12 dezembro 2004

MP e Autonomia – ecos da Conferência Nacional

Como era fácil antecipar, face ao programa da conferência (que pode ser consultado aqui e ao qual acresce uma intervenção do senhor Procurador geral da República, no dia da abertura dos trabalhos), este encontro propiciou uma interessantíssima troca de informação e animados debates entre conferencistas e participantes, oriundos de vários países europeus e da América latina.

Reportando-me, naturalmente, apenas às intervenções que presenciei destaco, na 6ª feira, as intervenções de Rui Pereira e Armindo Ribeiro Mendes, que focaram pontos problemáticos da “autonomia versus investigação criminal”, de forma teoricamente consistente mas, nem por isso, menos prática e apelativa do debate relativo a questões do dia a dia do exercício funcional dos magistrados do MP.
A intervenção de Euclides Dâmaso deu azo a um interessante debate sobre a deficiente ligação entre o MP na fase de inquérito e o MP na fase de julgamento, tendo-se salientado a necessidade de reestruturar a organização do MP nestas áreas, por foma a melhor reflictir a estrutura acusatória do processo (sendo já disso embrião o “programa feed back”, em funcionamento no Diap de Coimbra).
Cândida Almeida centrou a sua intervenção na escassez de meios para efectivar a autonomia do MP, mormente no que respeita ao combate da criminalidade mais complexa e organizada – tema que, embora residual no âmbito dos dois dias e meio de trabalhos, tem colonizado a informação que, a propósito da conferência, tem sido veiculada pela comunicação social.
Lopes da Mota tornou acessíveis, com o seu saber e capacidade de comunicação, os principais meandros da cooperação judiciária em matéria penal.

No sábado, para surpresa de alguns, constatou-se – com as intervenções de Roberto Livianu e Garrido de Paula - o quanto o MP português tem a aprender com as experiências de colegas estrangeiros, designadamente, com os colegas brasileiros, mormente em matéria de organização/criação e gestão de estruturas de coordenação e comunicação, erigidas sob a égide da motivação, pró-actividade e eficácia no exercício especializado das funções do MP como defensor da legalidade democrática (tendo sido mais detalhadamente abordados os mecanismo processuais utilizados no combate, por via de jurisdição não penal, à corrupção, à defesa dos interesses difusos e dos menores).
Com António Vercher tivemos oportunidade de conhecer as dificuldades com que se debateu (e ainda debate) a fiscalia espanhola na defesa dos interesses colectivos, num contexto de dependência do executivo por banda do MP (in casu, na vertente da defesa do ambiente - luta “na clandestinidade”, dizia, com um notável sentido de humor que conseguia fazer sorrir a plateia, apesar de serem sombrios os episódios relatados; no dia anterior tinham sido abordadas, por Jiménez Villarejo, as dificuldade sentidas, naquele contexto, na luta contra a corrupção).
Leones Dantas proporcionou uma mini acção de formação em matéria de contra-ordenações ambientais.

No final, o presidente do SMMP apontou, em súmula, as ideias mestras resultantes dos trabalhos, tendo sido entregue um documento síntese à comunicação social. Como já referi, o que nesta tem tido mais eco não foi, para mim (e pelo que ouvi de muitos dos participantes, também para eles) o que mais “ficou” e que foi, para além dos ensinamentos, troca de informação e debates já acima referidos, a forma serena mas simultaneamente arrebatadora pela qual Garrido de Paula relatou o trabalho desenvolvido pelo MP brasileiro na construção da sua autonomia e da sua crescente e real afirmação como instrumento da sociedade democrática na defesa e efectivação dos direitos dos seus cidadãos.

Pese embora a premente actualidade (sempre renovada…) do tema e a qualidade manifesta dos intervenientes, a participação de magistrados portugueses foi muito escassa, designadamente a de magistrados da zona de Lisboa. E, no entanto, estão conscientes das dificuldades que o MP atravessa… Na verdade, grassa a desmotivação e o desânimo (para além da indiferença de alguns, que sempre haverá) e lamento que o SMMP, a par com a excelência da organização desta conferência, não tenha investido na prévia divulgação da importância do evento e motivação dos colegas para uma ampla participação no mesmo.

Para terminar estes ecos truncados de feed back de outras excelentes intervenções (foram-me assinaladas como muito interessantes, entre outras, as do italiano Vittorio Borracceti e da argentina Stella Maria Martinez), deixo excerto de notícia do
DN on line , relativa à conferência:
"O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) defende a criação de "equipas especializadas por tipos de criminalidade que, responsabilizadamente, acompanhem o proceso desde o início da investigação policial até ao julgamento". Essa é uma das conclusões saídas da conferência nacional realizada durante este fim-de-semana, no Estoril, onde também se apelou à necessidade de dotar o Ministério Público dos meios necessários para a execução da política criminal, tal como a mesma lhe é atribuída pela Constituição da República. O preenchimento dos quadros do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), bem como do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT), da Procuradoria-Geral da República, foram dois dos exemplos avançados. A actualização da legislação penal no sentido das orientações seguidas pela União Europeia e o reforço de meios foram também apontados como necessários para a cooperação internacional que actualmente se exige no combate ao crime mais complexo. "É a única forma de permitir às nossas autoridades judiciárias e policiais manter níveis de cooperação compatíveis com as exigências internacionais e evitar que o nosso país se converta num paraíso para a criminalidade organizada", lê-se no texto das conclusões.
Relativamente à investigação criminal, o SMMP defende um reforço do Ministério Público (MP) na coordenação dos orgãos de polícia criminal, lembrando que cabe aos magistrados do MP a direcção da accção penal, a dedução da acusação e a sua sustentação em juízo. "Só assim o Ministério Público pode dignificar o exercício da acção penal pública e responder responsavelmente pelos resultados das investigações e a sua acção na execução da política criminal do Estado". »

1 comentário:

josé disse...

Caríssima Kamikaze:

Uma análise "a direito", principalmente na menção à ausência de participação de magistrados que deveriam importar-se com a temática e aparentemente se alheiam.
A ideia com que se fica, depois destas coisas, é a de se reverem quase sempre as mesmas pessoas.
Que é feito das centenas de outros que podiam, com muito proveito, assistir a esta magnífica realização do SMMP?
De entre os diversos colóquios a que tive oportunidade de assistir sobre temáticas diversas, este foi sem dúvida, um dos melhores: pela temática; pela qualidade das intervenções que não se ficaram pelo débito de disposições legais e conceitos mais ou menos assimilados e pela escolha dos próprios intervenientes.
Os italianos excederam na simplicidade e na exposição do essencial; o espanhol brilhou pela coragem da denúncia e os portugueses, com destaque para Rui Pereira e Euclides Dâmaso( em excelente forma), pela incisiva reivindicação e pela focalização das questões, sem grandes "choradinhos", mas com precisão na análise do que anda mal.
De resto, o almoço em grupo, foi um prazer.
Está de patrabéns o Sindicato, mesmo com algumas coisitas que dariam para um postal num outro local, não se dera o caso de andar sem inspiração...