20 janeiro 2009

Estes dias que passam 137


Quarenta anos depois

Há quarenta anos, ou ainda menos organizei, com Maria João Delgado (que traduziu os textos de origem inglesa enquanto eu traduzia os que vinham originariamente em francês) este livro cuja capa se mostra. Chamava-se "Os Panteras Negras" trazia textos de Eldridge Cleaver, de Huey Newton e de vários colectivos negros pertencentes à órbita do Black Panther Party ou dos "Weathermen". A edição esteve a cargo da Editorial Centelha (Coimbra) de que já aqui se falou. Como pormenor curioso o livro foi proibido a partir do momento em que, ainda antes de impresso, a polícia descobriu numa tipografia as capas. Nem sabiam do que se tratava mas, à cautela, pimba!
Claro que o livro saiu, foi vendido às escondidas, sempre proibido, como aliás ocorria com grande número das edições da Centelha.
Quarenta anos depois da realidade que aqui se retratava, a traço grosso, eis que um afro-americano toma posse como Presidente dos EUA. Que de caminho andado! em quarenta anos o mundo americano perdeu uma guerra, meteu-se (mal) noutras, ziguezagueou entre o terrível (Guantánamo) e o belo e aqui está um homem de 43 anos, carregado de diplomas prestigiosos a jurar o cargo mais importante do mundo.
Assisti a tudo, comovido, impressionado, espantado com a aceleração da história, desejando intensamente que ele seja bem sucedido pois carrega nos seus ombros um capital de esperança de que não há memória. Traz com ele uma administração bicolor, o que é uma novidade, fala directamente ao povo via internet, outra novidade e pode, se o ajudarmos, mudar para melhor o mundo em que vivemos.
O discurso, sóbrio mas claro, que pronunciou há momentos promete obras públicas, insiste na igualdade de oportunidades (escola, saúde pública) de defesa do ambiente (novas tecnologias, energias alternativas) e refere com contenção e pudor uma outra política racial bem como e isso é importante uma nova maneira de falar com o mundo.
E foi com indescritível prazer que vi o casal Obama acompanhar até à porta do Capitólio o casal Bush de regresso ao seu Texas natal.
Bom vento e estrelinha que o guie!

4 comentários:

josé disse...

Vamos a ver, como diria o tal cego.

Sobre o livro:
Obviamente que o papel de uma censura que se prezasse, e que era braço armado de um regime que combatia o comunismo, era o de proibir um livro desses.

A censura existia e tinha exactamente esse papel. Tal como nos paises cujo regime o livro recomendava fosse seguido,a censura era de lei

Menos não seria de esperar.

O 25.4 fez-se para acabar com isso. Ainda bem.

d' Oliveira disse...

O gozo da história é que a polícia proibiu um livro de que só conhecia a capa. foi a capa, capa inocente que os levou a tal.
claro que depois proibiram o livro finalmente publicado mas nunca o apanharam. Melhor apanhavam alguns exemplares aqui e ali mas o grosso da edição essa escapou-se-lhes entre os dedos. O papel da literatura clandestina era esse e era para isso que existia a clandestinidade: para fintar a censura, para - se calhar erradamente - construir uma liberdade que veio no tsl 25 A. ainda bem, como, muito bem, diz.

Viriato pastor disse...

Pensei que tinha este livro, fui à procura e, afinal, é uma edição similar, mas da mesma época. Trata-se do nº 18 dos Cadernos D. Quixote, "Black Power, Poder Negro", uma colectânea de textos de vários autores: Malcolm X, Stokely Carmichael, Eldridge Cleaver, etc. Foi comprado na Livraria Opinião, em 1969, por 25$00

M.C.R. disse...

Caro Viriato Pastor: a Opinião (de Lisboa) era uma grande livraria e o Hipólito um livreiro de mão cheia.
este livro terá saído para o público (ou para o clandestino público que o comprou à sorrelfa) em 1970.
conheço a edição da D Quixote mas esta da Centelha é bastante maior e "mais atrevida" politicamente porque a escolha dos textos (na verdade: os textos que conseguimos...) não foi prejudicada pelas necessidades de fazer passar o livro. A Centelha, ao contrário da D quixote, era uma editora quixotesca que não se preocupava com a censura e, menos ainda, com o ganhar dinheiro. A Centelha era, para o bem e para o mal, uma editora militante... e a sua centena de associados não só nunca recebeu dividendos mas quase sempre teve de desembolsar dinheiro para manter a editora a funcionar. Belos (e ingénuos!) tempos.