Há dias li um acórdão que achei maravilhoso. Está publicado a fls. 306 do tomo II/2005 da Colectânea de Jurisprudência.
O Tribunal da Relação de Guimarães conclui que " contrariamente ao que sucede no processo civil, em que a notificação por via postal se presume feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando ele o não seja, no processo penal a notificação só se presume feita no terceiro dia útil posterior ao registo, ou seja, no terceiro de três dias úteis posteriores ao do registo."
Sempre assim o entendi e sempre me pareceu que não podia haver havia dúvida. Mas não só houve, como tribunais superiores decidiram de forma diversa.
Ora, naquele aresto se diz uma coisa brilhante, que devia ser óbvia para os juristas (mas que muitas vezes não é!): "a interpretação literal da norma não é, em si, um mal, sempre que o sentido para que nos remete não seja paradoxal".
Os juristas gostam tanto de brincar com as palavras que, às vezes, até se esquecem do que elas significam. Não só desconhecem a matemática, como vão tentando esquecer a gramática e o dicionário. E, de vez em quando, é preciso que alguém descubra que as palavras têm significado, que as leis visam regular a vida em sociedade, que servem para criar a segurança indispensável na relação social. Não têm as leis por objectivo infernizar a vida dos cidadãos, nem servir de espaço lúdico. A interpretação das leis tem consequências e quem as interpreta deve estar consciente do que diz.
17 novembro 2005
Contagem de prazos em processo penal
Marcadores: mocho atento
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1 comentário:
Meu caro,
O tema que aborda é muito interessante e da maior importância: adequar o raciocínio jurídico ao sentido do real.
Tive uma vez um caso em que uma empresa vendedora de elevadores os vendia com reserva de propriedade e dado que o construtor os não pagou, exigia ir lá ao prédio e remover fisicamente os elevadores.
Durante bastantes anos aceitava-se esse despautério.
Quando chegou a minha vez, aquilo parecia-me surreal: então e se uma outra empresa vendesse bidés e sanitas com garantia real, no caso do não pagamento tinha o direito de ir lá buscá-los e deixar os inocentes condóminos sem casa de banho ?
Lá estudei a questão e optei por declarar que os elevadores ao serem incorporados no prédio tinham perdido a sua individualidade como coisa jurídica, extinguindo-se por via disso a reserva de propriedade.
A tese fez vencimento e creio que hoje em dia é pacificamente aceite.
O raciocínio legal formal tem que desembocar num resultado material aceitável, sensato, caso contrário só serve para estudo académico.
Mas o nosso "milieu" está repleto de formalistas que frequentemente por via disso chegam a resultados completamente absurdos.
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