10 janeiro 2009

Au Bonheur des Dames 164


Chiça que faz frio! Olha esta lembrou-me o nome de um restaurante ali para os lados da velha Escola Politécnica, em Lisboa. “Faz frio” chamava-se o estaminé. Dei por ele, se não erro, num dia longínquo (“dia do estudante”, ou coisa do género) nos anos sessenta, em que apanhámos um arraial da polícia de choque. A polícia, batia na rapaziada porque estava frio. Aquecia-nos os lombos juvenis e contestatários. Era para nosso bem, diziam. E mais uma chanfalhada! Nessas correrias terei procurado refúgio no dito cujo “FAZ FRIO”. E comia-se bem. Bem e à fartazana, como Deus manda e os dias frios exigem. É que o inverno pede sustância, comida que se veja, pratos da velha e tradicional cozinha portuguesa, cozidos, feijoadas, bacalhau com todos (e mais alguns como diria o famoso escultor Sousa Pereira, Manuel de seu nome, que exige prato de arroz seja com o que for um! Com o bacalhau, Manel? Com o bacalhau, pois claro! E fica muito bem. Este Pereira é tão arrozeiro que uma vez lhe fizeram um jantar de arroz com arroz! E ele comeu-o com um à vontade que espantaria o mais pintado. Aliás em matéria de jantares, o homem está por tudo. Ainda recordo o dias, aliás noite, em que ele, impenitente sedutor, decidiu correr uma lebre no seu próprio terreno. Para o efeito precisava de dar de jantar à potencial seduzida. Só que, no capítulo cozinha & assimilados, o Manel vale zero. Aliás, menos do que zero. Como o frio, hoje. O homem nem uma mesa sabe pôr. Claro que lá foram uns amigos sigilosamente, pela porta de serviço, cozinhar o que havia de ser cozinhado, tenho ideia que fazia parte desse imortal grupo de “chefs” humanitários e protectores de amores clandestinos. O jantar foi um êxito e o MSP averbou uma vitória clamorosa no seu próprio campo. Desconheço o resto desse romance tão auspiciosamente começado mas a verdade é que os amigos são para isso mesmo, para dar uma mãozinha aos incapazes, no caso, como é sabido, incapazes apenas culinariamente que o homem no resto dava cartas...
Mas eu falava do frio, do taró, do grisu, ou griso, enfim destas temperaturas indecentes que só têm uma fraca virtude: nisto estamos como o resto da Europa: a bater o dente enquanto os noticiários televisivos se excedem em reportagens sobre umas neves que caem aqui e ali. Eu mesmo, hoje, pelas dez e pouco, onze da matina, vi claramente visto uns vagos flocos de neve em plena avenida da Boavista.
Pessoalmente, a neve diz-me pouco. Apanhei fartas doses dela nas alemanhas, sobretudo na Baviera vai para mais de vinte anos. Detestei. Eu conto: cheguei a Munique num domingo duplamente festivo porque além deste vosso criado, chegava aquelas terras ardentemente católicas, apostólicas romanas e bávaras, o Papa. Por razões que não vêm ao caso não nos pudemos encontrar sequer para beber uma cervejola na Schwemme. Meti-me num comboio para Murnau e a meio da viajem apesar de não serem mais do que três da tarde, e estarmos em fins de Abril, o céu enegreceu e caiu um nevão que nem vos digo, nem vos conto. Eu de casaquinho leve, enregelado num comboio fantasma que parou numa estação fantasma onde se não via vivalma. Tiritando, desgraçado turista em terra germânica, ali fiquei até que surgiu um táxi salvador. Para o hotel bradei. Qual?, perguntou-me o teutão. O que estiver mais perto desde que no centro de Murnau. E assim cheguei, miserável e mais frio do que a múmia de Tutankamon, a um hotelzinho que me acolheu. Tomei um banho quentíssimo para ver se recuperava algum do muito calor perdido e depois arrastei-me até ao salão. Um afável empregado perguntou-me se queria jantar. Às cinco da tarde?, perguntei. Tem alguma alternativa melhor?, retorquiu-me o bávaro que falava uma espécie de brasileiro. Não tinha. E lá veio um “Eisbein” gigantesco com puré. Comi meio prato e, é com vergonha que o confesso, fui-me deitar. Às seis e pouco já dormia o sono dos justos ou pelo menos dos resfriados.
E durante os meses que se seguiram apanhei um forte par de nevões que me deixaram vacinado contra os prazeres da neve. Vacinado e constipado.
Por isso, não me comovi com esta chuva fria com vagos flocos à mistura. Pata que a pôs! Ainda por cima, a novidade da neve, atirou o resto das notícias, mesmo as mais graves, como a do desastre do futebolista que desfez cento e sessenta mil euros de automóvel, ou a prestação do engenheiro Sócrates todo amante das artes. Nem sequer essa miudeza que é a guerra no médio oriente teve honras de primeira página. Também não valia a pena. Nenhum dos contendores quer parar. É o Far-East em todo o seu esplendor. Nem durante o período (escasso) de tréguas os alucinados do Hamas pararam. Depois, gritam que os estão a massacrar. Claro que estas abébias que Hamas dá a Israel, são fartamente aproveitadas por este. Ai queres música? Toma que já bebes.
Voltemos ao frio que é mais saudável. Querem combatê-lo com eficácia? Aqui vai uma receita fácil e teutónica: comprem um pernil de porco. Cozam-no. Juntem-lhe umas salsichas alemãs. Variadas. Há algumas que se grelham e são óptimas. Chamam-se “Bratwurst”. Ao lado cozam batatas. E juntem-lhe uma lata de Sauerkraut, ou seja de choucroute. Vem feita, basta aquecer. Com uma bela mostarda de Dijon, faz-se a festa. Para beber: fartas doses de “boémia” ou qualquer cerveja do mesmo tipo. Um tinto decente também serve. Se convidarem o MSP não se esqueçam de acrescentar o arroz. E passem um bom fim de semana. No quentinho, como Deus e a prudência mandam. E neste quentinho cabe tudo, mesmo isso, leitorinhas, em que estão a pensar. A lascívia no inverno não é pecado. E mesmo que fosse...
Schuss! Alles gut. Viel spass!

*na gravura: "casas em Murnau", Kandinsky

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