20 setembro 2005

Fardas

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Tenho acompanhado, com atenção distante, a saga da vontade dos militares em manifestar-se contra a redução dos seus direitos. Ponderadas as coisas - o princípio do famoso artº 31 da Lei e o do artº 18º da CRP - chego à conclusão que deviam autorizar as manifestações, ainda que fosse todos os dias. É que eu temo que, contrariando os senhores das fardas, eles decidam fazer greve. Já imaginaram o que isso seria para o país?

3 comentários:

Amélia disse...

Imagino...e a falta que faria ver as lindas fardas guardadas em casa...:)

Primo de Amarante disse...
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Primo de Amarante disse...

COMUNICADO NACIONAL
(2005SET21)
- AS RAZÕES DA INSATISFAÇÃO -
Dado o clima de alguma desinformação que reina entre parte dos comentadores na comunicação social, mas com o maior respeito pela diferença de opiniões, importa levar ao conhecimento da opinião pública o seguinte esclarecimento em abono da reposição da verdade:
1.Da Reestruturação: A AOFA desde há muito vem defendendo, em termos de princípios, as medidas constantes no programa do Governo, incluindo as tratadas até agora (Criação de um Instituto Superior Militar conjunto e unificação do sistema de assistência na doença), o que podia e devia ser levado a cabo com economias para o Estado e melhoria da qualidade dos serviços prestados, beneficiando os militares.
2.Das medidas de controlo orçamental: Desde o primeiro momento foi transmitido a Sua Exa o Ministro da Defesa Nacional que, apesar de já muito sacrificados, acompanharíamos o esforço nacional, contribuindo para o controlo do défice nas medidas que fossem equitativas e gerais para todos os portugueses e que não colocassem em causa aspectos relevantes do Estatuto da Condição Militar. Solicitámos, como contrapartida, o compromisso político do Governo de que, em matéria de retribuições, venhamos a ser tratados com equidade em 2007, colocando-se os militares ao nível das categorias de referência, isto é, que nos fosse garantida dignidade e justiça social.
a.Um exemplo para que melhor se entenda: Não se reconhece qualquer justificação plausível para a redução do aumento de tempo de serviço de 25% para 15%. Trata-se de uma medida que implica a depreciação do serviço militar prestado ao Estado e que portanto afecta os direitos associados à condição militar. Não se apoia a medida, mas, sendo equitativa e podendo ser compensada posteriormente, aceita-se se for admitida pelos outros servidores do Estado no âmbito da negociação colectiva.
3.Aliás a atitude exigível ao Governo seria algo diverso em matéria de justiça social. Diz-se à boca cheia que as Forças Armadas "não podem ficar à margem do esforço de ajustamento" que o País terá de fazer para resolver os "problemas complicados" do défice das contas públicas.» Como se isso não fosse o que os militares andam a fazer há mais de duas décadas. É absolutamente indispensável desmistificar este discurso. É que, no tempo das "vacas gordas", as Forças Armadas "puderam perfeitamente ficar à margem do esforço de esbanjamento", diminuindo a sua despesa, enquanto todos os outros sectores da Administração Pública viam crescer os respectivos gastos. Porque razão não podem agora ser em parte poupadas. É que para este “Peditório” os militares já estão fartos de dar !
a.As Forças Armadas reduziram nas duas últimas décadas até cerca de 50 % (Exército) os seus efectivos, ao mesmo tempo que projectaram no mundo uma actividade operacional impressionante para um país da dimensão económica e geográfica de Portugal, com um efectivo médio de 730 militares permanentememte em missão nos Balkans, Afeganistão, Iraque, cooperação militar nos países da CPLP e nos Quartéis Generais da NATO, União Europeia, ONU , EUROFOR e EUROMARFOR.
b.Vive-se nas Unidades uma asfixia financeira em que o Orçamento de Estado não chega para pagar mais de meio ano de água e luz dos quartéis, nem para a adequada manutenção das viaturas, sendo necessário recorrer a toda uma série de expedientes para as manter em operação o ano inteiro, por vezes com que sacrifícios do pessoal. O investimento é tão reduzido, que a informatização e a modernização, por mais insignificante que seja, não consegue ser feita. Isto é, a vida do dia a dia dos oficiais e em particular daqueles que desempenham funções de comando é um autêntico pesadelo.
c.Os militares foram os que menos contribuíram para o défice, os que mais se sacrificaram para o evitar e aqueles que foram mais desconsiderados no reconhecimento e na justa compensação do serviço prestado ao Estado e à República. Hoje, um Coronel tem o mesmo poder de compra que nos anos 80 tinha um Major. Os militares perderam em comparação consigo próprios, mas com os outros corpos especiais a situação é ainda mais devastadora: Com base em estimativas que efectuámos, só para compensar a insenção de horário, atendendo aos serviços efectivamente prestados, seria necessário extra de cerca de 50% do vencimento e para sermos colocados ao nível dos magistrados tornava-se indispensável um aumento de cerca de 100%.
4.Do Processo: Por iniciativa do Governo, ao contrário do que é normal quando se trata de benefícios, os militares foram alvo de tratamento prioritário, numa situação próxima de grandes reformas nas Forças Armadas e portanto com necessidade, pelo contrário, de maior ponderação. Ficou-se com a ideia que, mais uma vez, os militares, em vez de preservados, foram usados para condicionar o processo de negociação colectiva dos restantes funcionários da Administração Pública.
Assim, em 10 dias, a meio do mês de férias, a “audição” das Associações foi “despachada” com uma sequência de propostas por parte do governo, sempre com evolução negativa, culminando com a aprovação dum diploma pior, embora com alguns aspectos positivos, diga-se em abono da verdade, com gigantescas ambiguídades e graves repercussões na motivação e no moral dos oficiais das Forças Armadas. Só pela intervenção cuidada do Comandante Supremo das Forças Armadas, foi possível limitar em parte algumas daquelas questões.
Embora tenha sido explícito por parte do MDN que o assunto não está de todo encerrado, mantendo-se a abertura para a audição, a verdade é que sobre as questões de maior relevo, não existe qualquer diálogo com as Associações, mantendo-se por isso a razão para a preocupação e a expressão pública da insatisfação.
5.Da matéria de facto: Para que se entenda melhor o que coloca gravemente causa o Estatuto socio-profissional dos militares e até a sustentação de alguns Quadros Especiais, alguns exemplos:
a.Aposentação 1: Desvalorização do aumento de tempo de serviço de 40% dos quadros especiais de pára-quedistas, mergulhadores, submarinistas e pilotos-aviadores: Ao passar a ser requerido 55 anos de idade para a passagem à reserva, os aumentos de tempo de serviço passam a não ter qualquer relevância prática, o que vai impor a continuação ao serviço de militares que já sofreram um desgaste fisico acentuado e que se consideram credores do serviço já prestado nestas condições.
Existem casos em que os militares vão ter de prestar mais 14 anos de serviço do que estava previsto, o que é impar e desigual face a qualquer quadro especial da função pública. A penalização é tanto maior quanto maior é a pendência da condição militar e quanto mais novos iniciaram a carreira, tornando-se assim duplamente injusto.
b.Aposentação 2: Para os que ainda não têm 20 anos de serviço: perda do direito à aposentação (proporcional ao tempo de serviço). Actualmente têm direito à aposentação, após os 20 anos de serviço, passando 5 anos pela reserva, desde que autorizado pelo Chefe de Estado Maior do Ramo. O novo dispositivo prevê, após a passagem à reserva, a entrada na situação de licença ilimitada (sem qualquer vencimento), sem a possibilidade de voltar à efectividade de serviço (normalmente na licença ilimitada pode ser interrompida). A medida tem inexplicavelmente um carácter punitivo, o que tem dado muito maus resultados em matéria de retenção, como se sabe, e nem tão pouco houve o cuidado de garantir equidade relativamente ao sistema de incentivos disponível para os militares em regime de contracto. Este normativo, que constituía um poderoso mecanismo de retenção a meio da carreira, passa a não ter qualquer significado.
Refira-se que este direito de aposentação a partir dos 20 anos de serviço militar é algo comum em países como os USA e UK, entre outros, em que a saída nem sequer está sujeita à autorização do Chefe, sendo apenas declarativa. É uma compensação associada ao Estatuto da Condição Militar.
c.A combinação das duas medidas anteriormente enunciadas terá, segundo pensamos, efeitos devastadores em determinados quadros especiais altamente críticos para a sustentação das forças Armadas (Pilotos-Aviadores, Engenheiros e Administradores), pelo que consideramos que, para além de configurar uma duvidosa legalidade, dado que vem retirar direitos adquiridos protegidos pela lei do Estatuto da Condição Militar, poderá ser inconstitucional, atendendo a que vai afectar a capacidade de sustentação das Forças Armadas. Todos os indicadores das intenções dos oficiais que temos disponíveis permite-nos tomar esta situação como muito provável e não se compreende de forma alguma a posição do Governo nesta matéria, sobre a qual julgamos seria prudente ouvir as Associações.
d.Assistência na Doença 1: Os conjuges funcionários do Estado deixam de poder usufruir do sistema de assistência na doença dos militares. Na medida em que a família militar sofre das consequências gravosas e risco do militar, também deve de ser compensada directamente pelo Estado. Os conjuges dos militares devem poder optar livremente pelo sistema de assistência na doença.
e.Assistência na Doença 2: O Património do IASFA (Serviços Sociais) foi obra dos militares que contribuem quase que totalmente para o seu orçamento, ao contrário dos demais corpos da Função Pública. Dado conhecer-se o “apetite” do MDN pela alienação do seu património e sendo manifesta a suborçamentação dos sistemas de assistência na doença, com dívidas de toda a ordem, teme-se que ao integrar a ADM no IASFA, a continuidade dos próprios serviços Sociais possa vir a ser posta em causa. Torna-se assim indispensável explicitar a responsabilidade de financiamento do sistema de ADM e proteger o património sobre o qual os beneficiários têm aliás direitos constituídos.
6.Do direito a expressar a insatisfação: As Associações Profissionais de Militares (APM) são independentes e têm o direito nos termos da lei de ser “ouvidas sobre as questões do estatuto profissional, remuneratório e social dos seus associados; Exprimir opinião em matérias expressamente incluídas nas suas finalidades estatutárias e Promover iniciativas de carácter cívico que contribuam para a unidade e coesão dos militares em serviço efectivo nas Forças Armadas e a dignificação dos militares no País e na sociedade”.
Por outro lado, nos termos da lei “os militares na efectividade de serviço que integram estas associações, desde que estejam desarmados e trajem civilmente, sem ostentação de qualquer símbolo nacional ou das Forças Armadas, têm o direito de participar em qualquer manifestação legalmente convocada que não tenha natureza político-partidária ou sindical, desde que não sejam postas em risco a coesão e disciplina das Forças Armadas.” Os militares na reserva e reforma não estão sujeitos a esta restrição.
A AOFA considera assim perfeitamente legítimo, expressar a nossa opinião promovendo ou participando numa iniciativa civíca do tipo manifestação, sobre matérias do nosso dominio socio-profissional que, como é obvio, estão definidas no estatuto da condição militar: “ A condição Militar caracteriza-se por: .../... “ Pela consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da Segurança Social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação. “
Das decisões das tutelas, dado que não são de natureza operacional, mas administrativa e do foro pessoal, assiste-nos o direito de recorrer para os tribunais e demais poderes da República. Se assim não fosse, os militares estariam absoluta e completamente subjugados aos seus Chefes, o que nos parece não caber no conceito de democracia em Portugal.
Alguns portugueses poderão não gostar, talvez mais resultado de uma visão imperialista do mundo do que duma visão humanista, mas nas democracias de grandiosos e disciplinados países da Europa do Norte que tantos evidenciam como exemplo (Filândia, Alemanha, Holanda, Bélgica, entre tantos outros), a manifestação é efectivamente um direito consagrado para os militares. Este é que é o cunho da Europa social a que pertencemos, gostem ou não do facto.
7.Em síntese: Os Militares e os Oficiais das Forças Armadas representados pela AOFA são responsáveis e patrióticos, mas preservam e exigem a dignificação do seu Estatuto sócio-profissional, pelo que não podem deixar de manifestar a sua insatisfação pela depreciação desse Estatuto, resultado directo da aplicação cega das medidas de Uniformização dos regimes de protecção social. O estado a que chegámos é bem o resultado do permanente espírito de resignação face às responsabilidades tutelares, que urge modificar.
Dignificar e contribuir para a coesão e disciplina das Forças Armadas é dignificar e melhorar o estatuto socio-profissional dos seus membros e não o contrário.
As consequências de algumas medidas são muito graves para os oficiais e suas famílias e poderão conduzir a roturas na motivação entre os mais novos, em sectores críticos nas Força Armadas.
O recurso à manifestação pública de insatisfação só pode ser entendido em desespero de causa, o que é obviamente a situação.
Cumprimos lealmente com o dever de transmitir aos responsáveis e ao País a gravidade da situação. Aqueles que agora subscrevem estas medidas ou pelo silêncio e omissão as apoiam serão os verdadeiros responsáveis pelas consequências dos seus efeitos.

Carlos Manuel Alpedrinha Pires, Tenente-Coronel de Artilharia (Presidente do Conselho Nacional da AOFA)