O Quixote de sapatilhas...
Há alguns anos um dos meus amigos editores convidou-me para traduzir um livro. Respondi-lhe que a tradução era mal paga e que, se porventura alguma vez me desse a tais tarefas, só traduziria de línguas onde pudesse insultar alguém tão copiosamente como em português e onde pudesse fazer palavras cruzadas. Acordámos, ao fim e ao cabo, que sem especial compromisso de continuidade lhe traduziria originais franceses e espanhóis. Tratava-se de línguas que dominava razoavelmente e que não me dariam grande trabalho. Só assim a tradução é rentável. De repente, ao fim de alguns anos, tenho quase duas dúzias de livros traduzidos. Alguns foram um prazer muitos foram uma provação. Algumas vezes recebi elogios uma fui insultado. O critico não aceitava que um livro notoriamente mau fosse mau por culpa do autor que era um desastre. Preferia atribuir as culpas ao tradutor. A tese deste singular critico era a seguinte: o autor da inverossimilhança era filho de um grande escritor espanhol. logo era bom. Como se sabe o talento herda-se... Se o livro era aquele conjunto de patacoadas decerto que o tradutor era o culpado.
Nesse dia, comecei a pensar largar esta tarefa. Traduzir inanidades é uma perda de tempo e um contínuo desgosto para quem tem de as verter fielmente em português.
Estou a ultimar o que eventualmente será a minha última tradução. Às razões perceptíveis no que acima escrevi junta-se estoutra: os tradutores sérios são pagos pela mesma bitola dos maus. Nem um cêntimo mais.
E se é assim, e é exactamente assim, não vale a pena gastar as meninges. Eu passo bem sem as traduções porque prefiro ler nas línguas originais. Os leitores se quiserem que protestem.
Ontem, numa livraria, abri um livro de recente tradução e de que tinha gostado (no original). Entre outras pérolas, li esta: o pobre D. Quixote usava umas sapatilhas rotas. O tradutor ignorante e ansioso nem sequer sabe que zapatilla também significa chinelo. O que naquele tempo se adequava mais ao cavaleiro da triste figura. É provável que o tradutor nem sequer tivesse lido Cervantes. E até que nem soubesse exactamente de que época se fala quando se fala dele. E sobretudo não sabe suficiente português o que, aliado ao seu mais que deficiente espanhol, dá uma tradução medíocre, indigna.
Aposto que lhe pagaram tanto como me pagam. Que lhe faça bom proveito. Eu que já não tenho pachorra. Como dizia o imortal vocalista dos Ena Pá 2000: se um gajo tem de ser puta que seja puta fina.
E bem paga, acrescento, muito bem paga.
Há alguns anos um dos meus amigos editores convidou-me para traduzir um livro. Respondi-lhe que a tradução era mal paga e que, se porventura alguma vez me desse a tais tarefas, só traduziria de línguas onde pudesse insultar alguém tão copiosamente como em português e onde pudesse fazer palavras cruzadas. Acordámos, ao fim e ao cabo, que sem especial compromisso de continuidade lhe traduziria originais franceses e espanhóis. Tratava-se de línguas que dominava razoavelmente e que não me dariam grande trabalho. Só assim a tradução é rentável. De repente, ao fim de alguns anos, tenho quase duas dúzias de livros traduzidos. Alguns foram um prazer muitos foram uma provação. Algumas vezes recebi elogios uma fui insultado. O critico não aceitava que um livro notoriamente mau fosse mau por culpa do autor que era um desastre. Preferia atribuir as culpas ao tradutor. A tese deste singular critico era a seguinte: o autor da inverossimilhança era filho de um grande escritor espanhol. logo era bom. Como se sabe o talento herda-se... Se o livro era aquele conjunto de patacoadas decerto que o tradutor era o culpado.
Nesse dia, comecei a pensar largar esta tarefa. Traduzir inanidades é uma perda de tempo e um contínuo desgosto para quem tem de as verter fielmente em português.
Estou a ultimar o que eventualmente será a minha última tradução. Às razões perceptíveis no que acima escrevi junta-se estoutra: os tradutores sérios são pagos pela mesma bitola dos maus. Nem um cêntimo mais.
E se é assim, e é exactamente assim, não vale a pena gastar as meninges. Eu passo bem sem as traduções porque prefiro ler nas línguas originais. Os leitores se quiserem que protestem.
Ontem, numa livraria, abri um livro de recente tradução e de que tinha gostado (no original). Entre outras pérolas, li esta: o pobre D. Quixote usava umas sapatilhas rotas. O tradutor ignorante e ansioso nem sequer sabe que zapatilla também significa chinelo. O que naquele tempo se adequava mais ao cavaleiro da triste figura. É provável que o tradutor nem sequer tivesse lido Cervantes. E até que nem soubesse exactamente de que época se fala quando se fala dele. E sobretudo não sabe suficiente português o que, aliado ao seu mais que deficiente espanhol, dá uma tradução medíocre, indigna.
Aposto que lhe pagaram tanto como me pagam. Que lhe faça bom proveito. Eu que já não tenho pachorra. Como dizia o imortal vocalista dos Ena Pá 2000: se um gajo tem de ser puta que seja puta fina.
E bem paga, acrescento, muito bem paga.
2 comentários:
Nem mais! A pachorra deve ser guardada para algo que a mereça.
De qualquer forma, apesar de mal pago, pressinto que nas suas traduções já passou bocados que o deliciaram.
quando se está a traduzir está-se a trabalhar. Os tais momentos são apenas momentos não penosos. O prazer vem depois muito depois. Digamos que chega quando acaba a revisão e estamos prontos a entregar a tradução. aí, livres das peias próprias do conflito entre duas línguas, pode-se começar a apreciar a que se trraduziu. Antes, é difícl.
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