículos. Está a prazo, não há quem o negue. Nem ela, aliás.
Perguntar-se-á: então porque é que ainda lá está? Não causará desgaste na imagem do governo? Não se corre o risco de perder eleitores (e os professores, sabe-se, são votantes naturais do PS)?
A resposta a estas questões é infeliz e desgraçadamente simples: é a crise. A crise que alastra, os empregos que desaparecem, a deflação que avança, o marasmo, a quebra do consumo, o desinvestimento etc... etc...
Enquanto os portugueses estiverem entretidos neste rodeo, não olham à sua volta. E á sua volta as coisas complicam-se. E complicando-se (e nem se fala nos fretes ao BPP) complicam as hipóteses até há pouco triunfais de uma nova maioria forte senão absoluta. Os jornais, os maus, claro, já falam das estranhas parcerias de certos implicados nos escândalos com altas personalidades socialistas. E a procissão vai no adro. Com um pouco de paciência chegará a vez a outros, a muitos outros. E com um pouco de sorte nossa, nem o espesso manto, que a luta dos professores tem sido, abafará o escândalo. Cá estaremos para ver, ouvir e pasmar.
Ora é nesta dupla perspectiva, a da crise geral e a da queda provavel de alguns mitos domésticos, que se deve perceber o facto desta ministra continuar a passar por tal. Politicamente está finada, falta-lhe a certidão de óbito, mesmo que isso possa ser adiado para as calendas. A Educação, que passa o seu pior período de sempre, nunca foi uma prioridade pese embora a propaganda em sentido contrário. A crise não é de hoje, estava instalada, e isso tem feito com que as verdadeiras reformas se fiquem por um aligeirar da exigência, por uma extraordinária facilitação, pela redução dos programas á expressão mínima e por um devolver de responsabilidades à escola pública e aos seus agentes, os professores.
Quando se governa para a galeria e para os amesendados e protegidos há que encontrar um bode expiatório para as dificuldades que foram adiando enquanto puderam. O processo correra bem com os magistrados, razoavelmente com os funcionários, grupo heterogéneo com interesses divergentes, minado pelas entradas massivas ocorridas as mais das vezes por favor político ou por razões familiares (é conhecida a endogamia sistemática de centenas de repartições) para as quais não há concurso que valha. Pelo menos enquanto foram feitos no seio das instituições com júris caseiros e sujeitos a todas as pressões. Outro galo cantou com os médicos e outro galo começa a cantar com os professores. Não se fala dos militares, basta ler as notícias: bandeirinha branca e aumento já na calha.
A ideia era que os professores, classe em nítida perda de influencia social, maioritariamente constituída por mulheres (eventualmente mais dóceis!...), poderiam ser batidos recorrendo a alianças espúrias quais sejam a de bom número de associações de pais que vem a escola como um vazadouro diurno de filhos que se deve substituir á família no que toca á transmissão de conhecimentos e valores. Correu mal. E vai correr pior.
Ou seja: Vai correr melhor para todos quantos acreditam nos valores constitutivos da democracia e da responsabilidade cívica.
É mais algo que ficamos a dever aos que tem por dever educar.

4 comentários:

O meu olhar disse...

Caro mcr, talvez fique espantado (ou talvez não) mas eu continuo a apoiar as posições da ministra e, relativamente ao que eu ouvi do que ela disse no Parlamento compreendo plenamente. A bola de neve foi ficando cada vez maior e a margem de decisão é cada vez mais estreita. Ela não podia ( ou não devia, na minha opinião) suspender a avaliação não porque caísse a cara ao governo, porque esse ponto de vista pode interessar ao governo mas não me interessa a mim, mas sim porque qualquer processo de avaliação minimamente sério cairia por terra. Além disso, como já todos compreenderam, à custa do processo de avaliação os professores querem por em causa o pacote inteiro.

Muitos dizem mal deste modelo mas muito poucos sabem do que estão a falar. Não conhecem o modelo apenas o que ouvem dizer dele ou seja, na maioria dos casos, frases feitas. Essa questão das quotas, por exemplo. Apresentada como o meu amigo a apresenta ou como a Benavente apresentou há dias na RTPN parece coisa de tolinhos. Então, como dizia ela, se existirem 5 alunos que mereçam ter 17 só podemos dar essa nota 3? Como se esse paralelo pudesse ser feito e como se o histórico da avaliação na Administração Pública não existisse.

Eu estava na Administração Pública quando o modelo anterior, que vigorou até este aparecer, foi iniciado. Na altura fiz um estudo sobre o modelo em que previ que a sua implementação corria sérios riscos. Não foram precisos dois anos de avaliação para isso se confirmar. Toda a gente passou a ter rapidamente Muito Bom. A nota Bom, raramente atribuída, era tida como uma péssima avaliação. As chefias que no início queriam fazer um trabalho sério rapidamente desistiram para não prejudicar os seus funcionários. Sei do que falo porque passei por essa situação. Portanto, haver ou não haver avaliação, nesse modelo, era mera burocracia.

Neste modelo actual as quotas funcionam como “um mal necessário”. Claro que se tivéssemos uma cultura séria de avaliação e as chefias fossem capazes de efectivamente fazer diferenciação, não seriam necessárias as quotas. Penso que, com o tempo, elas poderão ser abolidas. Até lá é preferível que existam algumas injustiças que muitíssimas injustiças, que era o que acontecia com o anterior modelo: quem trabalhava bem ou quem trabalha mal levava a mesma avaliação.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Caro d'Oliveira, já escrevi algures que se a ministra e o Governo estiverem convictos das suas razões, sem teimosias inúteis, devem prosseguir o seu rumo. Sob pena de perderem a face e...a razão.
Quanto às famigeradas quotas, elas também existem nas empresas privadas, em função dos modelos de avaliação implementados. Há muitas formas de atalhar os erros dos processos de avaliação, erros lógicos, de halo, de recência, de leniência ou severidade, entre outros. Uma dessas formas é limitar o número de avaliações nos graus máximo e mínimo e, assim, forçar uma distribuição mais central das avaliações. Pode-se discutir os sistemas, mas não é correcta a ideia de que as quotas só existem na administração pública e, em concreto, na avaliação dos professores.

Mocho Atento disse...

Mantenho a minha convicção.

Avaliem-se os professores. Respeite-se quem tem competência! Premeiem-se os melhores! Substituam-se os incompetentes!

O sistema de ensino não é existe para haver empregos. Tem uma finalidade social: ensinar e conseguir que os alunos aprendam!

A existência de categorias profissionais existem em todos os sectores, excepto nos professores! Porquê?

Esta discussão já deu o que tinha a dar!

M.C.R. disse...

andamos a desconversar. Até agora os professores sempre disseram que aceitam a avaliação mas não deste modo. Até prova em contrário terão de ser acreditados.

dizer como diz a minha cara colega que eles querem pôr em causa o pacote inteiro, quiçá a democracia, parece-me extrapolação.

dizer que as apertadas medidas usadas ou propostas para a FP são identicas à do privado é ignorar os termos da avaliação pública que finalmente termina sempre por uma apreciação subjectiva que tudo leva a pensar que seja política. MAs isso é mal que vem de trás.
ai da empresa privada que e contentasse com percentagens tão estreitas de bons e muito bons funcionários. Ia à falência. Se calhar é por isso que se v~e o que se está a ver.
A senhora ministra no Parlamento (e todos os comentários vão no mesmo sentido) disse o que eu descrevi e não o que parece implícito nas palavras da minha cara primeira comentadora. Lá para a frente pode pôr-se tudo em causa ,mas agora é assim. Se compreendi mal estou enormemente acompanhado.
Até os sindicatos pensaram o mesmo de tal modo que se dispuseram a ir para a reunião. Serão estúpidos?
O modelo anterior de avaliação da FP foi criticado desde o 1º dia em que apareceu como "o meu olhar" decerto se lembrará. eu mesmo, no uso de funções oficiais de dirigente escrevi à minha tutela dizendo que o modelo era impraticável e ridiculo. Julgo que só o princípio dos concursod públicosd, gerais e anónimos, pode resolver a questão do avanço profissional. disse-o e submeti-me sempre a concurso mesmo quando não era preciso por "ter adquirido a promoção por exercício de funções de chefia". Manias minhas...
O futuro não muito longínquo dirá quem de nós teve razão. Basta esperar...