Repetindo-se o cenário dos últimos anos, o país continua a arder e as televisões continuam a dar grande cobertura às chamas e à dor e sofrimento das pessoas cujos bens perigam ou foram mesmo atingidos.
O que há este ano de diferente é que deixou de ser tema de disputa político-partidária, o que, sinceramente, não sei se é bom se é mau.
A questão dos incêndios é uma catástrofe nacional, cujas razões é urgente esclarecer. A detenção de alguns indivíduos que suposta ou confessadamente atearam fogos e o perfil do incendiário que a Polícia Judiciária vem divulgando – no fundo, um homem de meia-idade, vulgar de lineu, que actuará por motivos fúteis – não chega. A explicação não pode estar toda, se é que está na sua maior parte, em actos isolados de índole criminosa.
O problema está no estado de abandono das matas, associado às altíssimas temperaturas e ventos fortes?
O problema está no mau ordenamento florestal, na proliferação de eucaliptos que ardem que nem fósforos e cujas folhas são projectadas a arder a grande distância provocando novos fogos?
O problema está em interesses económicos da madeira, ou da construção civil?
O problema está na indústria do fogo e nos focos de poder local e na indústria e serviços que se têm robustecido com anos e anos sucessivos de grandes fogos florestais?
O Ministro António Costa disse hoje que, paralelamente ao esforço de apagar os fogos, se deve continuar a fazer prevenção. Acrescentarei que, também simultaneamente, se devem esclarecer, apurar as causas desta calamidade, não se fazendo passar a ideia de que é uma mera questão de deter mais uns delinquentes por conta própria que por aí andam a atear fogo. Para isso, as televisões podiam dar um importante contributo, substituindo a apresentação maciça de imagens do fogo (esquecendo-se os seus responsáveis das questões que a esse propósito já no ano passado foram levantados) e o desrespeito pelo sofrimento das pessoas prejudicadas, por programas pedagógicos e de debate sobre este problema, contribuindo, assim sim, para a formação cívica e o esclarecimento democrático.
05 agosto 2005
PORQUE É QUE O PAÍS NÃO PÁRA DE ARDER?
Marcadores: Rui do Carmo
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3 comentários:
diz José Gomes Ferreira
Sub-director de Informação da SIC
(http://sic.sapo.pt/online/noticias/opiniao/20050804+-+A+industria+dos+incendios.htm)
"A evidência salta aos olhos: o país está a arder porque alguém quer que ele arda. Ou melhor, porque muita gente quer que ele arda. Há uma verdadeira indústria dos incêndios em Portugal. Há muita gente a beneficiar, directa ou indirectamente, da terra queimada.
Oficialmente, continua a correr a versão de que não há motivações económicas para a maioria dos incêndios. Oficialmente continua a ser dito que as ocorrências se devem a negligência ou ao simples prazer de ver o fogo. A maioria dos incendiários seriam pessoas mentalmente diminuídas.
Mas a tragédia não acontece por acaso. Vejamos:
1 - Porque é que o combate aéreo aos incêndios em Portugal é TOTALMENTE concessionado a empresas privadas, ao contrário do que acontece noutros países europeus da orla mediterrânica?
Porque é que os testemunhos populares sobre o início de incêndios em várias frentes imediatamente após a passagem de aeronaves continuam sem investigação após tantos anos de ocorrências?
Porque é que o Estado tem 700 milhões de euros para comprar dois submarinos e não tem metade dessa verba para comprar uma dúzia de aviões Cannadair?
Porque é que há pilotos da Força Aérea formados para combater incêndios e que passam o Verão desocupados nos quartéis?
Porque é que as Forças Armadas encomendaram novos helicópteros sem estarem adaptados ao combate a incêndios? Pode o país dar-se a esse luxo?
2 - A maior parte da madeira usada pelas celuloses para produzir pasta de papel pode ser utilizada após a passagem do fogo sem grandes perdas de qualidade. No entanto, os madeireiros pagam um terço do valor aos produtores florestais. Quem ganha com o negócio? Há poucas semanas foi detido mais um madeireiro intermediário na Zona Centro, por suspeita de fogo posto. Estranhamente, as autoridades continuam a dizer que não há motivações económicas nos incêndios...
3 - Se as autoridades não conhecem casos, muitos jornalistas deste país, sobretudo os que se especializaram na área do ambiente, podem indicar terrenos onde se registaram incêndios há poucos anos e que já estão urbanizados ou em vias de o ser, contra o que diz a lei.
4 - À redacção da SIC e de outros órgãos de informação chegaram cartas e telefonemas anónimos do seguinte teor: "enquanto houver reservas de caça associativa e turística em Portugal, o país vai continuar a arder". Uma clara vingança de quem não quer pagar para caçar nestes espaços e pretende o regresso ao regime livre.
5 - Infelizmente, no Norte e Centro do país ainda continua a haver incêndios provocados para que nas primeiras chuvas os rebentos da vegetação sejam mais tenros e atractivos para os rebanhos. Os comandantes de bombeiros destas zonas conhecem bem esta realidade.
Há cerca de um ano e meio, o então ministro da Agricultura quis fazer um acordo com as direcções das três televisões generalistas em Portugal, no sentido de ser evitada a transmissão de muitas imagens de incêndios durante o Verão. O argumento era que, quanto mais fogo viam no ecrã, mais os incendiários se sentiam motivados a praticar o crime...
Participei nessa reunião. Claro que o acordo não foi aceite, mas pessoalmente senti-me indignado. Como era possível que houvesse tantos cidadãos deste país a perder o rendimento da floresta - e até as habitações - e o poder político estivesse preocupado apenas com um aspecto perfeitamente marginal?
Estranhamente, voltamos a ser confrontados com sugestões de responsáveis da administração pública no sentido de se evitar a exibição de imagens de todos os incêndios que assolam o país.
Há uma indústria dos incêndios em Portugal, cujos agentes não obedecem a uma organização comum mas têm o mesmo objectivo - destruir floresta porque beneficiam com este tipo de crime.
Estranhamente, o Estado não faz o que poderia e deveria fazer:
1 - Assumir directamente o combate aéreo aos incêndios o mais rapidamente possível. Comprar os meios, suspendendo, se necessário, outros contratos de aquisição de equipamento militar.
2 - Distribuir as forças militares pela floresta, durante todo o Verão, em acções de vigilância permanente. (Pelo contrário, o que tem acontecido são acções pontuais de vigilância e combate às chamas).
3 - Alterar a moldura penal dos crimes de fogo posto, agravando substancialmente as penas, e investigar e punir efectivamente os infractores
4 - Proibir rigorosamente todas as construções em zona ardida durante os anos previstos na lei.
5 - Incentivar a limpeza de matas, promovendo o valor dos resíduos, mato e lenha, criando centrais térmicas adaptadas ao uso deste tipo de combustível.
6 - E, é claro, continuar a apoiar as corporações de bombeiros por todos os meios.
Com uma noção clara das causas da tragédia e com medidas simples mas eficazes, será possível acreditar que dentro de 20 anos a paisagem portuguesa ainda não será igual à do Norte de África. Se tudo continuar como está, as semelhanças físicas com Marrocos serão inevitáveis a breve prazo."
(4/8/05)
A propósito de televisões, será verdade que já aconteceu terem sido ateadas umas labaredazinhas para enquadrar a entrevista a um comandante de bombeiros porque, grande chatice!, quando o jornalista chegou à fala com ele já o fogo estava apagado!?
Vendo-a como ma venderam. E o vendedor costuma ter peixe fresco.
Fui durante alguns anos director de uma corporação de bombeiros ditos voluntários. Saí incompatibilizado com o comandante e com o presidente da Cãmara (as autarquias gastam milhões com os bombeiros - são a construção de quarteis, aquisição de carros e material, pagamentos aos piquetes, etc)e percebi que os inspectores regionais de bombeiros estão mais preocupados em defender as corporações e o seu aparato que a qualidade dos serviços que elas prestam. Como exemplo, recordo que uma das suas grandes preocupações era a de saber se os galões de comandantes deveria ser a dourado ou a prateado. Significativamente ganhou o dourado.
Não tenho nenhuma consideração pelos bombeiros voluntários e se mandasse acabaria com esse bluff. O País só deixará de arder, quando se entregar aos engenheiros florestais a direcção do combate aos incêndios. Está-se longe de imaginar os negócios pequenos e grandes que giram em torno do apagar fogos. Nunca percebi por que é que há comandantes (ou ex-comandantes) de bombeiros voluntários a vender material para apagar fogos!
Se um dia tiver de ser assistido, só peço que não me tragam uma ambulância de bombeiros voluntários e se tiver uma pistola fica dito que não pegarão em mim. Prefiro morrer do desastre que da assistência.
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