23 abril 2005

Quase poema


Ando pela casa,

inquietude nos pés,
à volta das coisas mudas,
como se o poema me pudesse ser dito.

O quê dizer, e quando?
Em que lugar esconde-se a ordem das palavras,
que me permita estar próxima de alguma poesia?

Nada interessa às buganvílias da varanda,
ou ao menino que brinca lá fora.
O dia é calmo
como todos os domingos em que choveu.

Assisto ao filme francês,
quieta.
Como se tudo fosse assim,
pacífico.

Fumo um cigarro,
mordo a maçã .
Com a naturalidade de quem não vive o paradoxo,
discretamente.
E sinto escapar-me dos dedos
a poesia do mundo.

Como encontrar o verso
que diga a falta que me atravessa,
o impacto do silêncio?

As palavras são tantas
e são nenhuma.
O poema não é meu,
nem teu,
nem de ninguém.
Ando à procura dele
como quem procura um bálsamo.
Entardece o longo dia de verão
e não estás onde disseste que estarias.

Por um momento
em gestos lentos
acaricio o sonho,
os lábios no beijo mais longo que o dia.

Mas não, não sou de sonhos,
ou crenças,
não vivo de sombras.
Talvez mesmo não seja de poemas,
este encontro aleatório de palavras
com nexo obscuro.

Assim, levanto-me
e me preparo para ir comprar cigarros.

Dentro de mim
um cello murmura
certa música distante.


Silvia Chueire

2 comentários:

M.C.R. disse...

qual quase qual quê... É um poema. Inteiro. Vivo!!!
mcr

Silvia Chueire disse...

Obrigada, M.C.R., Sempre tenho a intenção de que sejam vivos. Fico feliz com as suas palavras.

Abraços,

Silvia