texto enviado para publicação hoje no Incursões, pela nossa estimada colaboradora Amélia
O meu nome é Amélia Pais e fui professora durante 36 anos e meio. Vou falar-vos - liricamente dirão alguns - do ofício que escolhi desde criança.
Eu não sei bem o porquê da escolha - suponho que a influência, primeiro, de uma velha tia que me ajudou a criar (a importância das tias, não é Alçada Baptista?) que, era eu pequenina, brincava comigo, contando-me «histórias», não só de fadas ou de bruxas, mas, e talvez sobretudo, de como se faz o pão, de como crescem as plantas ou se faz a dança dos planetas em torno do Rei Sol - ou de como, em tempos passados, Moisés conduzira o seu povo de regresso ao lar, ou ainda de como Viriato, quase meu conterrâneo, enfrentara os Romanos... Me ensinava, também, os jogos possíveis com os números - ou então com as letras que, juntas, formavam palavras e frases com que os livros se nos abriam para a fantasia.
À distância, vejo agora essa minha tia, que era professora aposentada, como alguém que tornava o aprender algo que dava alegria e vontade de saber mais - e creio que com ela aprendi o gosto de proporcionar a outros essa troca de experiências, de saberes e, talvez, principalmente de afectos, que é o acto de ensinar.
Mais tarde, um outro professor, este de Português, o Dr.Luís Simões Gomes (pai), ensinou-me, com a descoberta dos textos, o sabor e a cor da liberdade - e nesta segunda aprendizagem importante na minha formação, a vontade reforçada de, como ele, ajudar os outros a crescer livres e dignos, como seres que pensam e se pensam.
Assim me fiz oficial do mesmo ofício, de, como dizia, de há mais de 36 anos para cá. Não lamento a escolha feita - é ofício que exige muito amor, muita abertura ao outro, muita vontade de partilhar, muito entusiasmo (à letra «deus em nós»). Mas que ofício melhor para crescermos e nos enriquecermos durante uma vida inteira?
Sim, eu também sei que economicamente não compensa lá muito (mas, como dizia outro Professor, Agostinho da Silva, faço o que me dá gosto e ainda por cima me pagam para fazer o que gosto...); sei também que muitas vezes - demasiadas vezes até - vêm desencantos, incompreensões, frustrações - porque o quotidiano fica por vezes bem aquém do sonho. Mas que melhor do que ver brilhar os olhos de um aluno quando, connosco, descobre um universo novo? Ou quando encontramos antigos alunos (por vezes pais de actuais alunos, como me vai acontecendo cada vez mais) - que nos recordam como alguém que os marcou positivamente e os ajudou a entrara melhor na vida? (Bem certo é que só recordamos os professores que nos marcaram positivamente ou negativamente, não aqueles que se ficaram por um certo cinzentismo...) Ou antigos alunos que nos associam à descoberta da beleza de um ou mais versos d' Os Lusíadas ou da «Tabacaria» de Álvaro de Campos? Que satisfação maior do que esta de ver-se reconhecido e de nos sentirmos assim ligados à descoberta da beleza e da vida?
E depois é bem verdade que bom professor não envelhece nunca... e não morre - porque fica a sua imagem bem viva na memória e no coração daqueles com quem e para quem viveu...
Amélia Pais
(Leiria, reelaborado em Outubro de 2005)
***
05 outubro 2005
O MEU TESTEMUNHOno dia mundial dos professores
Marcadores: kamikaze (L.P.)
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9 comentários:
A falta de bons professores é notória na maioria dos políticos.
Pensei responder ao seu texto com um poema, amiga Amélia.
Um poema que respirasse sentir fraternalmente o que você tão bem diz.
Mas não tenho andado bem; ainda não me adaptei à situação de aposentado. Fazem-me falta os alunos, sobretudo os alunos. Precisava de continuar a aprender com as questões que lhes colocava, percorrer com eles um caminho de reflexão e tirar conclusões, sempre a tirar conclusões para não deixar que o pensamento se torne vadio. Mas,conclusões sempre provisórias para que eles compereendam que as ideias não são como os prontos a vestir.
Nasci no dia 05 de Outubro. Estive sempre na primeira fila das homenagens aos republicanos. Este ano, hoje, fui à caça sozinho. Andei sozinho na serra e aí almocei com o meu cão, uma perdigueira português legitima.
Comemos os dois uma lata de atum, dois pães e uma cerveja. No final, só eu tomei café que levo sempre.
lembrei-me de muita gente, lembrei-me de amigos que já partiram e que eram tão tolos como eu. Lembrei-me de cenas bem republicanas e na costa grande (lugar da serra) dei um VIVA A REPÙBLICA, com toda a capacidade que os meus pulmões consentiram.
Viva a Republica, amiga Amélia e obrigado pelos poemas que me vai enviando.
Aquele abraço republicano para todos.
Não só nos políticos, caro (a) assurancetourix, mas também naqueles que os parecem dispensar para si próprios.
A vida deveria ser sempre aprender/ensinar/aprender
Noto, creio, uma pontinha de nostalgia no artigo da Profª Amélia Pais. Como ela diz, é ofício que exige muito amor e muito entusiasmo. Creio que são atributos que hoje faltam no desempenho de várias áreas profissionais. Veja-se o dilúvio que desabou sobre certas camadas profissionais. No caso que agora nos interessa, os Professores estão num completo descrédito - os poderes públicos bem se encarregaram de os lançar para a lama! Não são respeitados pelos alunos e pelos respectivos pais (ambos padecem, em geral, de uma grande falta de cultura e completa ausência de valores!), não são valorizados socialmente, precisamente o inverso do que aconteceu numa época em que agora nos dizem ter sido, afinal, uma “longa noite”! O que é facto é que ainda me lembro bem da minha “Primária”, na qual guardo boas recordações de uma Profª bondosa, meiga, e más recordações de uma outra que mais me parecia ma “bruxa”. Paz à sua Alma! Mas todos nós guardávamos respeito por quem nos ministrava os conhecimentos os quais, se o programa ainda se mantivesse nos nossos dias, diriam que o mesmo constituiria uma violência, pois as criancinhas não poderiam assimilar tudo aquilo: a aritmética, a gramática, a geografia, as linhas de caminho de ferro, Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Timor…Ah! E o ensino da Religião (Católica, pois claro – hoje, tal seria “inadmissível” em nome de todas as “liberdades e princípios” daqueles que existem e dos que virão a existir…)
Mas focando agora a parte em que a “nossa” Profª Amélia refere o facto dos alunos, anos mais tarde, ainda se recordarem do “lente” que os marcou, de uma maneira ou de outra, gostaria de aqui lembrar a minha Profª de Desenho do (antigo) Liceu, da qual esqueci o nome mas não o seu doce perfil, arrojado para a época (“Estado Novo” – ai o meu querido MCM se lê isto!), “tailleurs” brancos, com saias curtinhas, logo acima do joelho, e a sua emocionante entrada no pátio, de mercedes também branco (lembram-se daquele modelo de táxi mercedes que andou muitos anos na praça nos anos 50 e 60?) e o seu cabelo ao vento desenhando os contornos da nossa inocente paixão…
Eram tempos em que a Poesia habitava o nosso quotidiano de miúdos. Creio que hoje tudo é mais despido de beleza e de sonho. Conforme aliás com o regime republicano que hoje se comemora - mais cinzento, de pedra, assombrado.
Delfim Lourenço Mendes.
Não. Nunca se esquece os bons professores.nunca se esquece as viagens que fizemos pelas suas mãos. Nem os sonhos que realizamos.
Meu carinho aos professores ( você também compadre )e
um beijo especial à Amélia.
Silvia
Honra ( e muita) ao senhor professor Cachulo, da escola primária de Buarcos.
Honra também ao dr Ilidio Sardoeira, meu professor de ciencias Geográfico-Naturais no 1º ano de liceu na Figueira da Foz.
Honra sempre aos Doutores (por extenso) Carlos Mota Pinto, Orlando de Carvalho, Teixeira Ribeiro, Ferrer Correia e Pereira Coelho, todos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Mas permitam-me todos que eu especialmente distinga o primeiro, humilde professor primário que não desdenhava usar a régua nas nossas mãos, que vinha a pé para as aulas fizess chuva ou sol, que não faltava, que vibrava com os nossos êxitos e que enquanto viveu sempre se interessou pelos milhares de alunos a quem ensinou a ler escrever e contar.
Bom seria que hoje em dia um(a) professor(a) pudesse dizer que pelo menos ensinou isso aos alunos e que eles fazem uma conta sem máquina, compreendem o que lêem ou não dão erros numa carta.
É pedir muito? É pedir o necessário.
Olá Amélia, amiga: volte sempre que aqui só tem amigos.
Eu vou voltando sempre, amigos.Por sinal também conheci no liceu de Viseu o Dr.Ilídio Sardoeira(não foi meu professor,mas dava-se bem com aquele que refriro ter sido o meu grande mestre - e juntos remavam contra a corrente, em actividades culturais fora a Mocidade Portuguesa(não vingaram, só fizeram 1 ou 2 sessões...)-o Dr.Sardoeira só esteve lá um ano, creio, mas nunca esqueci o nome e o homem - e de uma sessão em que eles nos fizram ouvir a Sinfonia Pastoral de beethoven (coisa que nas aulas não havia...)
Repito:Voltarei sempre, amigos.
Compadre: de um modo ou de outro o compadre será sempre professor...
eu nasci também em 5 de outubro, não sei se do mesmo ano(1943)-seremos gémeos ? - :))
No meu blogue, que é muito variado -blogue de poesia e de vida -inaugurei uma secção de educação, também.Com um primeiro texto algo provocatório...convém semnpre sermos os tais «indicipli-
nadores de almas» que Fernando Pessoa dizia querer ser...
Haverá outros textos provocatórios ou não...e é sempre interessante ler os comentários.Como aqui.
Amélia, parabéns pelo seu aniversário e também pelo belo texto com que nos presenteou!
O seu texto puxa a memória e faz quedar o pensamento naqueles que nos marcaram a educação e a vida. Sorte de quem teve professores assim e sorte também destes porque significa que, como disse a Amélia, gostavam do que faziam. Também tenho essa sorte, ou antes, esse fruto.
Parabéns também Compadre Esteves! Que sejam por muitos e bons, com pouca caça (pobres aves!) e muitos berros que isso sim, faz bem e sabe bem.
Parabéns aos professores Amélia e compadre Esteves, por teimarem em ir pelo sonho e pelos seus aniversários... :)
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