27 outubro 2005

As massas

“O Ministério da Justiça disse "não dispor de dados sobre a adesão, uma vez que a assiduidade dos magistrados não é controlada por nenhuma entidade". (DN, 26/10)

Estas declarações não me mereceriam comentário – já são tantas as piscadela de olhos aos mais básicos sentimentos de inveja por via de falsidades – não fosse ter a associação Sindical dos Juízes Portugueses divulgado aos sócios o seu entendimento de que “Não há dever de comunicação da adesão à greve” .

Diz a ASJP: "O n.º 1 do art.º 597.º do Código do Trabalho, dispõe «A greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade". (...) Por conseguinte, quando alguém adere à greve está a abster-se de prestar a sua actividade a coberto da suspensão do dever de assiduidade, do qual está desvinculado, situação juridicamente diversa da falta ao serviço, que só se verifica enquanto exista o referido dever de assiduidade.» Daí que não se aplique o dever de comunicação, previsto para as faltas ao serviço, nos nºs 1 e 5 do art. 10º do EMJ.

É formalmente engenhosa a formulação, ou não fossem os seus autores... juízes! Mas que se cuidem, pois tais formalismos podem virar-se contra os formuladores:
a ser seguido este entendimento, ainda vamos ver Alberto Costa não só a proclamar que afinal foi muito baixa a adesão à greve (e só não nula porque houve adiamentos de diligências e julgamentos que foram referidos na comunicação social), como a ter (mais um) fácil pretexto para virar a população contra os magistrados: a divulgação de um privilégio até agora insuspeitado - o "direito" a fazer greve sem perda de remuneração!

E lá teremos então, quando os juízes forem em massa devolver as massas indevidamente recebidas - alguém duvida que o farão? -, mas já tiver ficado a ideia de que com elas se abotoaram, os inevitáveis desabafos sobre a dificuldade de fazer passar a mensagem!

Havia nexexidade?

6 comentários:

verbojuridico.net disse...

Sem querer entrar na discussã do argumentos enunciados, gostaria apenas de esclarecer que em muitos Tribunais, houve a comunicação ao CSM e à ASJP da adesão à greve.
Noutros, no dia de amanhã, sexta, será remetido pelo Presidente do respectivo Tribunal, um ofício ao Presidente do Tribunal da Relação respectiva, informação dos Juízes que aderiram à greve.
Finalmente, cabendo aos Tribunais da Relação fornecer e gerir informação administrativa dessa natureza, será mais que provável que nos casos em que essa comunicação (prévia ou posterior) não tenha ocorrido, seja solicitada informação a cada Juiz Presidente dos Tribunais, que obviamente, será dada em conformidade.

verbojuridico.net disse...

Um pequeno aditamento:
A interpretação da ASJP visou sobre a obrigatoriedade de comunicação prévia .
É que, por exemplo, num dos Tribunais do Círculo onde exerço funções, havia pelo menos um Juiz que não tinha ainda decidido convictamente se ia ou não fazer greve e no dia da greve a fez.
Se porventura o comunicado tivesse sido remetido previamente, provavelmente não iria incluir esse(a) Colega, o que acabaria por não corresponder à verdade.

Nos dias da greve é complicado fazer qualquer comunicação, na medida em que há Colegas que não se deslocaram aos Tribunais e outros que apenas o fizeram por passagem, para ver como estava a adesão (como eu próprio fiz, para me certificar do nível de adesão).

Como é mais que óbvio, o Juiz Presidente de cada Tribunal, na comunicação ou na resposta ao pedido de informação à Relação respectiva não pode faltar à verdade e elencará os Juízes que aderiram à greve. Estou certo que quem aderiu à greve não vai dizer que não aderiu só por causa de receber os euros correspondentes a um prato de lentilhas.

verbojuridico.net disse...

Hóspede:

Se um Juiz faltar, diversos julgamentos e diligências ficam por se realizar. O controlo é imediatamente efectuado pelo funcionário incumbido da realização das mesmas.
Se o Juiz não aparecer, os processos também ficam por despachar.

E, consequentemente, entra em vigor o regime da substituição legal por outro Juiz. Ora, este outro Juiz, que vai ter que fazer o trabalho do faltoso, nem sequer é remunerado pelo trabalho suplementar. Por isso, não será fácil fazê-lo se não souber a razão da falta.

Isto é, se o Juiz faltoso não comunicar a razão da falta (desde logo deve fazê-lo ao Juiz-Presidente, assim como ao secretário de justiça para que este exerça as suas funções em relação aos funcionários), é controlado imediatamente por várias pessoas (Juiz-Presidente, Juiz Substituto, Secretário de Justiça) que reclamam conhecer da razão da sua falta para todos estes efeitos legais e processuais.

E se o Juiz faltoso não comunica previamente, não toma a iniciativa de o fazer, o Juiz-Presidente, o Juiz-Substituto ou o Secretário de Justiça tratam logo imediatamente de comunicar ao Presidente da Relação respectiva.

Como vê, a falta de um Juiz é muito mais visível e muito mais controlada do que a falta de qualquer servidor que exista nos corredores dos órgãos públicos.

Só que, numa greve, não estando presentes nenhum dos aludidos, o controlo tem que se efectivado como enunciei nos comentários anteriores.

Esteja descansado que não é pelo absentismo dos Juízes que a justiça está como está.
Porque eles nem sequer podem faltar quando estão doentes. Sabe porquê ?
Porque se faltarem, não se tratando de questões que devam ser asseguradas pelo Juiz-substituto (que é o Juiz do gabinete ao lado, com as centenas de processos em cima da mesa e com julgamentos diários para fazer), os processos vão continuar em cima da sua mesa, acumulados, que terão de ser por si despachados. Quantas e quantas vezes, apesar de doente, constipado, gripado e debilitado, fui trabalhar, algo que certamente não aconteceria com muitos cidadãos portugueses. É que o trabalho não desaparece e fica acumulado.

Finalmente, se um Juiz faltar ao serviço e não comunicar previamente ou logo que possa, esse é fundamento de processo disciplinar. E não há nenhum Juiz que queira ter um processo disciplinar por uma questão tão mesquinha.

O problema dos juízes não é a sua falta, mas sim o seu excesso de trabalho, fora das horas de serviço, não apenas no Tribunal, como em casa, todas elas não remuneradas e, agora, para cúmulo, nem sequer reconhecidas.

josé disse...

O problema nestas matérias é que o discurso que passa para algumas pessoas que estão "de fora" a observar o esquema de funcionamento destas coisas, é Este, p. exemplo, no blog margens de erro

O blog é animado por Pedro Magalhães que costuma ser convidado da tv, em épocas de eleições.
Manifestamente, não domina o assunto de que fala. Mas respondeu ao meu remoque com fair play. Ao menos isso.

Kamikaze (L.P.) disse...

APRAZ-ME REGISTAR QUE:

JTRP, do Verbo Juridico, depois de ter aderido à tese, da ASJP, da desnecessidade de comunicação da adesão à greve (e basta ler os fundamentos de tal posição para se perceber que não se referia a um pré-aviso de adesão), escreve hoje naquele blawg:
(...)
"entendemos que, em cumprimento do seu dever de responsabilidade, deve ser comunicada essa adesão posteriormente aos dias de greve, para confirmação dos níveis de adesão e ainda para efeito de dedução no seu vencimento dos dias de retribuição, o que pode ser efectivado por cada Tribunal (designadamente mediante ofício a remeter pelo Juiz-Presidente) ou por cada magistrado individualmente (a 1.ª opção é mais simples e menos onerosa para os serviços). É nossa concepção pessoal que esse ofício deve ser remetido ao Conselho Superior da Magistratura e ao Presidente do Tribunal da Relação respectiva.

Quem esteve afecto aos serviços mínimos deve comunicar que aderiu à greve, mas que esteve a cumprir os serviços mínimos, a fim de não sofrer qualquer dedução na retribuição, de acordo com o disposto no art.º 600.º do Código do Trabalho."

o post pode ser lido na íntegra aqui.

victor rosa de freitas disse...

Ó Sr. Joel Timóteo: coma um "prato de lentilhas" oferecido por "alguèm" que tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer interesse no seu Tribunal e deverá V. Exª ser acusado de corrupção passiva. É A LEI PENAL ACTUAL QUE O DIZ! Só para lhe dizer que um "prato de lentilhas" vale muito, segundo a LEI em vigor!