01 novembro 2004

Taxas Moderadoras

Resta o caso da assistência médica prestada em hospitais públicos. Aqui, a minha opção seria clara: fora dos limites das taxas moderadoras propriamente ditas - que diferenciam exclusivamente para desincentivar o recurso excessivo e injustificado ao serviço -, não deveria, em princípio, fazer-se qualquer distinção de base económica entre os respectivos utilizadores. Por que razão damos a este caso uma resposta diferente da do anterior? Por uma razão bem simples de compreender. Frequentar o ensino superior - um certo curso superior - é uma opção de vida e um investimento. Tal opção envolve um programa para vários anos de vida, implica fazer contas e mobilizar poupanças, antecipa empregabilidade, enfim, procura saber com o que vai contar. Pode até admitir o adiamento da decisão por algum tempo. Trata-se, verdadeiramente, de uma opção estratégica. A despesa inerente a esta opção pode ser coberta de muitas e variadas formas, sendo apenas desejável uma certa estabilidade das regras do jogo (nomeadamente do modelo de financiamento). Recorrer aos serviços de urgência do Hospital de Santa Maria, na sequência de um atropelamento ou de uma apendicite aguda, é um total e desgraçado imprevisto: não foi planeado, menos ainda orçamentado. Nem pode adiar-se para o próximo ano. Diferenciar as vítimas de atropelamento, de acidente vascular cerebral ou de cancro, em função do rendimento colectável é de uma insensibilidade e de uma falta de solidariedade, no mínimo, revoltantes. Não se diga que se trata, tão-somente, de cobrar mais pelo serviço público de saúde a quem tem mais dinheiro: o imposto progressivo é a forma apropriada de alcançar tal objectivo. Trata-se, outrossim, de aproveitar a doença para cobrar pelos cuidados de saúde. É uma espécie de «infecção oportunística». Ninguém me convencerá de que este oportunismo, se não mesmo chantagem, decorre de uma ideia de justiça social: trata-se, pura e simplesmente, de taxar a desgraça. O que esta bizarra ideia parece confirmar é a absoluta falta de uma reflexão séria, menos ainda de uma estratégia coerente, relativamente ao financiamento dos serviços públicos, deixando as soluções avulsas ao sabor das imprevisíveis flutuações de humor - ou da ignorância - de um ou outro membro do Governo.
João Caupers, DN, 29.Out.04

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