O melhor do “Público” é, sem dúvida, a necrologia. Numa espécie de justiça redistributiva pós morte, o “Público” só mata pessoas com 5 ou mais apelidos, sempre sonantes, símbolo seguro de estatuto social, enquanto deixa andar por cá a malta rasca, antigos filhos de pai incógnito e demais maralhal dos antigos livros neo-realistas. E assim temos, por apenas 0, 85 euros, uma espécie de “Caras” dos cemitérios, bem melhor do que aquela revista, que outro dia nos impingiu de borla, a “Atlântico”, que a AIP faz o favor de pagar para nos industriar nas maravilhas dos neo-conservadores. Já chateia ver aquela rapaziada da UDP, a bater no peito a sua nova fé de convertidos. Não têm família que olhe por eles, que enfim ponha termo a espectáculo tão indecoroso? Para variar, dou comigo a ler o “Correio da Manhã” (não digam a ninguém). Concedo o que vão dizer sobre a natureza sensacionalista e outras mais do dito tablóide. Mas não engana ninguém. E vejam lá, descubro um artigo bem feito e a propósito. Saibam os mais velhos, como eu, que o Torres do Benfica e da selecção dos anos sessenta, o “bom gigante”, o “Canada Dry”, que andava lá pelas alturas, está doente com Alzheimer. Numa casa modesta da Amadora, apoiado pela família e rodeado dos seus pombos, o seu hobby de sempre, o Torres vai perdendo a memória e nem sequer poderá talvez entender que o Benfica foi campeão. No meio da buzinadela incessante e dos gritos de alegria pela vitória, há um benfiquista, um ser humano, com uma doença terrível, esquecido pelos que vivem do símbolo, que ele ajudou a construir. A família do homem que, com os seus companheiros, foi usado como emblema do país e do regime, descobriu que nunca lhe fizeram descontos, senão nos anos em que trabalhou como serralheiro. Nesta euforia benfiquista, era bonito lembrar o Torres, também ele merecia, ao menos um poema sobre o menino-serralheiro que foi, depois homem da bola, de bom coração, sempre lá nas alturas, um poema como o que o Ruy Belo escreveu sobre outro herói do efémero, o ciclista do Benfica José Maria Nicolau.
26 maio 2005
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2 comentários:
O Torres era colombófilo. Pouca gente sabe o que isso significa de horas perdidas a tratar os pombos, a treiná-los, a alimentá-los, a esperar que eles cheguem e a sujeitar-se a ficar com a doença dos pombos, um mal que afecta muitos colombófilos. Eu conheci por acaso esse gigante Torres, ouvi-o a falar de pombos a um meu amigo. Há pombos que custam milhares de contos. Um outro amigo, que também conhecia o Torres e que simpatizava com o hobby dos pontos já partiu devido a uma doença semelhante. Podia também estar rico. Foi director da faculdade de economia do Porto, teve como assistente um conhecido economista que nessa altura, um outro director da faculdade não o cria na universidade por ser de esquerda. O meu amigo bateu-se contra isso e conseguiu que o tal economista notável ficasse seu assistente. Hoje, a onda liberal, a da ganhuça, cobre de alzheimer toda essa gente e o Torres, a exemplo do Prof. Pedroso, ficam, na altura da despedida, sós: esquecem-se deles aqueles que lhes devem tudo. Este é o mundo cão, neo-liberal ou do defice de coluna vertical.
Um abraço, CAMARADA ANAXIMANDRO.
Embora adepto do FCP, guardo algum carinho da imagem do "bom gigante", o homem que, quando dirigia a selecção a caminho do Mundial do México, pediu que o deixassem sonhar. Desconhecia que estava doente e faço votos que o Benfica, sempre tão pressuroso a voar para a Hungria, saiba honrar o passado de um dos seus símbolos.
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