Crónica de uma silly season (que ameaça eternizar-se).
A delirante espiral em que se converteu o «pedido (exigência, para alguns) da cabeça» do Procurador-Geral da República está, obviamente, em estreita conexão com a agenda do Processo Casa Pia (com julgamento marcado para breve e a iminente decisão sobre a situação processual de Paulo Pedroso).
Aparentemente sob o pretexto da divulgação do teor de conversas gravadas em que se surpreenderam, entre outros, o inenarrável Adelino Salvado (a confirmar tudo o que se temia a seu respeito) até à assessora da PGR, Sara Pina (que, afinal, não transpõe, a ajuizar pelos excertos publicados, o limite do segredo de justiça; que pena, para alguns, não ter sido o próprio PGR!!!).
Desde as delirantes e soezes opiniões de Luís Delgado (é inconcebível como este indivíduo tem um cargo numa empresa pública, paga por todos nós) até à final e completa futebolização do caso, pelo inefável José M. Meirim que, durante um quarto de século (segundo ele próprio, como é possível? Também foi avençado a recibo verde?) foi assessor na PGR, constata-se que o desespero é patente.
Desde a opinião expressa de conselheiros de Estado (João Cravinho, Mário Soares) até aos habituais escribas da praça (M. Sousa Tavares, A. J. Teixeira, José M. Fernandes, Vital Moreira, inter alia), ao aliciamento de órgãos da comunicação social, parece que todo o mundo se uniu para tramar o PGR.
Com efeito, vale tudo para que certos acusados no referido processo não possam vir a ser julgados.
A tudo tem resistido o PGR, Souto Moura. E ainda bem.
Com um único objectivo, estamos em crer: servir a Justiça. E, nesse contexto, assegurar que prevaleça o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a Lei.
Decerto que Souto Moura não se mantém no cargo por vaidade ou por interesses pessoais. Estou persuadido que qualquer pessoa medianamente consciente dos riscos e que tal acarretava, aos primeiros sinais do que se adivinhava vir a poder ser o Processo Casa Pia, desertaria do cargo, se pudesse.
E, perante o clamor do que tem sido a (bem) orquestrada campanha (com um sabor requentado, diga-se) que visa descredibilizar a investigação e estilhaçar o processo, o PR e o PM entenderam, contra a main stream dos opinion makers da paróquia – acertadamente, neste caso – manter a confiança na pessoa que desempenha o cargo de PGR.
Convém, agora, apreciar o que tem sido o desvario completo dos «senadores» do regime.
É patético ver os artífices do actual sistema político-judiciário virem a público
insinuar que a pessoa que ocupa o cargo de PGR «está fragilizado» (Almeida Santos), «não tem condições para nele se manter» ou que «já não tem a confiança do país» (Mário Soares).
Esta gente edificou um modelo que, agora, renega pelo simples facto de o PGR fazer o que lhe está constitucionalmente cometido: assegurar que prevaleça o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a Lei.
Se é certo que o escrutínio do desempenho dos cargos públicos, nomeadamente dos que exercem poderes de soberania (de aplicação da Justiça), é um princípio salutar em qualquer Estado de Direito, a verdade é que não foi apresentada uma única razão válida para questionar a continuidade do PGR no cargo.
Louve-se, portanto, a sua atitude, ao dizer que «não se demite porque não se arrepende de nada que tenha feito» ou que «não pôs o cargo à disposição porque ele está sempre à disposição».
Parece ser o único a interpretar bem os seus poderes e competências.
Pode ser que a PGR e o próprio Ministério Público careçam de aperfeiçoamentos e de outra organização. Não é, porém, esta a melhor forma de os encontrar.
Mais do que nunca, importa fazer a pergunta: a quem interessa um Ministério Público que não incomode?
Mangadalpaca©
25 agosto 2004
"A quem interessa um Ministério Público que não incomode?"
Marcadores: direito/justiça/judiciário, L.C.
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