15 janeiro 2005

Política “a la carte”.

A reciclagem tornou-se uma operação generalizada devido à necessidade de aproveitar recursos para não deixar esgotar matérias-primas. Ora, parece que essa operação não passa apenas pelo lixo, mas até os próprios sentimentos estão a ser reciclados.
No seu aspecto genuíno, os sentimentos ligavam-se ao dever, constituíam a matéria-prima da nossa consciência, habitando-a de forma discreta para indicar as nossas obrigações e avaliar os nossos próprios comportamentos. Enfraquecido o dever de avaliar as consequências da acção e dissolvido o espírito crítico, os sentimentos deixam de alimentar a consciência e nela provocar a necessária tensão entre o que cada um deve fazer ou não fazer. Faltando sentimentos genuínos, tão caros à ideia de regeneração do homem e da sociedade, parece que a "boa consciência" é revelada pela reciclagem dos sentimentos. Em vez de propostas para resolver os difíceis problemas com que se debate o País, os políticos procuram condicionar os eleitores pelos sentimentos de compaixão. Vertem lágrimas pelos desempregados, pelos reformados, pelos pobres e excluídos que foram vitimas das más políticas que os próprios políticos desenvolveram. A política dirige-se ao que os eleitores gostam de “sentir” e ficou reduzida a mero espectáculo de ilusões e emoções. Estimula-se a realização dos desejos, do ego, da felicidade imediata, do bem-estar individual. Procura-se que o eleitor passivamente goze com os insultos, as insinuações recíprocas e as falácias dos subentendidos. Vivemos a política sem obrigações.
A política pós-moderna é assim: uma política “a la carte”.

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