25 dezembro 2004

O mal, o bem e o amor

"Desde as origens, a humanidade conheceu a trágica experiência do mal e procurou encontrar as suas raízes e explicar-lhe as causas. O mal não é uma força anónima que age no mundo devido a mecanismos deterministas e impessoais. O mal passa através da liberdade humana. No centro do drama do mal e constantemente relacionado com ele está precisamente esta faculdade que distingue o homem dos demais seres vivos sobre a terra. O mal tem sempre um rosto e um nome: o rosto e o nome de homens e mulheres que o escolhem livremente. A Sagrada Escritura ensina que, nos inícios da história, Adão e Eva se revoltaram contra Deus e que Abel foi morto pelo irmão Caim (cf. Gn 3-4). Foram as primeiras escolhas erradas, às quais se seguiram tantas outras ao longo dos séculos. Cada uma delas traz em si uma essencial conotação moral, que implica concretas responsabilidades por parte do sujeito e põe em questão as relações fundamentais da pessoa com Deus, com as outras pessoas e com a criação.
Visto nas suas componentes mais profundas, o mal é, em última análise, um trágico esquivar-se às exigências do amor. O bem moral, pelo contrário, nasce do amor, manifesta-se como amor e é orientado ao amor. Este argumento é particularmente evidente para o cristão, pois sabe que a participação no único Corpo místico de Cristo coloca-o em particular relação não somente com o Senhor, mas também com os irmãos. A lógica do amor cristão, que no Evangelho constitui o coração palpitante do bem moral, conduz, se levada às últimas consequências, até ao amor pelos inimigos: « Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede, dá-lhe de beber » (Rm 12,20)."

Da Mensagem de João Paulo II para o Dia Mundial da Paz

5 comentários:

Primo de Amarante disse...

Annah Arendt tem um texto lindíssimo sobre o mal.O dr. Simas fez uma boa introdução a um livro que saiu há pouco tempo sobre este tema. Fala das consequências do pior dos males: a sua banalização. Já o li, mas não sei onde pára, nem me lembro do título. Só sei que é pequeno: deve ter umas 80 págs.
A minha ideia de liberdade é a que vem da tradição humanista e marxista. A liberdade é o poder escolher o melhor (libertas) e não o poder escolher (livre arbítrio), apenas. O homem é livre, porque pode distanciar-se dos seus instintos primarios e orientar-se pela razão para o bem. E dizem os marxistas: o melhor bem é o que nos torna social e economicamente desalienados e, dessa forma, mais dignos. Por isso,ambas as correntes concordam que "ser homem é amar a liberdade". E foi, assim, que, nesta tradição, a liberdade nunca se separou da verdade, da justiça e da igualdade.
Miguel Hunamuno, no seu "Diário Íntimo" dá o seguinte exemplo para se entender a liberdade:
«Diz-se, e acaso se crê, que a liberdade consiste em deixar crescer uma planta, em não lhe pôr esteios nem rédeas, nem obstáculos; em não a podar, obrigando-a a tomar esta ou aquela forma; em deixar que faça surgir por si mesma, sem coacção alguma, seus rebentos,suas folhas e suas flores; E, contudo, a liberdade não está na folhagem, mas nas raízes, e de nada serve deixar à árvore a copa livre e abertos de par em par os caminhos do céu, se as suas raízes se encontram no início do seu crescimento com rocha dura, impenetrável, seca e árida ou com terra de morte».
A ideia de "abrir de par em par as portas da liberdade" significa criar condições para que o homem progrida, segundo um projecto que o torne mais humano. O equívoco não vem do sentido verdadeiro da liberdade, mas da falta de projecto que dê significado à nossa vida comum.
Por isso,
VIVA A LIBERDADE!
VIVA O 25 DE ABRIL!

Primo de Amarante disse...

Grande Gastão: Nietzsche só sublinha (embora paradoxalmente) na "genealogia da moral" a dialéctica de Hegel. E todos sabemos que, tal como a descoberta do erro nos aproxima da verdade, assim acontece com o mal, relativamente à virtude. O pior é a banalização do mal, é o mal não ser sentido como mal. Foi isso que criou a indiferença em relação aos campos de concentração.
Gastão, amigo: estou a ler os "Gémeos". É uma escrita de "oficina". A palavra é trabalhada de forma a ganhar toda a força que os sentimentos nela são despejados. Só Mário Cláudio consegue escrever desse modo. Mereceu o prémio, mas a sua escrita é difícil. Vou ver se consigo chegar ao fim.
Espero que o seu Natal, e o de todos os incursionistas, não tenha tido uma noite tão escura como teve o meu. Valeu-me o CD "Humanos"que me ofereceu uma das minhas filhas. Já ouvi a "Maria Albertina" várias vezes. Tem humanismo! Não se esqueça: compre este disco de homenagem ao Variações.

Primo de Amarante disse...

Só espero que o Compadre Lemos link essa linda canção, cantada por Camané e todos repitamos:

Maria Albertina como foste nessa
De chamar Vanessa à tua menina?
ídem

Maria Albertina deixa que eu te diga
Ah...Maria Albertina deixa que eu te diga
Esse teu nome eu sei que não é um espanto
Mas, é cá da terra e tem, tem muito encanto
ídem.

Ou então:

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de
Mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar.
(...)
Cantada por Manuela Azevedo.

Simas Santos disse...

O livro sobre o mal de que falou o Compadre Esteves saiu com a chancela do Rei dos Livros. É da autoria de Helena Cláudia de Faria Guimarães Sousa Pereira,intitula-se "Pensar o Mal com Hannah Arendt" e corresponde à tese de Mestrado defendida em 26 de Março de 2001 no Porto.

Primo de Amarante disse...

É mesmo esse. Lembro-me, agora, que o emprestei a um amigo que o queria ler.Obrigado pela sua ajudinha.