29 junho 2004

Gastão era perfeito


Gastão era perfeito
Conduzido por seu dono
Em sanolências afeito
Às picadas dos mosquitos

Era Gastão milionário
Vivia em tapetes raros
Se lhe viravam as costas
Chamava logo a polícia

Em crises de malquerência
Vinha-lhe o gosto pela soda
Mas ninguém se abespinhava
Que enviuvasse às ocultas

Nem Gastão se apercebia
De quanto a vida o prendara
Entre estiletes de prata
E colchas de seda fina

Gastão era deste jeito
Fazia provas reais
Gastão era um parapeito
De Papas e Cardeais

Vinha-lhe só por fastio
Nos tiquetaques da vida
Um solene desfastio
Pela mãe que era entrevada

Mandava bombons recados
Por mensageiros aflitos
Não fora Gastão dos fracos
E já seria ministro

Conheci-o em Alverca
Num bidon de gasolina
Tinha um pneu às avessas
Mas de asma é que sofria

Nos solestícios de Junho
A quem o quisesse ouvir
Dizia que era sobrinho
Do Fernão Peres de Trava

Querem saber de Gastão?
Vão ao Palácio da Pena
Usa agora capachinho
E gosta de codornizes

Tem um sinal que o indica
Como o mais forte Doutor
Espeta o dedo no queixo
E diz que é Nosso Senhor



Letra e música: Zeca Afonso
In: "venham mais cinco"

7 comentários:

Anónimo disse...

Para acompanhar os versos de Zeca Afonso do álbun "Venham Mais Cinco", vão também os seguintes de Reinaldo Ferreira:

DEIXAI OS DOIDOS GOVERNAR
ENTRE COMPARSAS!

Deixai os doidos governar entre comparasas!
Deixai-os declamar dos seus balcões
Sobre as praças desertas!
Deixai as frases odiosas que eles disseram,
Como morcegos à luz do sol,
Atónitos baterem de parede em parede,
Até morrerem no ar
Que as não ouviu
Nem repercutiu
À distância da multidão que partiu!
Deixai-os pelos salões vazios,
Eles, os portentosos mais que os mares,
Eles, os caudalosos mais que os rios,
O medo de estar sós
Entre os milhares
De esgares
Reflectidos dos colossais
Cristais
Hílares
Que a sua grandeza lhes sonhou!

Anónimo disse...

Errata

No comentário anterior, onde se lê "álbun" deve ler-se "álbum", obviamente!

Primo de Amarante disse...

É o poema que eu muito gostaria de colocar no post.Gastão é uma metáfora viva
Espero que até a eugénia goste do poema!

Silvia Chueire disse...

Como o compadre sabia que eu gostaria? Gostei.

Primo de Amarante disse...

Então, merece este poema:

"Canto o teu corpo
passados estes anos:

o prazer que me
ascendes
o espasmo que semeias

a seara das pernas

o peito
os teus dentes

a língua que afago

e as ancas estreitas

Canto a tua
febre
fechada no meu ventre

canto o teu
grito
e canto as tuas veias.

Maria Teresa Horta.

Silvia Chueire disse...

não entendi muito bem a relação de um poema com o outro. talvez não haja nenhuma. independentemente disso, gostei do poema da maria teresa horta. gostei mesmo. obrigada.

Primo de Amarante disse...

A relação é, apenas, interdisciplinar. Tudo está ligado a tudo. Não esquecer maio de 68.