22 junho 2005

Para uma ética da Governação

“Temos de reconhecer que, do ponto de vista moral, o sofrimento e a felicidade não são simétricos; assim, a promoção da felicidade é bastante menos urgente que a prevenção do sofrimento ou o auxílio a todos que sofrem.
(…) Creio que não existe, do ponto de vista da ética, qualquer simetria entre sofrimento e felicidade, ou entre dor e prazer. Portanto, o princípio de maior felicidade alheia (…) afigura-se-me (pelo menos nas suas formulações) deficiente neste ponto de vista que, contudo, não é totalmente solucionável por meio de uma argumentação racional. Em minha opinião, o sofrimento humano origina um apelo moral directo, nomeadamente, súplica por auxílio imediato, ao passo que não me parece existir qualquer apelo semelhante para incrementar a felicidade de quem está bem. Ainda uma crítica à fórmula da maximização do prazer é a de que esta assume, em princípio, uma escala contínua prazer-dor que nos leva a encarar os graus de dor como graus negativos de prazer. Contudo, do ponto de vista moral, a dor não pode ser superada pelo prazer e, em particular, nunca a dor de um homem foi apagada pelo prazer de outro. Em lugar da maior felicidade para o maior número, dever-se-ia, mais modestamente, procurar o menor grau de sofrimento evitável para todos; e, quando o sofrimento fosse inevitável – tal como a fome – distribui-lo o mais equitativamente possível.”

In: Karl Popper. Sociedade aberta e os seus inimigos, Vol.1. cap.5, nota 6, cap.9º, nota 2.

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