15 junho 2005

UM POUCO MAIS DE VERDADE

Alberto Costa e a Independência dos Tribunais

Alberto Bernardes Costa, Ministro da Justiça, deu uma entrevista ao jornal "Ponto Final" (Macau), no dia 13 do corrente mês de Junho, na qual fala sobre a sua exoneração, em 1988, do cargo de director do Gabinete dos Assuntos de Justiça (cargo que, curiosamente, omite na "biografia"/CV que consta do portal do Governo).

Segundo ABC tratou-se de um equívoco. Reconhece que foi objecto de um inquérito mas que o mesmo não concluiu no sentido de ele estar incurso em responsabilidade disciplinar ou criminal. O que, sendo verdade, não passa de meia-verdade.

O «Incursões» procura dar aqui o seu contributo para um pouco mais de verdade.

ABC fora nomeado por José António Barreiros para o cargo de Director do Gabinete dos Assuntos de Justiça de Macau. JAB era Secretário-Adjunto para a Administração e Justiça, cargo em que sucedera a António Vitorino.

Já no exercício do cargo, ABC resolveu ter uma conversa com o juiz de instrução José Manuel Celeiro, a propósito do processo-crime de que este era titular, e no qual havia dois arguidos presos. Investigava-se o «caso Emaudio/TDM».
Na sequência desta conversa Celeiro formalizou participação alegando
que ABC o teria tentado convencer a mudar a sua posição quanto às medidas de coacção aplicadas, "o que considerou como indevida interferência e pressão na sua função judicial."
Carlos Melancia, então Governador de Macau, determinou a instauração de inquérito à actuação de ABC (e de António Lamego, seu chefe de gabinete) de cuja instrução foi encarregue o Procurador-Geral Adjunto de Macau, Rodrigo Leal de Carvalho.

Como conclusões do inquérito consta, para além do mais, ter sido apurarado que:
(ponto 14-a) ABC "interveio junto do juiz de instrução criminal"(...) "no sentido de o elucidar sobre os aspectos tecnico-jurídicos e económicos do caso, esclarecimentos que, em seu entender, justificariam uma revisão da sua decisão ou decisões sobre a situação prisional dos arguidos e, eventualmente, a sua cessação e subsequente soltura;"
(ponto 14-b) "tal intervenção foi feita apenas na sua qualidade de cidadão";
(ponto 14-h) "tal conversa não foi suficiente para integrar o conceito de «pressão» sobre um magistrado judicial relativamente ao exercício das suas funções";
(ponto 14-i) "tem-se porém por imprópria a iniciativa do Dr. Alberto Costa em abordar um magistrado judicial sobre matéria objecto das suas funções";
(ponto 14-j) "essa impropriedade agravada por" (...)

Ver o relatório do Dr. Rodrigo Leal de Carvalho (pontos 1 e 14-conclusões) aqui.

José António Barreiros exonera então Alberto Costa (e António Lamego) com base nos factos (inquestionados) do inquérito, não numa valoração disciplinar, mas por conveniência de serviço, nos termos de legislação em vigor em Macau.

Ver despacho/fundamentação de JAB aqui.

O Governador Melancia revogou a exoneração, por entender que a alegação da conveniência de serviço evitava outra fundamentação, a qual seria redundante, e voltou a exonerá-lo.

Ver o despacho que revogou o despacho de JAB e o novo despacho de exoneração
aqui
.

ABC recorreu para o STA (processo n.º 26308, da 1ª Subsecção da 1ª Secção) deste despacho de exoneração não fundamentado de Carlos Melancia.
ABC ganhou a causa por vício de forma do despacho e ganhou ainda... uma gorda indemnização.


*
Ao que consta, merece alvíssaras quem encontrar o douto Acórdão!
*


Moral da história : preparem-se os senhores magistrados, pois o Ministro ABC entende que se funcionários superiores do Ministério - apenas na sua qualidade de cidadãos - os contactarem, através de amigos, nas suas residências, para discussões «académicas» sobre temas integrantes do objecto de processos de que sejam titulares com arguidos presos, visando modificar-lhes o ponto de vista que mantenham sobre os casos, isso é conduta legal e não censurável.

17 comentários:

Kamikaze (L.P.) disse...

Os links para os documentos não estão a funcionar - o site de alojamento das fotografias está off-line, espero que por pouco tempo.

josé disse...

Parabéns pelo trabalho que me parece sumamente importante. Apesar dos anos que já leva de opróbrio continuado, torna-se evidente a natureza da prescrição presuntiva da responsabilidade política.
Mesmo provada a tentativa de pressão ilegítima, a carreira política, nestes casos, não sofre sequer um beliscão. Mais: permite e alenta que a arrogãncia aumente proporcionalmente à impunidade de facto!
Autoriza-me a transcrição para a Loja?!

Kamikaze (L.P.) disse...

Claro que sim, ora essa, mas já que perguntou sempre adianto que preferia uma referência e um link em vez de uma transcrição integral... :)

L.P. disse...

O Procurador-Geral Adjunto parece ter entendido que, tendo Celeiro aceite receber em sua casa ABC (a pedido do seu amigo António Lamego)e só tendo terminado abruptamente a conversa com o seu ilustre visitante quando este já tivera ensejo de expôr ao que vinha, fica ipso facto afastada a configuração da actuação de ABC como sendo de tentativa de pressão.

Portanto, há que acrescentar à moral da história, que os senhores magistrados devem passar a presumir que qualquer conversa com responsáveis políticos, ainda que na sua mera qualidade de cidadãos, é coisa a evitar em qualquer circunstância, sob pena de ainda ficarem eles, magistrados, mal no retrato das "discussões académicas" ou, então, arriscarem-se a, perante o seu fair play, levarem literalmente com uma marretada na cabeça, a ver se percebem mais rapidamente os objectivos do paleiozinho.

Primo de Amarante disse...

Esta questão é muito melindrosa e, se for tirada a tampa, muitas perversidades podem saltar ligadas a Fátima Felgueiras, a promiscuidades em torno do futebol, etc. etc. O que é preciso é criar regras e fazer uma formação que evite estas situações.

jcp (José Carlos Pereira) disse...

Cara Kamikaze, parabéns pela investigação, que ou muito me engano ou ainda fará correr muita tinta.

Kamikaze (L.P.) disse...

13h20 - links para os documentos de novo operacionais.

Primo de Amarante disse...

Tudo bem, mas nunca deixar que tudo isso seja entendido como uma forma de abater um ministro que quer fazer reformas. De contrário, pode ter um efeito de boomerang.

Primo de Amarante disse...

E pior que todas as maçonarias e opus (dei ou gay) é o futebol. Nas anteriores ainda há a "pregação" de princípios, no futebol só conta o "arrangismo" dos resultados.

Gomez disse...

Parabéns Kamikase e muito obrigado por este inestimável serviço público!
Já aqui tinha comentado que não reconhecia ao Ministro A. Costa perfil para o cargo. Agora fico com a convicção reforçada de que nunca deveria ter sido nomeado.
Mas, como o PS parece empenhado em delapidar a oportunidade histórica que lhe foi dada para sanear o regime, tanto faz...
Com Ministros destes e o CSM de cachecol engalanado estamos bem arranjados!

Primo de Amarante disse...

Já repararam para onde o problema está a ser desviado?!...

josé disse...

Já e eu fiquei sem espaço de manobra, pois cheguei atrasado.
Talvez arranje tempo para escrever um postal autónomo sobre o assunto.
Na perspectiva que me parece correcta e que é a de salientar a independência da magistratura judicial e a divisão entre os poderes. Real e efectiva e não a do faz de conta.

Primo de Amarante disse...

De acordo consigo. Acresce que são necessárias reformas e é importante que nenhuma parte exige que a outra seja constituída por gente quimicamene perfeita. As convergências desenvolvem-se pelas dinâmicas, onde, por vezes, as pessoas (com os seus defeitos ou virtudes)contam pouco. È preciso abir portas. Houve tempo em que os problemas, agora referidos, deveriam ser levantados. Espero que não pensem que defendo alguma "dama". Eu nem sou do PS nem magistrado.O que queria é que o Pais ganhasse confiança nas instituições. Sem isso, não é possível desenvolver qualquer virtude social, como a solidariedade, etc.

Primo de Amarante disse...

Afinal o assunto já veio no Expresso na altura da formação do Governo,segundo me informaram.

o sibilo da serpente disse...

Leu-se no Expresso. Não me recordo. Além disso, como é sabido, aqui tem mais importância. Como bem diz o compadre, o tema es~tá a servir para a deriva habitual. Reacção corporativa às medidas anunciadas? parece que sim, na maior parte dos casos.
Para além disso, o cerne da questão é grave. O senhor em causa não devia ser ministro. Muito menos da Justiça. Estou à vontade: não votei nele.

Mocho Atento disse...

Bom Ministro da Justiça seria quem nunca tivesse entrado ou estado num tribunal. Podia acontecer que, quando lá entrasse, visse os problemas e mandasse resolver.

João Paulo Meneses disse...

Em relação a uma pergunta que é feita nos comentários, gostaria de esclarecer o seguinte: Alberto Costa foi a Macau, representar o Estado português no 10 de Junho (um regresso tantos anos depois). Como jornalista, colaborador do referido jornal de Macau, pedi, com antecedência, uma entrevista através do assessor de imprensa. Não focava as questões em concreto, mas adivinhava-se que o seu passado locl não deixaria de ser abordado. Depois de uma segunda insistência, o assessor respondeu que o ministro só falaria em Macau (coisa que não se confirmou, porque deu uma entrevista à rádio Macau). Quando lá chegou, entre outras coisas que se lhe perguntaram, também se abordou esta do passado mais ou menos distante (como não podia deixar de ser - basta, aliás, ver a entrevista).

PS - parabéns pelo trabalho de investigação