Artigo de Antonio Cluny, presidente do SMMP, no DN de hoje (a ler aqui).
(comentario do Camara Corporativa a ler aqui)
05 novembro 2005
A GREVE DOS MAGISTRADOS E O FUTURO
Marcadores: kamikaze (L.P.)
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3 comentários:
É surpreendente a capacidade do Ministério da Justiça para delapidar todas as oportunidades de uma aproximação com os profissionais da justiça, mesmo nos aspectos em que isso é inteiramente possível.
Os acontecimentos de ontem provam-no mais uma vez.
O Ministro tinha várias medidas para anunciar: a alteração do regime do apoio judiciário, a construção de mais Tribunais, o abandono do projecto de construção da sede da Polícia Judiciária em Caxias e a redução das custas judiciais.
À partida seriam temas mais ou menos pacíficos.
O senhor Ministro só teria que dizer que o actual regime do apoio judiciário demonstrou não ser adequado, por ser caro e pouco satisfatório, e que por isso o Ministério estava a trabalhar num projecto da respectiva alteração.
Mas não.
Vestiu a sua armadura de justiceiro mediático, fez uma cara severa e declarou que o Estado tem desperdiçado muitos milhões de euros com os advogados em defesas que não chegam a ser “decentes”, acrescentando que “um grande número de pessoas, em situações em que os contribuintes pagam honorários, são mal defendidas ou não são defendidas ou então são defendidas com frases - isto não está bem.”
Não havia a menor necessidade de se dizer isso, que é polémico e em minha opinião de uma injustiça extrema para a advocacia.
Pois é claro que imediatamente se levantaram vozes, como a do ilustre Bastonário da Ordem dos Advogados, rebatendo as considerações do senhor Ministro sobre a advocacia oficiosa, gerou-se uma discussão e estabeleceu-se uma polémica inteiramente desnecessárias, que além do mais provocaram imenso ruído mediático.
Ruído esse que praticamente impediu que as pessoas se concentrassem nas três boas medidas que o Ministério prepara e que também foram anunciadas: a construção de novos Tribunais, o abandono do megalómano e precipitado projecto da nova sede da PJ e a redução das custas judiciais – tudo medidas sensatas, equilibradas e que são aplaudidas por 99% da comunidade judiciária, que passaram despercebidas devido exclusivamente à forma deselegante, crispada e justicialista como o Ministro da Justiça abordou a questão do apoio judiciário.
Por outras palavras: o Ministro já não consegue sequer obter o assentimento da comunidade jurídica mesmo quando anuncia medidas que todos aprovam e que à partida mereceriam o aplauso generalizado !
Já não consegue abrir a boca sem acusar A ou B de incompetência, sem censurar a C ou D de falta de produtividade, sem ofender E ou F insinuando que são incapazes - cada cavadela, sua minhoca.
A reforma da justiça – uma reforma razoável da justiça – parece cada vez mais longínqua.
Foi substituída pelos “sound bytes” mediáticos do discurso justicialista governativo.
Este discurso não precisa de ser refutado: como dizia Eça de Queirós, limpa-se com benzina – porque é, indiscutivelmente, uma nódoa !
O grande problema de Alberto Costa, ex-ministro da Administração Interna e ora ministro da Justiça, é que é daquele tipo de pessoas que, no mundo em que estamos, pode ser ministro de qualquer coisa e deve sê-lo porque, pelos critérios actuais, o que é preciso é cumprir as exigências partidárias e satisfazer as sopeiras partidárias. Ora, uma pessoa que pode ser ministro de qualquer coisa - depende do que a cada momento dá mais jeito ou está mais disponível - não pode ser ministro de nada. Radical? Pois, talvez demais. Além disso, eu sei que há por aí ministros que não sabem fazer outra coisa que não seja serem ministros ou coisa parecida. E, realmente, andam por aí pessoas que não podem, com a idade que têm, começar a trabalhar, a fazer alguma coisa de útil. Desde logo, porque não sabem. E compreendo que não seria muito curial pô-los ao abrigo do rendimento mínimo garantido, ou lá como se chama agora.
Caro Nicodemus, na verdade cheguei a acreditar durante 1 ou 2 meses que a acção do Ministério da Justiça era desastrada em virtude de alguma aselhice dos seus responsáveis; depois concluí que tanta aselhice a toda a hora era aselhice a mais e tive que me render à evidência: a acção ministerial estava e está a seguir um figurino pré-determinado de afronta das "corporações" para gáudio da populaça, visando "facturar" em popularidade, como foi muito bem explicado por José Pacheco Pereira no texto «Austeridade ou “luta contra os privilégios”».
E parece-me que essa política está a ser de tal forma exagerada que na segunda metade da legislatura, quando o Governo vier com eventuais medidas mais conciliatórias, já ninguém estará sequer disposto a ouvi-lo, à semelhança do que já começa a acontecer com o Ministro Alberto Costa; quando digo “ninguém” quero dizer ninguém do “milieu”, ninguém dos decantados operadores judiciários estará sequer disposto a conceder-lhe o benefício da dúvida.
E sem eles o Ministro não vai a lado nenhum – ele pensa que vai, mas não vai, conseguirá certamente destruir muita coisa (que é o que ele tem feito), mas não conseguirá construir nada de significativo.
As perspectivas são por isso bastante sombrias.
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