O desabafo foi feito aqui pelo compadre Esteves e bem merece a visibilidade de post.
Que o novo ano nos traga mais desabafos seus, compadre!
"Depois de fazer o último comentário, tive saudade das aulas de Filosofia, do prazer que sentia, quando os meus alunos descobriam a importância do modo de ver a vida, os outros e o mundo na orientação das suas próprias vidas. E notei que me tinha esquecido de estabelecer uma conexão entre as preocupações com as emoções e o conceito de bem-estar. Um bem-estar que, no tempo de Voltaire, tinha a ver com a natureza natural do homem (explorada por um outro pensador dessa altura, Rousseau -mito do bom selvagem) e com os direitos naturais (de que falou Lock). E como tudo isto teve repercursões no desenvolvimento de uma nova concepção do homem e no emergir de uma nova ciência, a que Adam Smith, amigo de Hume, nesse tempo começou a teorizar. De facto, se a sociedade, tal como tradicionalmente estava estabelecida, era má, o melhor era atribuir ao trabalho (como expressão genuina do querer) o valor natural capaz de produzir riqueza e organizar uma sociedade mais justa. Todos reconhecemos que a importância deste paradigma foi claramente sublinhada por Weber na "Ética protestante e o espírito do capitalismo"!
Ser professor, sempre foi para mim, dar testemunho da procura de um saber e entender os alunos como companheiros dessa viagem, uma viagem que acaba por nos ajudar a estabelecer uma rede de compreensões. E é nesta rede que entendemos as portas que se vão abrindo ao futuro e somos capazes de olhar de forma distanciada o presente, a não "engolir" , como se fosse um fatalismo, tudo o que nos querem enfiar. Só a compreensão do relativismo histórico das redes que configuram sistemas de crenças pode desenvolver nos alunos uma atitude crítica. Ficava satisfeito quando entendiam que o presente foi o passo dado em frente do passado e assim acontecerá com o futuro. E quanto assumiam que o sentido desse passo depende de todos nós. A compreensão disto fazia da aprendizagem um autêntico filosofar.
Tenho para mim que o mal do sistema educativo tem duas raízes: a perda de autoridade dos professores e as ciencias ocultas que dão pelo nome de ciências da educação. As que defendem que a atitude critica é levantar levantar o braço e fazer ruído na aula e que o bom professor é o que classifica em função do número de vezes que um aluno levanta o braço. Só serviram para promover a retórica. Hoje, os professores já não ensinam, fazem reuniões, onde, até à exaustão, vão-se labirinticamente repetindo.
Desculpem este desabafo, em fim de ano."
Que o novo ano nos traga mais desabafos seus, compadre!
"Depois de fazer o último comentário, tive saudade das aulas de Filosofia, do prazer que sentia, quando os meus alunos descobriam a importância do modo de ver a vida, os outros e o mundo na orientação das suas próprias vidas. E notei que me tinha esquecido de estabelecer uma conexão entre as preocupações com as emoções e o conceito de bem-estar. Um bem-estar que, no tempo de Voltaire, tinha a ver com a natureza natural do homem (explorada por um outro pensador dessa altura, Rousseau -mito do bom selvagem) e com os direitos naturais (de que falou Lock). E como tudo isto teve repercursões no desenvolvimento de uma nova concepção do homem e no emergir de uma nova ciência, a que Adam Smith, amigo de Hume, nesse tempo começou a teorizar. De facto, se a sociedade, tal como tradicionalmente estava estabelecida, era má, o melhor era atribuir ao trabalho (como expressão genuina do querer) o valor natural capaz de produzir riqueza e organizar uma sociedade mais justa. Todos reconhecemos que a importância deste paradigma foi claramente sublinhada por Weber na "Ética protestante e o espírito do capitalismo"!
Ser professor, sempre foi para mim, dar testemunho da procura de um saber e entender os alunos como companheiros dessa viagem, uma viagem que acaba por nos ajudar a estabelecer uma rede de compreensões. E é nesta rede que entendemos as portas que se vão abrindo ao futuro e somos capazes de olhar de forma distanciada o presente, a não "engolir" , como se fosse um fatalismo, tudo o que nos querem enfiar. Só a compreensão do relativismo histórico das redes que configuram sistemas de crenças pode desenvolver nos alunos uma atitude crítica. Ficava satisfeito quando entendiam que o presente foi o passo dado em frente do passado e assim acontecerá com o futuro. E quanto assumiam que o sentido desse passo depende de todos nós. A compreensão disto fazia da aprendizagem um autêntico filosofar.
Tenho para mim que o mal do sistema educativo tem duas raízes: a perda de autoridade dos professores e as ciencias ocultas que dão pelo nome de ciências da educação. As que defendem que a atitude critica é levantar levantar o braço e fazer ruído na aula e que o bom professor é o que classifica em função do número de vezes que um aluno levanta o braço. Só serviram para promover a retórica. Hoje, os professores já não ensinam, fazem reuniões, onde, até à exaustão, vão-se labirinticamente repetindo.
Desculpem este desabafo, em fim de ano."
2 comentários:
Quem faz um desabafo é porque sente que para si é importante fazê-lo, deitando para fora o que já não aguenta dentro de si. Não achava que o meu desabafo (por ser desabafo) merecia tornar-se um "post". Foi a generosidade da Kamikase que fez essa "conversão".
Hoje não dou aulas no Ensino Secundário: reformo-me em Fevereiro e, por isso, estou no que é designado por ano zero. O meu trabalho é de "tratar casos difíceis". Recebo os alunos que são expulsos da aula. Já fiz alguns amigos. Os casos têm todos a mesma origem: dirigem para a escola, para os professores (o elo mais frágil) a agressividade que sentem na vida.
Tenho um pequeno questionário para lhes fazer. Quando lhes pergunto "o que faz os teus pais", recebo respostas que vão desde o "não sei", "está na cadeia", etc. Dou aulas numa Escola que absorveu os alunos de uma das zonas mais degradadas do Porto. Zona da Sé e de S. Victor. Todos eles não sabem estudar (nem têm condições para isso!)e, por isso, nada entendem do que lhes quer ensinar os professores. A Escola necessariamente tem de ser, para eles, um "seca". O meu trabalho tem sido desdramatizar a situação. Durante o período em que ficam no gabinete, dou-lhes uma tarefa: procurar num texto algumas afirmações que autor faz e descobrir os nexos que o autor estabelece para fazer esses juízos. Em muitos casos, tenho de lhes explicar o que significa nexos. Quando resolvem essas questões, peço-lhes para reproduzirem, por suas próprias palavras, o raciocínio do autor.
A sensação final é sempre a mesma:o problema não é destes alunos, mas da escola. A escola pública tenderá para uma escola do fracasso, para onde vão as crianças que não têm para onde ir. Esta escola não está preparada para "tratar" crianças em situação difícil. O ranking das escolas é o maior embuste que se criou: é como pedir a um indivíduo sem pernas que ganhe a prova de atletismo. Só serve para cavar um maior desprestígio da escola pública e promover maior segregação. Os professores tenderão para só se preocuparem com os melhores alunos, deixando para trás os alunos em situação difícil.
Caro Vulto Vivo: não há só frustrações dos alunos relativamente aos professores que tiveram. Imagine-se na minha situação: um certo dia, um actual Secretário de
Estado vira-se para mim e diz-me: «oh professor! Devo-lhe muita coisa. Foi Você que me ensinou a saber pensar.»
Nem lhe digo do Secretário que se trata. Só lhe confesso que senti um calor de vergonha que nem imagina. Só lhe respondi: «não foi com o objectivo que lhe destes»
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