14 agosto 2004

A Justiça segundo Pulido Valente

Desde o princípio do escândalo da Casa Pia que se vêem na televisão dezenas de figuras supostamente veneráveis jurando pela sua alma e a sua honra que «a justiça funciona». A repetição indica a mentira com cristalina clareza: a justiça não funciona. E toda a gente sabe.
Os portugueses, como é público e notório, têm medo dos tribunais. «Ir a tribunal» foi sempre uma tragédia, uma catástrofe, o equivalente a uma doença grave ou a morte na família. Pior: foi sempre inútil ou nocivo. Qualquer pessoa de qualquer «classe» ou de qualquer educação sente que a lei não a protege de rigorosamente nada: da fraude, da burla, da calúnia, da agressão física, da negligência médica ou do próprio Estado. E de uma infinidade de outras coisas, que no dia-a-dia se aguentam e sofrem por pura impotência.
A complicação da lei e a lentidão do processo instituíram uma espécie de impunidade universal. Por estranho que pareça nunca amanheceu no cérebro dos nossos governos democráticos a ideia simples de que a democracia se fundava na eficiência e celeridade da justiça. Não se investiu na justiça e não existe evidentemente uma democracia a sério. Como, por estranho que pareça, nunca amanheceu no cérebro dos governos, nem no cérebro muito mais pequeno dos peritos que a primeira condição da «confiança» e, portanto, do «desenvolvimento» era, igualmente, uma justiça que, além de impor um respeito geral pelas regras do mercado, garantisse os contratos, esmagasse a corrupção e radicalmente eliminasse o favor político.
Não se investiu na justiça e o resultado acabou por ser uma economia suspeita e miserável.
Mas, no meio disto, só a pedofilia comove a opinião.
E o Primeiro-Ministro, a pretexto de umas gravações, quer fazer um «pacto» com o PS. Não lhe disseram com certeza que, em matéria de justiça, o «Bloco Central» está feito. Para fins diferentes.

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