26 julho 2004

De formação

A formação tornou-se numa causa fácil dos destemperos da justiça. Todos sabem do assunto e arriscam as soluções mais díspares. A incomodidade alastra e não se adivinha que haja um ponto final para o assunto. direitos, num esforço de se actualizar na matéria, tem vindo a ler sugestões e dislates.
Numa primeira conclusão, afigura-se que a formação deve ser organizada num âmbito próprio, sem interferência directa ou determinante dos Conselhos Superiores da Magistratura ou do Ministério Público. Numa segunda, parece razoável que ela não se deve limitar a ser, ou a pretender ser, uma extensão da formação universitária.
Colocar a formação nas mãos dos Conselhos seria perpetuar os vícios antigos e o despudorado conservadorismo jurisprudencial, seja judicial, seja do Ministério Público. Fazer da formação uma extensão das faculdades, seria esquecer que a justiça também se faz aquém e além do direito.
Admitindo que se encontraria a fórmula consensual capaz de desenhar o magistrado tecnicamente capaz, eticamente responsável, psicologicamente equilibrado, socialmente integrado, culturalmente versátil, seria possível a esse magistrado, no actual contexto judiciário, sobreviver dentro da matriz em que foi formado? A dúvida tem justificação. A força da integração corporativa destrói o que é novo, o que se estrutura dentro de outros parâmetros. Os actuais sistemas de avaliação e classificação privilegiam a imitação funcional.
Apesar da formação, o que continua a ser determinante é a reprodução identificadora dentro do cosmos fechado das magistraturas, criando convicções de auto-suficiência e de recíproca protecção. Da formação à deformação a distância é pequena.

In direitos

4 comentários:

Zu disse...

Vou-me atrever a meter a foice em seara alheia. Não tenho qualquer formação jurídica, nada entendo de tribunais, nem nunca sequer entrei num. Mas há coisas que me fazem espécie. O Carteiro acaba de se referir a uma das principais: a inexperiência de jovens magistrados.
Penso em mim mesma e nas certezas quase dogmáticas dos meus 20 e poucos anos de menina certinha e cumpridora dos seus deveres; vejo-me hoje, com mais uma década em cima, com a experiência que esses anos me trouxeram, a tolerância, a muito maior capacidade de compreensão. Não hesito em dizer que preferia ser julgada pela 1poucomais de hoje do que pela de há 10 anos atrás.
Será o que acabo de dizer um disparate, ou mais um dos problemas da nossa justiça?

josé disse...

Na comemoração dos 25(26) anos do MP, o juiz Orlando Afonso, disse aquilo que para mim é a quintessência do que é ser juiz: Alguém que procura ser independente, para julgar como tal!
Não me peçam para elaborar porque a síntese é essa mesma.
O feitio particular de cada um é um acessório.
Há magistrados direitinhos e há-os mais desalinhados. Se todos tivessem o espírito da independência, sem arrogância intelectual, mas humildade genuina, que bem que seria e que Justiça que teríamos!

Está bom de ver que é essa a qualidade que mais aprecio em quem me possa julgar.
Será que isso se ensina?! Creio bem que não.

Anónimo disse...

Não cedo à tentação de comentar este oportuno e inteligente post, começando por citar um extracto:
“Admitindo que se encontraria a fórmula consensual capaz de desenhar o magistrado tecnicamente capaz, eticamente responsável, psicologicamente equilibrado, socialmente integrado, culturalmente versátil, seria possível a esse magistrado, no actual contexto judiciário, sobreviver dentro da matriz em que foi formado? A dúvida tem justificação. A força da integração corporativa destrói o que é novo, o que se estrutura dentro de outros parâmetros. Os actuais sistemas de avaliação e classificação privilegiam a imitação funcional.”
Se fosse possível “desenhar” um magistrado sem com isso por em causa a salutar “biodiversidade”; e se fosse possível desenhar o “género” com os materiais acima referidos – a pergunta, penso eu, colocar-se-ia ao contrário: sobreviveria o actual contexto judiciário a esse “novo” magistrado?
Penso que vale a pena, e continua a ser possível, trabalhar para que a “força de integração corporativa” e a rotina não destruam “o que é novo”; para que, pelo contrário, “o que é novo” consiga destruir o “actual contexto judiciário”. Para isso, é necessário, a meu ver, considerar, pelos menos, dois outros aspectos não referidos: a necessidade de investimento na formação contínua (deixando a formação de ser quase exclusivamente formação inicial, cedendo mesmo esta, progressivamente, a prioridade à formação contínua), considerada como um direito e um dever dos magistrados, com reflexos nas suas carreiras; e a necessidade de implementação de uma verdadeira e transparente gestão dos recursos humanos por parte dos Conselhos Superiores.
Boaventura Sousa Santos (ao arrumar a biblioteca, como de costume no princípio das férias, lembrei-me deste seu texto a propósito de notícias recentes) dizia em 1999: “A minha grande campanha neste momento é a de reformar o sistema judiciário até ao ponto em que o pudermos fazer sem novas leis. Se esse desafio fosse aceite, poderíamos reformar muita coisa” (A Crise (interna ou externa) dos tribunais? – in Colóquio “A Justiça em Portugal”, p.193 – Ed. Conselho Económico e Social, Série “Estudos e Documentos”, 1999).
Parecendo-me, contudo, excessiva, subscrevo a ideia de que, mesmo com as actuais leis, muito ainda se pode fazer pela melhoria do sistema. Tendencialmente, é a avaliação da prática das leis que deve impor as suas alterações. Pegando num exemplo do texto acima citado: será que o privilégio dado, na prática dos “sistemas de avaliação e classificação”, à “imitação funcional” é determinado pelas normas legais que os regem ou, principalmente, pelas orientações definidas para a sua execução?

Assina: RUI do CARMO

Kamikaze (L.P.) disse...

Caro L.C., Caros comentadores, Caros caçadores de "cachas":

Vejam esta pérola, em exercício há uns 3 anos:

"É difícil criticar com seriedade a decisão de um juiz. O magistrado faz aplicação da lei, que não foi aprovada por ele. Quando eu mando alguém para a cadeia, absolvo uma pessoa, decreto o despejo de uma família ou decido que deve ser paga uma indemnização, limito-me a dar cumprimento ao que está nos códigos. Se o juiz condena um indivíduo é porque se fez prova da culpa de acordo com os termos legais.

Pode haver um erro e a lei ser mal aplicada. Para esses casos existem os recursos. Sempre que alguém interpõe um recurso para a Relação ou para o Supremo, é obrigado a dizer que norma jurídica foi violada. Nos seguintes termos, por exemplo: “Salvo o devido respeito, entende-se que o Meritíssimo Juiz não observou o disposto no artigo 193.º do Código de Processo Penal”.

Excluindo essas hipóteses que acabam por ser resolvidas pelos tribunais superiores, é complicado tentar dizer que o juiz agiu mal. Torna-se custoso arranjar argumentos convincentes e credíveis. Facilmente cai-se no ridículo. É mais viável censurar a lei em vigor do que atacar a sentença do Tribunal."

In Correio da Manhã de 25/7 - coluna de opinião semanal do Juíz H.F., ex-advogado em Macau, com historial de pôr os olhos em bico a qualquer um; juiz há cerca de três anos, as razões do seu "sucesso na relação com a comunicação social" davam CACHAS, assim houvesse quem estivesse interessado... Estava colocado no T. de Ponte de Sôr em Julho, quando ocorreu o caso do sequestro e homicídio sobre o qual o Correio da Manhã se mostrou rapidamente muito bem informado.