28 agosto 2004

Aparelhismo partidário

Tornou-se hoje evidente que é no interior dos sistemas partidários, na forma como estes organizam as suas escolhas, que podemos encontrar explicações para a crise geral do sistema político. Se temos políticos medíocres e sem qualquer credibilidade é porque os sistemas partidários deixaram de produzir lideranças de mérito e estas só se promovem com o debate ideológico.
Recentemente, de uma forma naïf, apareceu quem tecesse elogios aos aparelhos partidários e não foi por acaso que tais elogios foram feitos por quem tem o aparelho ao serviço da sua candidatura a secretário-geral do PS. Mas, os elogios de conveniência são sempre pouco rigorosos e quase sempre demagógicos.
Convém recordar, a propósito dos aparelhos partidários, o que disse Max Weber. O Sociólogo da época kaiseriana identificou dois tipos diferentes de partidos: partidos de patrocinato que se caracterizavam pela ausência de compromissos morais e objectivos claros; e partidos de princípios que se organizavam em torno de ideais e projectos, recusando talhar a sua intervenção política pelo capricho do eleitorado. Entendia que nestes, o aparelho traduzia-se numa organização com regras, orientada por valores e fins próprios. Possuía um ethos que estimulava a coerência, censurava o oportunismo e promovia lideranças responsáveis e dignas de mérito. O aparelho era, assim, a casa da ideologia, onde se desenvolvia a ética da responsabilidade, avaliando as consequências de militar em torno de ideais e valores. Nos partidos de patrocinato, o aparelho é um mero instrumento de interesses pessoais. Por detrás do clamor pelos nobres ideais do partido, o que os seus activistas realmente procuram são as prebendas do poder.
Esta última situação caracteriza, no meu modo de ver, o que acontece, hoje, na vida política partidária. A política espectáculo e o pragmatismo político foram esvaziando os partidos das ideologias e isso teve como consequência o desaparecimento da cultura democrática e dos mecanismos que promoviam o sentido de serviço público e as lideranças de mérito. O que temos, hoje, são sindicatos de voto e aparelhistas que inscrevem na sua estrutura partidária o maior número de pessoas, familiares e amigas, que possam controlar. Depois, é só preciso um telemóvel e encher os bolsos de talões de cotas para arrebanhar votantes e forçar a vitória que se pretende.
Os aparelhistas constituem o virus que corrói, por dentro, os partidos.
Tecer louvores ao aparelhismo é, por isso, nada compreender sobre as causas do descrédito dos partidos e da profunda crise que atravessa o próprio sistema político.
Se os partidos não estabelecem mediações entre a sociedade e politicas de serviço público, deixam de promover a esperança de um mundo mais justo, mais generoso e mais humano e abrem as portas ao populismo e à demagogia.
Provavelmente, Manuel Alegre não ganhará as eleições para secretário-geral do seu partido. Mas a sua preocupação em situar a campanha no debate ideológico já funciona como um sobressalto cívico. E, por isso, bem haja por se ter candidatado!

3 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Até que enfim regressou, carissimo Compadre! Senti muito a sua falta e certamente também os demais leitores e colaboradores do Incurssões.

Um regresso em grande forma (eu li 1º o post, antes de ver de quem era o texto, porque me tento disciplinar a fazer assim :) por isso não foi uma total surpresa ler o nome de quem mandava o post).

Kamikaze (L.P.) disse...

Manuel Alegre afirmou, esta semana, em tom definitivo e com voz resoluta, ao entregar a sua moção ao Congresso do PS: «Esta candidatura já cumpriu o seu papel». Foi, involuntariamente, o melhor auto-retrato de um candidato partidariamente generoso mas politicamente inverosímil. E de uma candidatura que se destina mais a marcar uma posição e assegurar um espaço de sobrevivência e intervenção no partido do que a disputar verdadeiramente a liderança do PS. »

Kamikaze (L.P.) disse...

Li no DN de hoje e...gostei!

"Trinta anos após o 25 de Abril, «há medo, hoje, no Partido Socialista. Há constrangimentos, o que é inaceitável!», denunciou Manuel Alegre no sábado à noite, em Faro. Foi isso que disse ter constatado horas antes em Beja, na campanha para a liderança do PS.

Em Faro, perante mais de centena e meia de militantes e independentes reunidos na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve, o candidato esclareceu: «Tive uma reunião em que camaradas de várias zonas disseram, como muitos de outras partes do País, que vão votar em mim, mas têm medo de dar a cara. Como é isto possível dentro do Partido Socialista?! É pela maneira como funciona e não devia funcionar.»

Para Alegre, «se o presidente de uma comissão política concelhia é, por acaso, presidente da câmara ou vereador, em terras pequenas isso gera uma rede clientelar e as pessoas têm medo de que os filhos não vão para a câmara, ou que não dêem empregos aos afilhados, ou de qualquer coisa do género. Não quero um PS assim!». Para contrariar tal situação, Alegre defende eleições primárias por voto secreto no PS para escolher deputados ou candidatos a cargos autárquicos.

Num recado a José Sócrates, seu principal adversário na corrida a secretário-geral do PS, Manuel Alegre disse «compreender que é mais complicado» para o ex-ministro «debater comigo do que ir a monólogos com Santana Lopes», numa alusão aos encontros televisivos. Confessando-se «surpreendido» pelo facto de «nenhum outro candidato encher as salas como a nossa candidatura» e apesar de Sócrates contar com «95 por cento do apoio da máquina partidária», aposta «numa grande surpresa» se os «77 mil militantes inscritos» no PS votarem, pois «ninguém é dono da consciência de ninguém» e, «pela primeira vez, o voto é secreto».(...)