Excertos da entrevista de Rodrigues Maximiano ao Independente em 29. Out,04
Não tem saudades do MP?
Tenho muitas saudades de algumas áreas do MP. Tenho saudades do tribunal, porque é onde eu gostava de estar e tenho alguma mágoa de não estar no MP agora, porque há uma intervenção que estaria a fazer nesse domínio e que não devo fazer estando de fora.
Concretamente em que área?
Áreas da gestão do MP. Todos os problemas que o MP está a ter, da forma como está a intervir ou não, da forma como está a ser relacionado com o poder político, da autonomia... Toda a problemática que o MP tem. O MP está inserido numa área que tem grandes problemas, que é a Justiça. Não vejo o MP isolado. Faz parte de uma área que hoje é questionada, e bem.
Dizia que o MP está a precisar de reformular a sua intervenção...
O MP tem de estar especialmente atento se voltar a surgir na ordem do dia o problema de questionar a sua autonomia. Na nossa cultura, nenhum cidadão ficará descansado no dia em que o MP depender do poder executivo. Ou se este tiver qualquer possibilidade de mandar no trabalho dos magistrados. Agora não pode.
A autonomia está ameaçada?
De vez em quando vêm levantar esse problema invocando que se o Governo é o responsável pela política criminal tem que dar ordens a quem a desenvolve. Isto é pôr o problema de uma forma falaciosa. A autonomia do MP tem, para o cidadão – não é nenhum direito nosso –, a mesma garantia que tem a independência dos juízes. Isto é uma história que vem da Alemanha dos anos 1940. Quando o poder político quis manipular os tribunais, nunca teve a possibilidade de o fazer pelos juízes, porque a cultura europeia não acha aceitável que o Governo mande nos juízes. Como é que pode então instrumentalizar? Mandando a montante, dizendo quais são os processos que vão, ou não, levar a julgamento. Se um dos cancros das democracias é a corrupção, e se a corrupção está ali onde há poder, é evidente que os sectores mais elevados da administração pública são os que têm mais condições para haver corrupção. Se o investigador da corrupção depender do poder político, onde esta possa estar, é evidente que não tem possibilidades de investigar. Mas o MP continua a ser autónomo. E acho que se vai manter. Isso é o primeiro aspecto. Mas há um segundo: devia ser feita uma grande reflexão, como nas polícias sobre o futuro e a modernidade.
Colocar a questão “para que serve o MP”?
Sobre as nossas competências e sobre o modelo organizativo. Saber se continua a justificar-se o modelo que temos. Um MP que, por exemplo, não tem assessorias. Que tem uma direcção central de combate ao crime organizado que dirige os processos feitos pela Polícia Judiciária – que também tem esse departamento, que é concebida como se fosse um tribunal da província. A directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal não tem secretariado, não tem chefe de gabinete, não tem orçamento. Não tem viaturas, tem carros emprestados pelas forças de segurança. O MP, que está vivo, merece esta reflexão...
Está vivo mas não se ouve...
Tem – eles não vão gostar disto – aquilo que a Europa tem, ressalvadas as devidas proporções: o MP não tem lideranças. Tem uma crise de liderança impressionante.
O procurador-geral da República não poderia protagonizar essa liderança?
Isso é um problema do estilo das pessoas e, se calhar, não tem a ver com o estilo dele. Se calhar, a escolha obedeceu a critérios que não têm a ver com o que eu não acho que é importante. Eu acho que é importante uma liderança.
Cunha Rodrigues não tinha esse problema?
Não, mas tinha outros. Há pessoas que concordavam com o seu estilo de liderança, outros não. Não estou a discutir se, para o MP, é bom o Cunha Rodrigues ou mau o Souto Moura. O que estou a discutir é que para uma instituição como o MP – ao contrário do que acontece com o presidente do Supremo, que não lidera nada porque os juízes governam-se a si próprios -, que tem responsabilidade de defender os direitos fundamentais dos cidadãos, tem que haver liderança. Pode até não ser um jurista, pode ser um médico, mas alguém tem que liderar. Se uma pessoa não tem perfil para isso, dificilmente faz uma Procuradoria.
A Polícia Judiciária tem que estar sob a tutela do MP...
Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso. A Polícia Judiciária é a única polícia que não tem nenhum controlo, tirando o do inspector do Ministério da Justiça que é um controlo que não pode investigar o trabalho da polícia nos processos. Até a PSP e a GNR, que não tinham controlo externo, agora têm, sou eu que o faço. É da essência das democracias, quem tem poder tem que ser controlado e não há maneira de dar volta a isto.
E quem controla o MP?
O MP é uma instância com altas vertentes de controlo. Tem o da cidadania e dos média, que a Polícia Judiciária não tem. Tem o Conselho Superior, com seis ou sete representantes dos principais grupos parlamentares, dois representantes ilustres designados pelo ministro da Justiça e o procurador-geral da República, que não tem de ser magistrado do MP. Este, por acaso, é e é o primeiro. O procurador é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do primeiro-ministro. E depois há o controlo dos tribunais. O controlo político é com o procurador-geral que assume as suas responsabilidades.
E ele tem-nas assumido?
Por aquilo que diz, sim. Quer eu esteja de acordo quer não. Não devo falar do senhor, ainda por cima é meu colega. Agora, aquilo que ele diz é uma assunção de responsabilidades, quer ele diga asneiras quer diga coisas certas. Quem não assume está calado. Pode discordar--se do que ele diz, da maneira como diz e quando diz, mas quando ele diz eu agora daqui não saio, se quiserem mandem-me embora, isto é assumir responsabilidades. Chega a Espanha e fala dos processos de gente importante, isso é assumir responsabilidades.
Tenho muitas saudades de algumas áreas do MP. Tenho saudades do tribunal, porque é onde eu gostava de estar e tenho alguma mágoa de não estar no MP agora, porque há uma intervenção que estaria a fazer nesse domínio e que não devo fazer estando de fora.
Concretamente em que área?
Áreas da gestão do MP. Todos os problemas que o MP está a ter, da forma como está a intervir ou não, da forma como está a ser relacionado com o poder político, da autonomia... Toda a problemática que o MP tem. O MP está inserido numa área que tem grandes problemas, que é a Justiça. Não vejo o MP isolado. Faz parte de uma área que hoje é questionada, e bem.
Dizia que o MP está a precisar de reformular a sua intervenção...
O MP tem de estar especialmente atento se voltar a surgir na ordem do dia o problema de questionar a sua autonomia. Na nossa cultura, nenhum cidadão ficará descansado no dia em que o MP depender do poder executivo. Ou se este tiver qualquer possibilidade de mandar no trabalho dos magistrados. Agora não pode.
A autonomia está ameaçada?
De vez em quando vêm levantar esse problema invocando que se o Governo é o responsável pela política criminal tem que dar ordens a quem a desenvolve. Isto é pôr o problema de uma forma falaciosa. A autonomia do MP tem, para o cidadão – não é nenhum direito nosso –, a mesma garantia que tem a independência dos juízes. Isto é uma história que vem da Alemanha dos anos 1940. Quando o poder político quis manipular os tribunais, nunca teve a possibilidade de o fazer pelos juízes, porque a cultura europeia não acha aceitável que o Governo mande nos juízes. Como é que pode então instrumentalizar? Mandando a montante, dizendo quais são os processos que vão, ou não, levar a julgamento. Se um dos cancros das democracias é a corrupção, e se a corrupção está ali onde há poder, é evidente que os sectores mais elevados da administração pública são os que têm mais condições para haver corrupção. Se o investigador da corrupção depender do poder político, onde esta possa estar, é evidente que não tem possibilidades de investigar. Mas o MP continua a ser autónomo. E acho que se vai manter. Isso é o primeiro aspecto. Mas há um segundo: devia ser feita uma grande reflexão, como nas polícias sobre o futuro e a modernidade.
Colocar a questão “para que serve o MP”?
Sobre as nossas competências e sobre o modelo organizativo. Saber se continua a justificar-se o modelo que temos. Um MP que, por exemplo, não tem assessorias. Que tem uma direcção central de combate ao crime organizado que dirige os processos feitos pela Polícia Judiciária – que também tem esse departamento, que é concebida como se fosse um tribunal da província. A directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal não tem secretariado, não tem chefe de gabinete, não tem orçamento. Não tem viaturas, tem carros emprestados pelas forças de segurança. O MP, que está vivo, merece esta reflexão...
Está vivo mas não se ouve...
Tem – eles não vão gostar disto – aquilo que a Europa tem, ressalvadas as devidas proporções: o MP não tem lideranças. Tem uma crise de liderança impressionante.
O procurador-geral da República não poderia protagonizar essa liderança?
Isso é um problema do estilo das pessoas e, se calhar, não tem a ver com o estilo dele. Se calhar, a escolha obedeceu a critérios que não têm a ver com o que eu não acho que é importante. Eu acho que é importante uma liderança.
Cunha Rodrigues não tinha esse problema?
Não, mas tinha outros. Há pessoas que concordavam com o seu estilo de liderança, outros não. Não estou a discutir se, para o MP, é bom o Cunha Rodrigues ou mau o Souto Moura. O que estou a discutir é que para uma instituição como o MP – ao contrário do que acontece com o presidente do Supremo, que não lidera nada porque os juízes governam-se a si próprios -, que tem responsabilidade de defender os direitos fundamentais dos cidadãos, tem que haver liderança. Pode até não ser um jurista, pode ser um médico, mas alguém tem que liderar. Se uma pessoa não tem perfil para isso, dificilmente faz uma Procuradoria.
A Polícia Judiciária tem que estar sob a tutela do MP...
Não tenho dúvidas nenhumas sobre isso. A Polícia Judiciária é a única polícia que não tem nenhum controlo, tirando o do inspector do Ministério da Justiça que é um controlo que não pode investigar o trabalho da polícia nos processos. Até a PSP e a GNR, que não tinham controlo externo, agora têm, sou eu que o faço. É da essência das democracias, quem tem poder tem que ser controlado e não há maneira de dar volta a isto.
E quem controla o MP?
O MP é uma instância com altas vertentes de controlo. Tem o da cidadania e dos média, que a Polícia Judiciária não tem. Tem o Conselho Superior, com seis ou sete representantes dos principais grupos parlamentares, dois representantes ilustres designados pelo ministro da Justiça e o procurador-geral da República, que não tem de ser magistrado do MP. Este, por acaso, é e é o primeiro. O procurador é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do primeiro-ministro. E depois há o controlo dos tribunais. O controlo político é com o procurador-geral que assume as suas responsabilidades.
E ele tem-nas assumido?
Por aquilo que diz, sim. Quer eu esteja de acordo quer não. Não devo falar do senhor, ainda por cima é meu colega. Agora, aquilo que ele diz é uma assunção de responsabilidades, quer ele diga asneiras quer diga coisas certas. Quem não assume está calado. Pode discordar--se do que ele diz, da maneira como diz e quando diz, mas quando ele diz eu agora daqui não saio, se quiserem mandem-me embora, isto é assumir responsabilidades. Chega a Espanha e fala dos processos de gente importante, isso é assumir responsabilidades.
4 comentários:
Muito bem, Dr.Rodrigues Maximiano. Quem se atreve a dizer isso, mesmo sendo verdade? Será uma "cabala involuntária?"
COncordo quase com tudo o que Max. diz na entrevista.
Mesmo o que se refere à falta de liderança, penso que a maior parte do MP pensa do mesmo modo, incluindo, se calhar, o próprio PGR...
COntudo, essa falta de liderança no vértice, em vez de se tornar um defeio, poderia e deveria transformar-se em qualidade. Como?
COnferindo às estruturas intermédias - as PGD´s - maior autonomia no sentido de intervirem na área da sua competência e assumirem o rosto do MP, nesses distritos, orientando o que tem de ser orientado e dando satisfações à PGR no limite do legal e necessário.
O que se passa no Porto, não devia ser transferido para Lisboa. Em Coimbra, idem. Lisboa idem aspas.
É certo que para isso, muito teria que mudar...
Quanto aos DCIAPS não terem meios...é sempre a mesma conversa. Vão perguntar à Maria José Morgado o que ela pensa do assunto. Melhor: dêem-lhe o lugar de directora do DCIAP que ela merece, e logo verão, ou muito me engano, se ela se queixa da falta de carros e de assessores!
O inspector Max. nesse aspecto, não me parece que tenha razão.
Enfim, vou parar por aqui nos comentários e nesta colaboração passivamente comentarista.
Não tenho tento na língua; não gosto de comentar anonimamente e por isso-finito!
Há pessoas que- aposto- não apreciam muito os meus comentários e, como a maioria, não gosto que me chateiem pelo que penso e digo.
Caro Nicodemos:
Pela consideração que me merece, acrescento ao "voto de requiem", o seguinte, para pôr uma pedra repousada e retemperada, na participação:
Os comentários à organização interna do MP são inúteis.
Quem faz parte da organização não gosta que a questionem nem se dá ao trabalho de ouvir quem dá palpites. Vive em autismo há longos anos, quer-me parecer e isso entristece-me. Assim, no mínimo, desvaloriza-os ou pura e simplesmente despreza-os, sabendo-os vindos de quem vêm. É assim-e o meu caro Nicodemos sabe certamente disso.
Por esse motivo, parafraseando Rimbaud , "Voici le temps des assassins". Honni soit...
O Requiem de José em matéria de oranização do MP é de lamentar triplamente, porque tem ideias, é independente e sabe do que fala (mesmo de que se discorde dele pontualmente como sucedeu numa diferente leitura de um texto de E. Dâmaso na sua loja, que me pareceu poder servir de lançamento de problemas a partir de fora). Espera-se, ou deseja-se que não seja fruto de pressões nebulosas.
PArece que de facto começa a haver vozes no MP sobre o problema geral do MP e a sua responsabilidade social. Sociedade que pode muito legitimamente interrogar-se sobre o facto de a situação escandalosa do Algarve, e o facto de nem o MP, nem procuradores, nomeadamente os principais responsáveis, prestarem qualquer esclarecimento (ou reagirem aos sucessivos atropelos da lei aparentemente ocorridos), ou será que existe mesmo uma ´justiça para poderosos e outra para zés ninguéns, e este pode levar com os velhos métodos sem ninguém se indignar... parece que uma vez mais, embora de forma tardia, JMJúdice aproveitou para proclamar o que é evidente (mas que parece que nenhum outro com igual capacidade de intervenção viu)... E sem cabalas é também nestas coisas que se vai revelando a situação insustentável do PGR.
Quanto a Maximiano, ao que parece se calhar o PS terá mesmo feito bem em não arriscar na sua nomeação para PGR, quando nalguns planos tudo poderia apontar para ele... mas provavelmente o bloco central sofreria um pouco mais, pois pegando nas suas palavras certamente assumiria (como Souto Moura) as suas responsabilidades pessoais, mas, provavelmente agiria com outra amplitude e eficácia, para alem de saber o que dizer, como dizer e quando dizer...
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