05 fevereiro 2005

Verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E a segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
Seu capricho, sua ilusão, sua miopia.


Carlos Drummond de Andrade, in: “O corpo"

1 comentário:

Silvia Chueire disse...

a verdade

a verdade é que não sabemos nada.
e o que se esconde por trás
das pálpebras fechadas é sonho
ou sono.

a verdade é que a noite de alguns dias
é longa como se não se acabasse,
e imóvel como um filme interrompido.
só ouço o som do cello a invadir a sala.
e entre as notas musicais,
nada se move sob estas estrelas
caladas no seu brilho de séculos-luz.

a verdade é que só sei a falta,
esta saudade.
só sei este oceano
em tumulto
dentro do meu peito.

silvia chueire