DOIS NEO-ZELANDESES NOS ANTÍPODAS
Aqui vos digo solenemente: não sou de invejas. Alegro-me com os êxitos dos amigos e aceito com semanal serenidade que o totoloto saia a um qualquer desconhecido com mais sorte do que eu.
Este virtuoso retrato necessita, porém, para ser mais nítido e contrastado, de uma correcção. Há 20 anos consumiu-me, ligeira mas imperiosa, uma invejite benigna. Foram seus agentes dois cidadãos de Wellington, Nova Zelândia e que respondiam aos nomes de Philip Mc Cabe e Bryan Parker.
Para além de provirem dos antípodas -o que já não é pouco! - tinham um par de virtudes mais: jogavam rugby e eram portadores de pequenas tatuagens rituais maoris.
Diferenciavam-se um do outro porque o primeiro tocava violino e o segundo fumava cachimbo (esqueceu aliás um "Granit" "old Bryar" na minha casa). Guardo-o na escrivaninha, bem visível, a recordar-me que, em Deus querendo -e o totoloto idem- ainda os irei visitar naquelas ilhas.
Para estes dois leais súbditos de S. M. Britânica, sócios juniores de uma poderosa firma de advogados com escritórios em Wellington e Auckland, esta vinda à Europa que durou seis meses era (em 1973) a viagem!
Ora é sabido que uma viagem tem três momentos fundamentais : a preparação, a deslocação propriamente dita e a sua narração no regresso.
Do que os antípodas terão contado, finda a odisseia, nada sei. Da preparação apenas suspeito, mais do que adivinho, a alegre meticulosidade, os "baedeckers" compulsados com um rigor que os tratados de direito nunca terão merecido, e o labiríntico percurso pelos câmbios europeus que, nisto de "cacau" para extravagâncias quando se é (era em 73...) jovem, há que ter atenção por três! Mas a viagem, essa, e pelo que fui sabendo, obedeceu a dois requisitos fundamentais: fazer dois ciclos de direito comparado para justificar as bolsas angariadas e os seis meses de boa vida; visitar toda uma Europa mítica que eles só conheciam de romances e filmes.
E é isso que traz a estas torpes folhecas os compatriotas dos "All Black" . Sabe-se que, em Milão, ouviram uma ópera no Scala, que em Praga compraram sapatos, enquanto em Pest se atafulharam de borscht. Em Paris compraram perfumes para noivas, irmãs e mães.
Tudo isto é, não direi vulgar, mas normal. Todavia, o clou da excursão foi-nos revelado numa aula do professor Krutogulov, pró-reitor da universidade de Moscovo, excelente linguista mas profundamente conservador como acontecia, de resto com todos os membros da "nomenklatura" jurídica do leste e que nos deram aulas.
O professor K., como maliciosamente a Renata B. o baptizou, não suportava cabeludos. Verdade é que, mesmo naqueles tempos de excessos capilares, os jovens juristas distinguiam-se por um certo comedimento no tamanho da pilosidade craneal. Distinguiam-se é um modo de dizer, que os dois neo-zelandezes mais pareciam o Jimmy Hendrix em versão branca e loura.
O professor K começou por olhá-los fixamente na primeira aula; na segunda referiu, com elegante displicência, a norma de higiene que manda aparar a cabeleira; depois terá falado, sarcástica mas calmamente ainda, em piolhos e outras bestiúnculas do mesmo jaez.
A tudo isto, a esta maré enchente de soviética indignação, respondia um descontraído e ingénuo silêncio dos antípodas.
Mas um dia - há sempre um dia assim nestas historietas - o russo não se conteve e, dirigindo-se aos dois guedelhudos, disparou-lhes: "Quando é que os senhores cortam o cabelo ?"
-"Daqui a cerca de um mês!"
-"Mas um mês porquê?"
-"Porque estaremos em Sevilha!"
-"Sevilha??! Mas porquê Sevilha?" -rugiu o descontrolado pró-reitor.
Impávidos e com uma infinita paciência pela absurda ignorância eslava, o Philip e o Bryan responderam-lhe:
-"Por causa do Barbeiro de Sevilha!!!"
Gaudeamus igitur!
Este virtuoso retrato necessita, porém, para ser mais nítido e contrastado, de uma correcção. Há 20 anos consumiu-me, ligeira mas imperiosa, uma invejite benigna. Foram seus agentes dois cidadãos de Wellington, Nova Zelândia e que respondiam aos nomes de Philip Mc Cabe e Bryan Parker.
Para além de provirem dos antípodas -o que já não é pouco! - tinham um par de virtudes mais: jogavam rugby e eram portadores de pequenas tatuagens rituais maoris.
Diferenciavam-se um do outro porque o primeiro tocava violino e o segundo fumava cachimbo (esqueceu aliás um "Granit" "old Bryar" na minha casa). Guardo-o na escrivaninha, bem visível, a recordar-me que, em Deus querendo -e o totoloto idem- ainda os irei visitar naquelas ilhas.
Para estes dois leais súbditos de S. M. Britânica, sócios juniores de uma poderosa firma de advogados com escritórios em Wellington e Auckland, esta vinda à Europa que durou seis meses era (em 1973) a viagem!
Ora é sabido que uma viagem tem três momentos fundamentais : a preparação, a deslocação propriamente dita e a sua narração no regresso.
Do que os antípodas terão contado, finda a odisseia, nada sei. Da preparação apenas suspeito, mais do que adivinho, a alegre meticulosidade, os "baedeckers" compulsados com um rigor que os tratados de direito nunca terão merecido, e o labiríntico percurso pelos câmbios europeus que, nisto de "cacau" para extravagâncias quando se é (era em 73...) jovem, há que ter atenção por três! Mas a viagem, essa, e pelo que fui sabendo, obedeceu a dois requisitos fundamentais: fazer dois ciclos de direito comparado para justificar as bolsas angariadas e os seis meses de boa vida; visitar toda uma Europa mítica que eles só conheciam de romances e filmes.
E é isso que traz a estas torpes folhecas os compatriotas dos "All Black" . Sabe-se que, em Milão, ouviram uma ópera no Scala, que em Praga compraram sapatos, enquanto em Pest se atafulharam de borscht. Em Paris compraram perfumes para noivas, irmãs e mães.
Tudo isto é, não direi vulgar, mas normal. Todavia, o clou da excursão foi-nos revelado numa aula do professor Krutogulov, pró-reitor da universidade de Moscovo, excelente linguista mas profundamente conservador como acontecia, de resto com todos os membros da "nomenklatura" jurídica do leste e que nos deram aulas.
O professor K., como maliciosamente a Renata B. o baptizou, não suportava cabeludos. Verdade é que, mesmo naqueles tempos de excessos capilares, os jovens juristas distinguiam-se por um certo comedimento no tamanho da pilosidade craneal. Distinguiam-se é um modo de dizer, que os dois neo-zelandezes mais pareciam o Jimmy Hendrix em versão branca e loura.
O professor K começou por olhá-los fixamente na primeira aula; na segunda referiu, com elegante displicência, a norma de higiene que manda aparar a cabeleira; depois terá falado, sarcástica mas calmamente ainda, em piolhos e outras bestiúnculas do mesmo jaez.
A tudo isto, a esta maré enchente de soviética indignação, respondia um descontraído e ingénuo silêncio dos antípodas.
Mas um dia - há sempre um dia assim nestas historietas - o russo não se conteve e, dirigindo-se aos dois guedelhudos, disparou-lhes: "Quando é que os senhores cortam o cabelo ?"
-"Daqui a cerca de um mês!"
-"Mas um mês porquê?"
-"Porque estaremos em Sevilha!"
-"Sevilha??! Mas porquê Sevilha?" -rugiu o descontrolado pró-reitor.
Impávidos e com uma infinita paciência pela absurda ignorância eslava, o Philip e o Bryan responderam-lhe:
-"Por causa do Barbeiro de Sevilha!!!"
Gaudeamus igitur!
6 comentários:
haircut?! Professores comunistas conservadores?! Tempo pós hippie?!
Cá estou na colherada habitual!
Em 73, o meu cabelo não podia, de modo algum, passar o lobo superior do orelhame!
-"Rapaz! Aqui, não há beatles! Amanhã, cortas o cabelo!"
E cortava- que remédio...!
Agora, ler aqui que um bravo professor conservador do regime comunista, era também um digno e severo guardião da ordem da jarreteira dos costumes, tal como um qualquer adepto do ol`american way of life, não é de espantar, mas é de registar a similute de pensamento e acção.
Porém, o que me importa realçar é o espírito contestatário dos jovens dos sixties e por cá, entre os atrasados do costume, ainda nos anos setenta.
Hoje em dia, a malta nova contesta o quê?! COm que símbolos?!
Essa malta dos teens, já nossos filhos, que contestam eles?!
Nada! Parece-me bem...
E parece-me muito mal.
Em grande, MCR... mas Min e outras (ma)dames andam a sentir a falta do seu "Au bonheur"... a Min até me adoça, mas não resisto :(
Beijo-lhe as níveas mãos Madame Min pela bondade e pelos mimos dispensados. Ocorre que, como estamos a celebrar o 1º aniversário, eu lembrei-me de postar (detestável palavra) esta homenagem aos meus antiquíssimos amigos da FIEDC e aos juristas tresmalhados que abundam neste blogue. Ora uma celebração mesmo em pastilhas como esta tem de ser a eito. Vai daí pedi licença ao boticário e ao honrado retroseiro para avançar á razão de um texto cada três dias enquanto eles descansam, encomendam mercadoria ou manipulam xaropes.
É que convém não ocupar todo o blogue com textos de um só freguês: á uma porque não é bonito, às duas porque nem sempre temos a graça e a oportunidade necessárias, às três porque felizmente os companheiros bloguistas tem escrito coisas que muito me apraz ler.
Há uma quarta razão que só se desvendará na almoçarada de Leiria. Mas esteja, descansada, Madame, que isto não é como o futebol. Nem os boticario e retroseiro se transferiram, nem o treinador foi de férias.
Terça feira em Deus querendo sai mais um gaudeamus. Como prova de alta estima e consideração proponho-lhe que escolha o texto entre estes que aqui lhe enumero:
Danny le rouge cora em Amsterdam;
homem ao mar!;
Mathias von K. entre damas impacientes;
rosé entre Oostvorne e Rockanje;
Tem a palavra Madame!
um abraço
Oh MCR, que honra, tanto mais que as mãos de Min níveas nem por aproximação! Pois já que me dá o previlégio, e que é sempre um risco homem ao mar, que nem sempre a manobra de Butakov resulta, aposto no rosé coradinho - sempre evoca alguns processos avinagrados mais condizentes com Min... que está tão mudada, pela leitura do Incursões, que até chega a achar ternurento um rosé que cora!
Socorro Madame, socorro!!!
Vossa Imensidade cita dois textos "Danny le rouge cora em Amsterdão" e "rosé entre Oostvorne e Rokanje".
em que ficamos, dear lady?
mcr
Tem toda a razão, toda a razão, o coradinho induziu-me para o rosé, mas o coradinho Danny é mais para o rouge, claro. Ficamos no rouge, no rouge ...
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