15 abril 2005

NOTÍCIAS DO ANTIGAMENTE - crónicas contra o esquecimento




A partir de hoje, e por sugestões recebidas de vários lados, vou repor uma série de crónicas que elaborei em 1994 e continuo desde então a reelaborar - a que dei o título NOTÍCIAS DO ANTIGAMENTE .
- que mais não são que uma tentativa de preservar a memória futura de tempos que passaram - e que vivi/vivemos muitos de nós de perto.Possam elas servir junto dos mais novos - que os mais velhos que me lêem aqui os dêem a ler, se assim o entenderem, aos seus filhos ou netos.Porque são a maneira de lutar contra o esquecimento.
São crónicas despretensiosas - com esse único propósito.

INTRODUÇÃO:

Em 25 de abril de 1974 os portugueses acordaram de modo diferente: na rádio davam-se notícias de um 'movimento das forças armadas' (M.F.A.) que se propunha derrubar o poder autoritário e fasciszante, que governava Portugal desde 1926, e era responsável, entre outras coisas, por uma guerra colonial que poucos desejavam - da qual resltaram milhares de mortos e estropiados fÍsicos e psicológicos.Era propósito desse movimento militar democratizar - descolonizar- desenvolver o país (os três D) . Os teus pais ou avós, provavelmente, já te falaram disso - foi um acontecimento importante para Portugal, para África, para o mundo - por isso, é feriado nesse dia. É minha intenção, a partir de agora dar-te a conhecer aspectos de como se vivia em Portugal antes dessa 'revolução'('dos cravos', como foi chamada).São testemunhos directos de quem viveu o antes e o depois dessa data histórica.Vamos passar a chamar estes testemunhos de

NOTÍCIAS DO ANTIGAMENTE 1 e 2


Aspectos da vida nas Escolas :
1. Não havia turmas mistas (a não ser no então chamado Curso Complementar-correspondente ao Secundário -10º. 11º e 12ºanos); os pátios de recreio também não eram mistos - as meninas iam para um dos lados, os rapazes para o outro; em muitas escolas secundárias também entravam por portas distintas, meninos, meninas e professores. No entanto, alguns rapazes e raparigas iniciaram, na Escola onde a autora destas linhas exerceu a sua profissão, a E.S.F-R. Lobo, com o apoio de alguns professores, e já no ano de 1973/74, movimentos reivindicativos a favor dos 'pátios mistos'. Tais movimentações eram consideradas "subversivas"e poderiam ter dado origem a processos disciplinares - se nesse mesmo ano não tivesse havido o 25 de abril... 2. Em 'saraus artísticos' que os finalistas costumavam fazer, os textos a "declamar" ou representar não eram escolhidos livremente pelos alunos ou professores que os apoiavam: passavam por uma espécie de 'censura prévia' das autoridades escolares (nomeadas pelo Governo e não eleitas, como agora). Por exemplo: uma vez foram proibidos, de Fernando Pessoa, os poemas O menino de sua mãe (fala de um jovem soldado morto na guerra) e Liberdade (em que se diz Ai que prazer/Não cumprir um dever/Ter um livro para ler/E não o fazer - Ler é maçada/Estudar é nada..).- Pobre Pessoa , censurado depois de morto!...
Razões da proibição: o 1ºpoema, sendo triste e contra a guerra, não era aconselhável num país que estava numa guerra 'patriótica' no ultramar (= colónias) ; o 2º 'parecia mal', dito por estudantes...
Os alunos "prometeram" acatar estas decisões: - uma vez no sarau, disseram mesmo os poemas - velho gostinho do fruto proibido...Não lhes aconteceu nada, felizmente, mas houve alguma margem de risco...para os alunos - e para o(a) professor(a) responsável pelo sarau... 3.Estavam proibidas as Associações de Estudantes do Ensino Secundário - o regime temia que a agitação e a contestação estudantil, nomeadamente pela autonomia universitária e contra a guerra colonial, alastrasse aos estudantes das escolas secundárias. Quanto às associações de estudantes universitários, eram fortemente vigiadas - e algumas vezes encerradas - Havia polícias nas universidades - os estudantes designavam-nos de "gorilas"...- e fortes cargas policiais nas manifestações - muitos eram feridos e houve estudantes mortos. Momentos mais altos da contestação estudantil: - crises académicas de 1962,1965 e 1969. 4. Também os professores, como funcionários públicos que eram, tinham de fazer anualmente uma declaração de repúdio activo pelo comunismo e "outras actividades subversivas" e de lealdade ao regime. (muitos professores de mérito foram expulsos das suas escolas) Eram proibidos sindicatos de professores - havia associações pró - sindicais, chamadas de Grupos de Estudo do Pessoal Docente - foram proibidas em Fevereiro de 1974, sob a acusação de serem associações 'secretas' e 'subversivas'. Felizmente a proibição - que mergulhou os professores mais activos numa espécie de 'clandestinidade'- só duraria 2 meses - até 25.4.74...

Amélia Pais

(continua)

poster e autocolante da autoria de Dionísio da Ponte, então com 13 anos - um aluno da Escola Secundária de Francisco Rodrigues Lobo (Leiria)- escola onde eu sempre leccionei

5 comentários:

M.C.R. disse...

E queria V. abandonar-nos? Livre-se!!!Em seu tempo comentarei com o merecido cuidado as suas crónocas desse antigamente tão presente ainda.
Tenha um bom fim de semana.
mcr

Kamikaze (L.P.) disse...

Oportuníssima iniciativa, Amélia! E que ternurenta a ilustração do postal...
Vou colocar estas suas crónicas no índice temático, para facilitar futura consulta, tal como acabei de fazer com a Farmácia de serviço e o Au Bonheur des Dames, do mcr.

Amélia disse...

TUDO BEM, AMIGOS.Serão ao todo umas 8 ou 9 crónicas, que publico em simúltâneo no meu outro blogue.Como os leitores não são os mesmos...E talvez outros amigos possam trazer outros contributos a estas «declarações para memria futura».Publicarei uma em cada dia.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Estas memórias não se podem apagar. Eu era um menino da escola primária nesses idos de 74, com turmas e recreios separados pelo sexo, mais as fotografias de Thomaz e Caetano. Pouco tempo depois, tudo isso se acabou e passamos a ser livres. Uma gaivota voava, voava...

Silvia Chueire disse...

Gostei de ler este texto, Amélia.
POderei entender melhor o que aconteceu por intermédio deste olhar de dentro das coisas.

Beijos,
Silvia