13 junho 2005

Eugénio de Andrade

Pode Ensinar-se a ler poesia?

Não um poema, mas a sua resposta à seguinte interrogação:

Pode ensinar-se a ler poesia? Como fazê-lo sem que a obrigatoriedade da leitura e do estudo se transformem em obstáculo à plena fruição do poema?

“Claro que deve ensinar-se a ler poesia. E quem a ensina pode começar por prevenir que não comem sílabas aos versos, porque são altamente venenosas. Um poema, como Paul Valery escreveu (Cahiers, II, Pleiade, pág. 1065), é uma longa hesitação entre som e sentido. Conta e canta, dizia outro poeta, António Machado. Portanto, a sua leitura deve fazer-se em voz alta, porque todas aquelas palavras aguardam uma voz para tomarem forma e figura. Voz que terá em conta o que é inerente ao próprio poema: tom, ritmo, acentos, pausas e até dissonâncias. Depois, sem a menor ênfase, como quem fala de amigo para amigo, quem lê deve deixar-se levar por essa música, “pura delícia sem caminho”.

Eugénio de Andrade
“Relâmpago – Revista de Poesia” nº10, 4/2002

3 comentários:

josé disse...

Foi por isso, exactamente, que coloquei mais abaixo o poema de Jean Ferrat, "Camarade".
Por causa das palavras e do som delas a cantar, na voz do autor: "c´est un joli nom, camarade".
Nada tem a ver com a ideologia ou com o clubismo político. A poesia das palavras ditas ou cantadas, entretém-se no seu próprio significado e passa além, ao assumir ressonâncias particulares.
Logo de manhã, ao ligar ( acordar) ao som da TSF e da notícia funesta, acorrreu-me o nome "camarada" e a canção de Jean Ferrat.
A minha homenagem é por isso, musical e de palavra precisa que tem significado próprio para quem o foi.
Eu não fui, mas aproprio a palavra para homenagear através do som, um idealismo que sendo estranho à minha opção política, não me é estranho no romantismo que comporta.
Estou certo que isto também será uma acepção de poesia.

Kamikaze (L.P.) disse...

Cada vez mais a sua pessoa (me) encanta, José. Bem haja.

josé disse...

Obrigado Kamikaze, mas para dizer uma verdade, nem aprecio por aí além a poesia de E.Andrade.
As palavras é qie têm sons interessantes.