28 outubro 2005

O "caso Felgueiras"

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Andam todos preocupados com as greves e as coisas (também) importantes passam ao lado, até num blogue com as características do Incursões. Vejamos: o Tribunal da Relação de Guimarães decretou que o processo de Fátima Felgueiras voltasse à fase de instrução, em consequência de ter declarados nulas algumas das escutas telefónicas feitas no âmbito do processo, bem como inadmissíveis as provas colhidas através de declarações dos sujeitos processuais que denunciaram o caso feitas na qualidade de testemunhas e que, posteriormente, foram constituídos arguidos. Não sei se a invalidade de tais provas põem ou não em causa a substância do processo. O que se sabe é que, pelo menos em teoria, o novo juiz de instrução pode decidir não pronunciar Fátima Felgueiras. Imagine-se que é isso que vai acontecer. Como sairá a imagem da justiça de tal situação? Como se irá convencer o cidadão comum - aquele em nome de quem a justiça é administrada - de que a autarca não teve razão em ter viajado para o Brasil, antes de ser presa preventivamente? E como se irá convencer o cidadão comum de que, afinal, o processo não é - como a autarca reclama - uma infâmia?
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É claro que quem se mexe nos mendros do direito sabe que as coisas não são assim tão lineares. Mas esses são poucos. E como se irá explicar que o processo pode ir ao ar porque houve erros clamorosos de quem dirigiu o processo?

8 comentários:

josé disse...

Meu caro carteiro:

Sobre o assunto delicado, e com o qual nada tenho a ver directa ou indirectamente, parece-me dever dizer isto:
O DN noticiou na altura isto:

“Quanto às escutas telefónicas, os desembargadores anularam- -nas, por considerarem excessivo o prazo de 90 dias para a sua realização (como se verificou no processo do "saco azul"), assim como a prorrogação deste prazo, feita por um juiz, sem uma prévia audição das já efectuadas. "Ao assim proceder, o juiz está a delegar poderes exclusivamente seus num outro órgão, o que a lei não permite, deixando que seja essa entidade a sindicar a legalidade das conversas gravadas e a valorizar o conteúdo das gravações, determinando a sua relevância ou irrelevância", escreveram os desembargadores.

Sobre as declarações prestadas por Horácio Costa, Joaquim Freitas e José Bragança da Cunha (que permitiram à PJ aclarar o alegado esquema de circulação do dinheiro entre as empresas e o "saco azul"), os desembargadores afirmam que estas "não podem ser valoradas e utilizadas como prova" contra Fátima Felgueiras, isto porque da leitura dos autos "constata-se que os mesmos contêm factos passíveis de integrar crimes por eles cometidos". Só que, até final do inquérito, os três foram sempre ouvidos na qualidade de testemunhas, sendo constituídos arguidos apenas no final. Ao DN, Artur Marques, advogado de Fátima Felgueiras, mostrou-se satisfeito com a decisão, porque esta "afecta a essência da prova do processo".”

São estes os “erros” graves de que agora são acusados os acusadores e a quem alguns – não sei com que legitimidade ou conhecimento de causa - pedem já a cabeça num prato debruado a rosa choque.
Porém, quanto ao primeiro aspecto cito apenas isto que fui buscar aliás ao cum grano…

O Tribunal Constitucional não julga inconstitucional a norma do ar¬tigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, deter¬minada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de tex¬tos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Po¬lícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos - Acórdão 426/2005, de 25 de Agosto de 2005.

Quanto ao “erro “ grave de não se ter constituído arguido quem denunciou logo no início o caso, só pergunto: como é que pode ser assim erro tão grave e mesmo grosseiro – segundo os mesmos inquisidores - se nem mesmo a defesa se lembrou de o apontar e ficou surpresa com a decisão, segundo li?!

Vendo as coisas desta forma pergunto: quem é que sabe exactamente porque é que houve erro, nesse caso?!
Algum dos que pedem a cabeça num prato rosa choque saberá dizer onde reside exactamente esse tal erro grave e até mesmo grosseiro?!
E noutro nível, será que alguém compreende que essas testemunhas que também o são - e qualificadíssima, dos factos- pois que os denunciaram, tinham logo que sere constituídas arguidas quando o papel que desempenharam foi exactamente o de denunciantes da marosca?!!
Isto faz algum sentido?
Ou seja, faz algum sentido a norma do processo penal que assim aparentemente obrigará se for interpretada nesse sentido ( pois que pode haver outro...)?

COmo dizia o Orlando de Carvalho: O Direito é uma aldrabice- secante!

Primo de Amarante disse...

O que é aborrecido é que nessas "aldrabices" quem fica sempre a perder é o pé descalso. Olhe, p. ex., Ferreira Torres! Por muito menos há quem esteje na cadeia.

E que sindicato poderá corrigir esta situação: da "aldrabiçe" correr melhor para uns do que para outros?

Vou deixar de escrever sobre estas questões. Já me "chateiam".

josé disse...

Não...não desista, compadre!
Na escrita, percebem-se algumas coisas. Percebe-se se temos ou não argumentos e se os que temos, servem para alguma coisa.

Neste caso, ainda falta cumunicar a ideia básica sobre a tal "aldrabice".
COmo é óbvio, esta "aldrabice" nem sempre o é...
A questão que se coloca, então, é fazer como aquele que olha para o "gato de Schroedinger": estará ou n-ao estará morto?!
No caso, será que se vai ou não fazer justiça?
Nesta noção de Justiça, às vezes, acontece aquilo que se costuma dizer: Deus escreve direito por linhas tortas. E olhe que é uma das filosofias práticas que costumo citar, até para mim próprio.
Quando me parece que deteminada decisão judicial é uma tremenda injustiça, venho a reconhecer, tempos mais tarde aquele velho ditado. COmo alguém dizia, o mal que fazemos tende a recair sobre nós mesmos.
Façamos o bem, compadre! Cumpramos o nosso dever.
E no seu caso, se bem o entendo, nem precisa deste conselho.

blábláblá disse...

http://patologiasocial.blogspot.com

A lei da ignorância

Vêem os professores de Direito, supostos mestres, e dividem-se quanto ao sentido de uma norma jurídica, na aparência clara. Chegam a seguir os tribunais e lavram jurisprudência oposta sobre a mesma norma. Ora o sistema jurídico são milhões de normas, assim com biliões de entendimentos possíveis. Uma coisa é clara na arquitectura deste sistema de loucos: o cidadão é obrigado a conhecer a lei e não pode escusar-se por não a conhecer. Mas qual lei de entre as triliões de variantes dos biliões de entendimentos dos milhões de artigos?

29.10.05

o sibilo da serpente disse...

Caro José: uma vez mais, agradeço os esclarecimentos.
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Além disso, nem sei se a Mma Juiz de instrução comteu um erro. Tanto quanto sei, a decisão do TRG contraria jurisprudência do STJ quanto à questão das declarações das testemunhas que, depois, passam a arguidas.
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O que me moveu, foi, uma vez mais, trazer à liça os erros que se cometem em casos como este que, por serem delicados e mediáticos, estão constantemente na mira da opinião píblica e põem em causa a credibilidade da justiça.
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Acho que é este o desígnio que deve mover as magistraturas: reganhar a confiança do povo.
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É isto e apenas isto que me preocupa. E se calhar não devia.Às tantas, a má imagem que os magistrados possam dar, servirá para recuperar a imagem dos advogados, má imagem essa de que os próprios têm culpa e para a qual muitos magistrados contribuem.

blábláblá disse...

http://marinquieto.blogspot.com/2005/10/perplexidade-de-cidado.html

PERPLEXIDADE DE CIDADÃO

A história é esta:
1. O Estatuto do Jornalista afirma que “sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação” (di-lo o nº1 do artº 11º da Lei 1/99, de 13 Janeiro);
2. Um jornalista, inquirido em tribunal sobre quem teria sido a fonte de uma notícia, recusou-se a identificá-la;
3. Porque tal informação respeitava ao segredo profissional do jornalista, o juiz de instrução criminal, entendendo que, mesmo assim, no caso concreto a fonte deveria ser revelada, suscitou a questão ao Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu que aquele devia prestar o seu testemunho com quebra do segredo profissional, ou seja, tinha de responder, com verdade, à pergunta sobre quem havia sido a sua fonte. Porquê? Porque entendeu que, no caso, o dever de prestar tal informação deveria prevalecia sobre o sigilo profissional (tudo isto, nos termos do artº 135º do Código de Processo Penal);
4. O jornalista, tendo sido, então, instado a revelar a fonte, recusou-se a fazê-lo, tendo sido acusado e condenado como autor de um crime de desobediência;
5. O jornalista recorreu da sentença que o condenou e aquele mesmo Tribunal da Relação decidiu revogá-la por entender, agora, que “no caso em questão preponderava o seu direito à manutenção do segredo de justiça”.

A história tirei-a do “Público” de ontem, e não é sobre a correcção jurídica das decisões tomadas ao longo do processo que vou manifestar a minha opinião (o que daria outro debate, mais técnico, igualmente interessante), pois para o efeito é-me irrelevante qual acabou por ser a decisão final. Coloco-me no lugar de cidadão leitor do jornal. E pergunto: mas como é que o mesmo tribunal decidiu primeiro que o dever de identificar a fonte prevalecia sobre o segredo profissional e depois decidiu exactamente o contrário? A resposta que receberei dos entendidos, e que eu próprio já dei sem grande convicção algumas vezes, é esta: o colectivo que, no Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu de uma e da outra vez foi diferente, não era constituído pelos mesmos juízes, daí que a decisão pudesse ter sido diferente; por outro lado, isto só significa que o sistema funciona, pois garante a correcção das suas decisões. Mas, não é natural que cause perplexidade? Não é natural que um qualquer cidadão fique com a ideia de que ser absolvido ou condenado pode ser uma questão de sorte?

Não valerá a pena perder algum tempo a pensar nisto? A pensar nas questões referentes à segurança jurídica e à coerência das respostas do sistema de justiça?

E não valerá a pena recuar até à Universidade, que tão arredada tem andado de todo o debate à volta da justiça, como se todos os defeitos se ganhassem depois de sair de lá? Até para ajudar a perceber porque é que, de vez em quando, temos a tendência para entender que a realidade é um factor perturbador da fluidez do raciocínio jurídico.

posted by Rui do Carmo

blábláblá disse...

À boleia da citação anterior: este senhor (Rui do Carmo) não era suposto estar a escrever estas coisas aqui neste blog (Incursões) ou então naqueleoutro (Cum Grano Salis)?!
Alguém faz favor de explicar esta dispersão de forças e esforços? Já parece a esquerda nas presidenciais! Que primas donas!

josé disse...

Meu caro Rui do Carmo:

Tarda já uma conferência nacional em que intervenham os pais adoptivos do nosso sistema penal - Figueiredo Dias, Costa Andrade, Faria Costa- só para mencionar os catedráticos mais proeminentes nesta matéria e os profissionais do foro.

Um encontro em que se pudesse discutir livremente estas perplexidades e cada um dos lados ( se é que existem assim tão extremados) pudesse dizer ao outro o que pensa abertamente sobre o sistema que todos vão construindo.

De costas voltadas é que a coisa vai mal.