27 maio 2005

De passagem por Mostar

Image hosted by Photobucket.comApesar de toda a informação disponível e do rasto de destruição que ainda se deixava ver no centro histórico de Dubrovnick, os olhos, alagados em paisagens da costa da Croácia e do Montenegro, não estavam preparados para o que os esperava na zona muçulmana da Bósnia i Herzegovina.
Os ataques da Sérvia à Croácia tinham perdurado por muito menos tempo (até àquele dia em que os respectivos presidentes, tendo decidido partilhar gastronomia, se entretiveram, à sobremesa, a partilhar também a BiH, logo ali desenhando, num qualquer guardanapo de papel, o seu novo mapa - este bocado para mim, aquele para ti) . E a Unesco e a UE tinham já providenciado por muito dinheiro para a reconstrução de toda a muralha de Dubrovnick (mais que justamente classificada como património da humanidade) e a reconstrução dos edifícios intra-muros (os mais devastados) progredia visivelmente.

Na zona muçulmana da BiH, atacada desde então já não apenas pelos vizinhos sérvios da Sérvia e pelos seus ainda mais vizinhos sérvios da Bósnia, mas também pelos também duplamente vizinhos croatas, não ficara pedra sobre pedra.
Em Mostar, uma cidade de novo cheia de vida, a marca deixada pela dominação otomana permanece viva na religião, na cultura, na gastronomia, na arquitectura. No centro histórico, qual cidade turca, com o seu bazar e as suas mesquitas debruçando-se sobre o rio ofuscante do verde das águas e das margens, pejadas de pequenos restaurantes empoleirados em socalcos, a par da reconstrução faz-se questão de manter a memória da tragédia.
Na ponte outrora medieva, que ligava a zona muçulmana de Mostar à zona de predominância croata, totalmente destruída pelos bombardeamentos croatas e agora reconstruída em "estilo" pastiche, jovens mais ou menos musculados exibem os seus atributos, aparentemente na mira de suscitar um donativo que justifique o arriscado mergulho nas águas de perigosas correntes e baixios, quiçá na mira de se exibirem, apenas.
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Em Mostar, quer no centro histórico quer na zona mais moderna que a envolve, quer nos bairros residenciais, quer em qualquer parte por onde se caminhe ou olhe, prédios inteiros completamente destruídos e abandonados convivem com aqueles outros (todos os demais!) que ficaram habitáveis (e habitados) apesar de todas as suas paredes exteriores terem sido alvejadas por todos os tipos de projécteis. Constroem-se novos edifícios e aqui e ali reparam-se as fachadas mas, ao lado, o testemunho do massacre permanece. Image hosted by Photobucket.com Image hosted by Photobucket.com











Ao longo das estradas, nos campos, muitas casas novas, lado a lado com aquelas (todas!) destelhadas e de que só restaram as paredes exteriores, esburacadas como queijo suíço e, aqui e ali, aldeias inteiras ou casas isoladas totalmente abandonadas - porque reconstruir nem sequer é viável.

Já um pouco mais distantes dos campos de Mostar, a caminho de Sarajevo, pisados os olhos por esta paisagem do horror contra o esquecimento, a beleza impôs-se: durante horas acompanha-nos, mesmo ali à beira da estrada, em curvas e contra-curvas, um largo rio de transparentes águas cor esmeralda e margens ora escarpadas ora frondosas, ao longe mas tão perto, a alvura dos altos picos nevados, em telão de fundo um forte azul celeste.

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4 comentários:

Silvia Chueire disse...

Gostei também da descrição. Tudo tão lamentável e belo.

Abraços,
Silvia

O meu olhar disse...

Obrigada pela partilha!

Kamikaze (L.P.) disse...

Obrigada pelo incentivo, amigos!

M.C.R. disse...

Faço parte dos sortudos que ainda viram Mostar inteira. Mas já nesses longínquos anos de 1976/7 algo havia que não se enquadrava: Entre as nacionalidades da ex-Jugoslavia (eslovenos, croatas, servios, montenegrinos, macedónios e albaneses ou hungaros havia uma religião com direito a uma zona que historicamente fora sempre a fronteira dos servios e dos croatas! Aliás quando o Tito constituiu essa pseudo nacionalidade todos os juristas do país fizeram esta exacta crítica que aliás está transcrita em tudo o que é livro sobre a Jugoeslávia.
Nada permite passar disto para o crime, o genocídio, a deslocação de populações mas o meu ponto é este: constroi-se algo a partir de diferenças religiosas? E porque é que se fez esta habilidade? Ora apenas para evitar (Tito era croata)uma Sérvia ainda maior.Ele já tinha dado à Croacia a Dalmácia, expulsando as minorias italianas lá instaladas há séculos. (Aliás Dubrovnik é uma típica cidade veneziana...)
Não esqueçamos que durante a guerra a maioria dos croatas ( os famosos "ustachis" de Ante Palevich) se bandeara com os nazis, no que aliás foram imitados por albaneses e fortes minorias muçulmanas...
Todavia o texto da nossa querida Kamikaze merece ser lido, quanto mais não fosse, pelo prazer que suscita, pela elegância, pela agudeza da descrição. Não tivesse ele todas essas belas qualidades e talvez eu não me atrevesse a"meter a minha colherada" como diz o inimitável José, que já devia ter também vindo a este terreiro. Não há nada melhor do que uma boa discussão.
Resumindo: queremos (ou eu quero) mais diário dessa viagem. E do México, também, vá lá, dê ao dedinho e desculpe este desviante historiador: é que eu também gosto daquele(s)desgraçado(s) país(es)...
abraços do mcr