Numa altura em que o Senhor Conselheiro e o Senhor Bastonário se afadigam a discutir, entre outras coisas, o regime de apoio judiciário, parece-me oportuno contar uma história passada comigo recentemente.
Em Fevereiro de 2002, no meu escritório de advogado, fui contactado por uma senhora que havia sido citada para contestar uma acção, a correr termos num tribunal situado a algumas centenas de quilómetros da sua residência. Pretendia ela contestar a acção mas, por ser reformada e apenas auferir uma pensão de 265 euros mensais, não tinha possibilidades de constituir advogado nem pagar as despesas do processo.
Era um caso em que, manifestamente, se justificava a concessão de apoio judiciário por parte do Estado.
Apresentado pedido de apoio judiciário na segurança social, foi-lhe este concedido e fui nomeado seu patrono oficioso pelo respectivo conselho distrital da Ordem dos Advogados.
Fiz o que tinha a fazer no processo e, em 4 de Junho de 2003, fui notificado para a audiência de julgamento, a ter lugar em 31 de Maio de 2004, às 10 horas.
Confiando que era para levar a sério o que consta do artigo 48º da lei do apoio judiciário (Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro), na parte que diz que "os advogados (...) têm direito, em qualquer caso de apoio judiciário (...) a ser reembolsados das despesas realizadas que devidamente comprovem", lá compareci no tribunal no dia designado.
Levantei-me às 5 horas da manhã, percorri 281 quilómetros no meu carro e, à hora marcada lá estava no tribunal.
Concluído o julgamento voltei a casa, aonde cheguei já noite, depois de percorrer mais 281 quilómetros.
Como prevê o artigo 2º da portaria nº 1200-C/2000, de 20 de Dezembro, uns dias depois apresentei ao tribunal a nota das despesas efectuadas, acompanhada dos comprovativos: 562 quilómetros percorridos em viatura própria (não quantifiquei pois, presumi, o senhor juiz saberia qual o custo por quilómetro percorrido em viatura própria), 10,45 euros pelo almoço (ainda por cima comi mal...) e 31,75 euros de portagens na auto-estrada.
Andariam as despesas, mais coisa menos coisa, por 200 euros.
Recebi, agora, a decisão do senhor juiz: fixa os honorários em 178 euros e indefere o pagamento das despesas, por considerar que estas "já se encontram englobadas nos honorários previstos na respectiva tabela".
E eu que - embora discordando do actual regime de apoio judiciário - sempre achei pior a solução dos defensores públicos, já começo a pensar se o senhor conselheiro, afinal, não terá razão e cada vez que recebo uma carta da ordem dos advogados, começo a tremer a pensar que me vão nomear patrono outra vez...
01 julho 2004
Galeria dos horrores...
Marcadores: direito/justiça/judiciário, Nicodemos
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1 comentário:
O Senhor Conselheiro é uma alma incompreendida. Nem todos estão à altura de entender a profundidade do seu pensamento e a justeza das suas preocupações. Depois de ler este post do preclaro Nicodemos, fez-se luz! Quando o benigno Conselheiro afirma que "o apoio judiciário não pode continuar a ser uma forma encapotada de fazer face a um sobredimensionamento do quadro global de advogados",está, afinal, preocupado com a forma insidiosa como o excesso de advogados vem sendo reduzido pela administração da justiça, arruinando-os com encargos do apoio judiciário.
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