16 julho 2004

Sem equívocos; com amizade

Que não haja nenhum equívoco: o meu postal de ontem não teve nada a ver com nada ou com ninguém, que não seja eu e um tempo mau. Um tempo mau, furioso como cobras, tempos em que mesmo as vitórias deixam de ter sentido e se recusam a dar alento. São os tempos do cansaço, do torpor, das mágoas, das guerras que não se compram, mas que aí estão, e das outras guerras, que se compram por estupidez, mas que também aí estão.
São tempos maus, os tempos em que até as memórias - as boas e as más - também cansam e entorpecem e nos fragilizam e nos fazem sentir culpados, mesmo quando sabemos que não temos culpa.
Eu sei que os tempos maus também passam e que os tempos bons também voltam. As vossas palavras ajudam a voltar. Obrigado, por isso. E o carteiro toca sempre duas vezes...

3 comentários:

Zu disse...

Meu querido amigo,

Só agora li os posts anteriores e os respectivos comentários. Já foi dito, e bem dito, o que, no essencial, tinha para te dizer também. As minhas palavras só serão diferentes de algumas das outras por levarem com elas o eco de uma amizade que muito prezo. E por isso te peço: continua a escrever as tuas cartas. Porque gosto de as ler, porque elas são especiais, porque fazem falta. Fazem falta as palavras de uma pessoa como tu. E tu fazes falta, também.

Um beijo muito grande.

Kamikaze (L.P.) disse...

A estes sítios que sabem a infância dos meus passos
que acolheram os medos e os anseios de meus primeiros
anos
venho peregrinar
estar ritualmente comigo
Esta casa
sabe-me por dentro
Acorda indizíveis júbilos nas mais
Íntimas camadas geológicas do chão que sou
antigos
cheiros inomináveis vêm lamber-me as mãos
refaço
a antiga sesta debaixo da laranjeira
e os torrões
de terra cavada reconhecem meus pés
pedem-me notícias
das minhas sandálias de outros tempos
tão minhas
amigas
Algumas formigas sobem-me pelas pernas
confiadas
reconhecendo-me
A romãzeira da infância continua
a dar romãs
apesar de tão avó (já assim lhe chamava
na minha meninice e agora até já sou avó)
O passar
do comboio que quase atropela a casa desencadeia em
meu corpo um terramoto de prazer
Olha! O maquinista
ainda é o mesmo e sorri para mim!
Acena-me
Com ele
embarco e viajo para um sítio qualquer que não é
meu passado nem sequer meu futuro
mas sou eu
caminhando ao meu encontro
Teresa Rita Lopes - "Afectos" (Presença)(lamentavelmente não parece possível manter a formatação original do poema;
nota: o negrito é da minha responsabilidade)

António Balbino Caldeira disse...

O carteiro toca sempre todos os dias. Precisamos de notícia e conforto.