primeira dúvida após o desenjoo informático
Os pseudónimos servem, ou para esconder a identidade civil, ou para revelar a(s) outra(s) - era a minha ideia, primária.
Mas com Kurt Tucholsky aprendi outras explicações, mais reflectidas.
Tucholsky, escritor satírico alemão (1890-1935) a quem o nacional-socialismo retirou a nacionalidade alemã e cujos livros mandou queimar. Escreveu com o próprio nome e com quatro pseudónimos (Ignaz Wrobel, Peter Panter, Theobald Tiger e Kaspar Hauser) poesia, canções, relatos de experiências e sentimentos pessoais, declarações políticas, crítica de teatro e de livros, críticas ao aparelho judicial (1) e aos poderes administrativos e militares. Guardava a sua identidade civil para os artigos em que se comprometia pessoalmente com programas e posições políticos.
Dizia ele num texto autobiográfico de 1927:
"Somos cinco dedos duma mão.Pertinente! Mais ainda neste ambiente de hiperfulanização!
(...)
Estes pseudónimos emergiram da escuridão, imaginados por brincadeira, inventados por brincadeira - na altura em que os meus primeiros trabalhos surgiram na Wewltbühne. Uma pequena revista semanal não está disposta a apresentar no mesmo número quatro vezes a mesma pessoa, e assim surgiram, por graça, estes homúnculos. Viram-se impressos quando ainda tropeçavam, uns nos outros; mas começaram a sentar-se direitos, ganharam segurança, cada vez mais segurança, ousadia - e começaram a levar uma vida própria. Os pseudónimos são como homenzinhos; é perigoso inventar nomes, fazer-se passar por outrem, vestir nomes - um nome tem vida. E o que começou como brincadeira acabou em alegre esquizofrenia.
Gosto de nós (...).
E também era útil existir cinco vezes - pois quem é que, na Alemanha, acredita no humor de um escritor político; ou na seriedade de um escritor satírico; ou nos conhecimentos de Código Penal de um brincalhão; ou nos versos divertidos de um cronista de cidades? O humor desacredita.
Nós não queríamos deixar-nos desacreditar e, por isso, cada um fazia a sua parte (...)" (2).
marinquieto
(O berço de uma ilhoa atlântica e a lembrança do ralho carinhorgulhoso de minha mãe - "está sossegada, Maria irrequieta". Se revelasse os apelidos que acompanham esta Maria e a distinguiram precocemente das outras, ficariam a conhecer-me ainda pior)
(1) O crítico do aparelho judicial era Ignaz Wrobel, cujo texto chamado "Memorando para Jurados" vos propunha que fosse reproduzido neste blog, pedido que é, de resto, feito expressamente pelo autor.
(2) Kurt Tucholsky, Hoje entre ontem e amanhã, p. 39 - Livraria Almedina, 1978.
4 comentários:
Haverá post mais hiperfunalizado que este?
Haverá post mais fulanizado do que este?
O anónimo anterior vê a(s) árvore(s)mas não vê a floresta.
Ah,ah,ah...!
Quem "se mete" com marinquieto leva sempre troco, em regra inteligente e elegante, há que reconhecer. E em vez de amuos à cause de malentendidos, passa de comentadora a colaboradora. Chapeau!
(Também) é assim que se faz um blog... né?
Parabéns, marinquieto, pelo fair play. Aguardo com expectativa o desenvolvimento das "hostilidades":) agora reabertas.
Enviar um comentário