12 dezembro 2008

Estes dias que passam 133

Um bom dia para Portugal

Não se espantem, leitorinhas gentis e circunspectos cavalheiros que me lêem. Eu também sei dizer bem, sei elogiar o governo assim saiba ele fazer as coisas bem. E desta vez parece que fez. A notícia de que este pequeno e antigo torrão está disposto a acolher presos de Guantánamo conforta-nos a alma. Tanto mais que havia a suspeita (se é que ainda não persiste…) de que aqui teriam passado alguns aviões de prisioneiros clandestinos (aquí os clandestinos eram os carcereiros porque os prisioneiros esses eram “ninguém” como no saudoso dramalhão de mestre Garrett).
Os islamistas, terroristas ou suspeitos como tal, eram uma espécie de “Nacht und Nebel” moderno. Não iam direitos para o forno crematório, não, nada disso, iam apenas para uma terra “de ninguém”, fora dos Estados Unidos e fora do mundo, onde as leis normais não têm existencia. Eles não eram reus, não eram presos políticos, não eram presos militares, eram apenas “inimigos combatentes” fora do alcance de qualquer convenção a começar pela de Genebra.
Sabendo o que se passava em Abu Grahib não parece dificil julgar que lá nesse Guantánamo extra-terrestre, as coisas deviam ser ainda mais espantosas.
Agora, diz-se, que a libertação desses presos a quem se nega julgamento, a quem se nega a lei, a quem se nega a humanidade, pode ser perigosa para eles próprios. É que são cidadãos de países onde a lei também tem um significado aproximativo. É provavel, diz-se, que uma vez na pátria o prisioneiro o deixe de ser e passe dessa transitória categoria a outra mais definitivae socegada. A de cadáver.
Bom, seja como for, Portugal, pela voz do MNE (que já aquí terá ouvido algumas)está disposto a receber esses presos, alguns deles, garantindo-lhes assim a vida e seguramente uma vida mais digna e menos injusta do que a não vida de Guantanamo.
O Governo português está de parabéns, e de parabéns estamos todos quantos, resignada mas democráticamente, aceitamos este Governo. Fez po que lhe competia, dirão. É verdade. Mas fê-lo rapidamente, dignamente antes de outros que por tradição, história e importância já se deveriam ter oferecido.
Aos governos apenas se pede que façam o que devem fazer, a tempo, e bem.
Apareceram, consta-me, alguns sussurros. O Presdiente da República terá ficado melindrado por só agora o vir a saber, e a Oposição queixa-se do fait accompli sem lhe ser dado cavaco (esta saiu-me assim e não pretendia ser irónica, convenhamos que não saiu mal…).
De facto, nada obrigava o Governo a dar conhecimento antecipado desta posição honrosa e digna que tomou. Nada ou quase: há umas regras não escritas, não direi de educação, mas pelo menos de fair play, que aconselhariam um telefonemazinho sobre o assunto. Não era por dar conhecimento a meia dúzia de pessoas que o gato ia às filhozes, que diabo…
Nem acredito que o Presidente ou a leader do maior partido da oposição pudessem dizer outra coisa senão “amen”, palabra que ambos devem usar com frequência.
Mas a falta de informação não empana a dignidade do gesto embora a diminua ligeiramente. De todo o modo, o dia, hoje, está para dizer com alegria e convicção, que o Governo de Portugal mostrou grandeza e dignidade. Num mundo cão como o actual isto, que parece pouco, é muito.
Bravo, senhores governantes.

5 comentários:

O meu olhar disse...

MCR, estou abismada, pregada na cadeira, espantada! Vejo que encontrou algo para dizer bem do Governo!...
Fora de brincadeiras, acredite que até eu tenho dificuldade em encontrar coisas positivas de que falar nos dias que vão correndo, por isso ainda maior o meu espanto quando li o seu post. Estou totalmente de acordo consigo. Para além de nos trazer aqui uma coisa positiva obrigada também pelo título Um bom dia para Portugal. Sabe bem abrir o Incursões e ver este título!
Um abraço

M.C.R. disse...

querida amiga

eu sobre este governo tenho pouquíssimas ilusões. Expectativa perto do zero, para ser mais claro. Acho que nem o PPD teria uma governação tão á direita e tão longe do programa (e dos ideais) do Partido Socialista. Acho que nem o PPD seria tão autoritário e tão incapaz de de ouvir as razões dos outros ou o clamor da rua.

todavia o gesto em causa, tenha ele as motivações que tiver (já li tanta coisa sobre isso..) é um gesto honrado, digno do tal programa que há muito foi rasgado ou esquecido pelos actuais responsáveis.

devo, além disso, dizer que a função do blogger, ou deste blogger não é andar de lupa (que bem precisa é) à procura de algo positivo para dizer. Este blogger entende que a democracia e a liberdade se reforçam quando se apontam as asneiras, os erros, os vícios e as inconsequências da acção política.
Para dizer bem há as televisões públicas, a imprensa pré paga, a Alta Autoridade da dita cuja, os deputados da maioria e amigos e familiares e os inocentes úteis do costume.
vi disso durante trinta e tal anos da minha vida (meia vida) e jurei que me manteria fiel ao que nessa altura sentia e pensava. E vejo, com tristeza que motivos não me faltam...

O meu olhar disse...

MCR, eu ainda não consegui passar, a mensagem do que é para mim essa coisa de focar também os aspectos positivos. É que só ouço, na grande maioria das situações, falar das coisas negativas, salvo se são feitas pelos próprios porque, nesses casos, “ faz-se o melhor que se pode e a mais não se é obrigado”.

Não acho que os jornais, rádios e televisões façam esse papel de dizer bem seja do que for. Só ouço e vejo uma procura de tudo o que possa ter corrido mal. Tudo o que sangra é notícia. Mas, de qualquer forma, não é essa a minha questão. Para mim é importante conseguir ver, destacar e falar do que está bem e do que está mal, não me fixar apenas nos aspectos negativos.

Os portugueses, de uma maneira geral, passam grande parte do seu tempo a criticar, a atirar em todas as direcções, apesar de tenderem a ser pouco activos na acção. Com isto não quero desvalorizar a crítica, bem pelo contrário. O que eu valorizo é um maior equilíbrio entre os dois pólos.

Conheci uma pessoa que quando lhe perguntava “Como vai?” me respondia invariavelmente “ Não me posso queixar”. Um dia perguntei-lhe se respondia assim por rotina ou se havia alguma razão especial para o fazer. Tinha uma razão e muito interessante. Parece que isto nada tem a ver com as críticas sistemáticas dos portugueses mas tem. A crítica, a lamúria e as queixas andam muito ligadas nas conversas. Claro que não é o seu caso.

M.C.R. disse...

cara amiga

Vejo que me lê obliquamente. Estou farto de dizer bem de livros, discos, exposições etc... Aliás eu dessas coisas só digo bem porque prefiro ignorar misericordiosamente as que não prestam, ou que achei fracas.
E continuo a pensar que andar a tentar passar uma imagem positiva (com os mais nobres fins do mundo, concedo) não tem qualquer resultado prático. quando chefiava pessoas, fazia isso: sempre que qualquer funcionário mostrava brio, qualidade, esforço lá o chamava e o elogiava. elogiei mesmo erros que mostravam tentativas interessantes por trás.
Agora dar vivas à selecção, agitar a bandeirinha nacional (de que todos se esquecem no dia a dia) e outras manifestações de nacional porreirismo não.
Não deixo de reconhecer, todavia, que os portugueses (quase todos) têm uma tristura deslavada. Têm medo de estar bem. São demasiado humildes, demasiado apagados demasiado fechados. Deve ser a tal mistura de saudade e fado, duas coisas detestáveis pelo que representam de aceitação passiva do que nos cai em cima.
o progresso faz-se contra isto e não com isto. E eu, mesmo com esta idade provecta, não desisto de querer o progresso.

O meu olhar disse...

Acredite que não o leio obliquamente. E concordo consigo que não serve de nada andar a tentar passar uma imagem positiva. O que eu defendo é que devemos ver tudo: o positivo e o negativo e falar de ambos. Além disso., nem tudo é muito mau, nem tudo muito bom e ainda podemos acrescentar que sobre a mesma coisa as opiniões podem divergir do negro para o branco, passando pelo cinzento e por todas cores do arco-íris.

De qualquer forma o importante também é, como diz o meu querido amigo a propósito da aceitação passiva, ter presente que “o progresso faz-se contra isto e não com isto”.
Um abraço