27 dezembro 2008

estes dias que passam 134


Mesmo em época de defeso…


Como o título indica, nesta quadra excessiva, toda carregada de bons sentimentos e de fervorosas declarções de intenções para o ano que se avizinha, não se devia falar de coisas sérias.
Os dias que medeiam ente o Natal e os Reis são uma espécie de silly season. Toda a gente se apressa a “dar testemunho” da sua escondida predisposição para a bondade e a garantir que fará todos os esforços para tornar o nosso futuro ainda mais radioso.
Todavia, não é o cronista quem está a tentar fazer fogo de qualquer fagulhinha brejeira mas os acontecimentos que o forçam a sair do sério e, abandonando rabanadas e roupa velha, a vir chatear as leitorinhas. E se calhar até vos faz bem: esquecem por momentos os dois quilos com que as festas vos brindaram e que vão demorar semanas a desaparecer…
E vamos á vaca fria (isto é uma velha expressão idiomática portuguesa e não qualquer espécie de menção a quem quer que seja adiante citado(a).)
Umas criancinhas já com barba rija entenderam, numa sala de aulas, durante o que era suposto ser uma aula, apontar uma pistola a uma professora exigindo uma nota positiva. Supondo que a pistola (falsa) se parecia com a uma arma verdadeira, parece natural ou mesmo admirável que a professora sem se intimidar tenha primeiro recorrido a algumas advertencias e finalmente abandonado a sala e apresentado queixa.
As criancinhas, adolescentes retardados mas com barba no meio da acne devem ter-se rido à gargalhada e, para estarem em consonância com a quadra, mandaram o filme dos acontecimentos para o You Tube. Lá terão pensado que se eles se divertiam seria egoísmo não partilharem com o mundo que vê tais alarvidades a sua sã alegria adolescente.
Claro que o escandalo rebentou. A escola já está atarefadíssima a inquirir, diz-se que os rapazinhos terão pedido desculpas à “sôtora”, que esta as aceitou, mas que o inquérito prossegue.
A primeira declaração que me deixa perplexo é da sempre surpreendente directora regional de educação do Norte, aquela mesma que mandou borda fora um funcionário por este, num momento de ócio, ter chamado nomes à mãe do senhor presdiente do conselho de ministros.
A senhora dirigente, de sua graça Margarida Moreira, disse, e cito, que o episódio não passou de “uma brincadeira de mau gosto que excedeu os limites do bom senso”. Analisemos: será que há brincadeiras de mau gosto que não passem os limites do bom senso? Será que há bom senso no mau gosto de certas brincadeiras? Será que uma pistola falsa mas em tudo ou quase igual às verdadeiras não assusta um qualquer mortal? Será que quando nos apontam uma pistola devemos agarrarmo-nos à barriga, romper numa gargalhada e até, para mostrar que apreciamos o humor da situação, convidar o atirador a disparar, como em tempos remotos um francês burro e temerário fez (messieurs les anglais tirez les premiers, terá dito numa batalha que, obviamente, perdeu. Os bifes não se fizeram rogados e limparam logo o sebo a uma boa quantidade de inimigos...)?
Será que isto era só uma brincadeira? Será que trazer a pistola, ameaçar a professora, mandar o filme para o éter é apenas um gracejo de mau gosto, uma pequena judiaria que dada a época natalícia debe ser descontada na ração de rabanadas e bolo rei dos jovens graciosos?
Suponhamos que a professora tivesse tentado tirar a arma ao menino rabino. Teria este entregado a arma ou, à cautela e com um safanão, tentaria frustrar os impetos guerreiros e auto-defensivos da professora? E o resto dos hilariantes coleguinhas? Teriam continuado a filmar, ou pôr-se-iam virilmente do lado do pequeno pistoleiro?
É para isso que servem as aulas mesmo num bairro tão problemático como o do Cerco no Porto?
Agora a senhora presidente do Conselho Executivo, de sua graça Ludovina Costa, ao mesmo tempo que com uma mão manda instaurar um inquérito disciplinar vem com a outra mãozinha “desvalorizar o caso considerando que aquela turma é de miúdos simpáticos”. Ou seja para a dona Ludovina o mau gosto que excede (Jesus! Ninguém ensinará esta gente a falar português?) o bom senso não merecia tanta maçada. A chatice é que isto se sabe cá fora e portanto há que ffingir um inquérito para daqui a dias se saber que na tal escola está “tudo como dantes, quartel general em Abrantes”.
Porque é isso que vai acontecer, não tenham quaisquer dúvidas. Esta gente sempre pressurosa a cascar nos que dizem piadas sobre as autoridades legítimas, acha que os “meninos” mesmo se grandinhos são anjinhos de Rousseau, nada se lhes deve levar a mal. Ou quase: a idade e a “escola inclusiva” perdoam tudo, justificam tudo.
A senhora directora da educação do norte (sublinho este ponto porque esta educação tem pouco a ver com a outra a do dicionário, a que costumamos a ssociar à preparação para a cidadania, para a vida adulta, para o conhecimento, cultura e progrsso humanos) reforça, como aliás se esperaria, o clima natalício de indulgencia plenária. OS miúdos já foram reguilas mas agora, integrados num curso de Desporto (tiro ao alvo?) recuperam do insucesso escolar.
Eu não quero que fusilem as criancinhas, mesmo com armas de plástico, que os condenem ao degredo, sequer que os expulsem da escola. Todavia, estas desculpas que vão condicionar (ou anular) o presumível inquérito apenas servem para evidenciar a cobardia moral e cívica com que se encara o permanente estado de indisciplina nas escolas.
Claro que a grande batalha dos boys e girls que estão amesendados na Educação é outra: quebrar a espinha aos professores, demonstrar que se há indisciplina é porque são estes com a sua insensatez congénita e “corporativa” quem fomenta a ignorância de educandos, a incúria das famílias e o desastre da educação.
Nos intervalos vão fazendo “carreira” e com aplicação e esforço poderão abichar um lugarzinho melhorado (deputado, assessor ministerial) que se for levado a cabo com a mesma dedicação abrir-lhes-á as portas da administração de empresas boas, bancos mesmo, já se viu mais bizarro e ninguém protestou.
É desta farinha que se fazem igualmente os dirigentes do aparelho tal como ( e para não sair do Porto) aquele senhor que vai pescar um transfuga do Marco de Canaveses, indiferente ao facto da dita criatura ter sido o braço direito (ou o esquerdo, não discuto pormenores sórdidos) do ora arguido Torres.
As leitoras, ainda empanzinadinhas com a desbunda gastronómica natalícia, perguntarão se eu não exagero. Não queridas amigas, não exagero. Provavelmente peco por defeito. Faço, tão só, a crónica destes dias tumultuosos. É que, como dizia o Eduardo Guerra Carneiro,é assim que se faz a história: “pois da história se trata. E dos que a fazem. Por vezes pouco seguros de si próprios. Mas com a certeza do que está certo. A história anónima[…] A que nós fazemos. Agora sentados ao sol, á mesa do café.”
O Eduardo, como numa crónica belíssima dizia o Jorge Silva Melo, foi “o poeta que se atirou para as estrelas”. Cansado de muita coisa, da vida, de amores, mas muito, muito de tudo isto. Do quotidiano mesquinho e insuportável que é, queiramos ou não, o quotidiano deste país. Que parece sonhar com o regresso a uma idade cinzenta, com um chefe e muitos súbditos. Com respeitinho e partido único. Sem ideais mas com o lugarzinho assegurado a quem se portar bem. Um país onde os homens se medem pelo que valem em votos, à boca das urnas. Já um brasileiro político famoso dizia no seu manifesto. “Ademar rouba mas faz!”. Ora aí está um belo mote de campanha.

* “É assim que se faz a história” Assirio & Alvim, Lisboa, 1973.

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